Paulista de nascimento, mas capixaba de coração, Margareth Galvão instalou-se definitivamente no Espírito Santo no final dos anos 80, depois de construir uma longa e vitoriosa carreira durante quase cinquenta anos no teatro e no cinema. Como professora, contribuiu para a formação de atores e atrizes na Escola de Teatro e Dança FAFI, em Vitória, onde lecionou por 16 anos. Recentemente, foi homenageada nos festivais de cinema de Vitória, Muqui e Santa Teresa. Nesta entrevista à Teatro Hoje, ela faz um resumo de sua trajetória artística, fala o que o teatro representou em sua vida e o que pensa para o futuro.

 

Teu ecletismo é admirável. Além de atriz, dramaturga, diretora de teatro e coordenadora cênica de óperas, é também artista plástica. Fez peças, atua no cinema. Somando tudo isso, como você se definiria e o que mais te encanta nesse universo artístico?
Sou uma buscadora, tenho a mente inquieta. O que mais me encanta nesse universo artístico é o estado criativo, estado de foco, presença e fruição nas áreas por onde transito, descobrindo e aprendendo sempre suas especificidades. Artes Plásticas, encarei mais seriamente depois da graduação em Artes na Universidade Federal do Espírito Santo-UFES, aos 55 anos de idade. Voltando ao processo de busca desse estado criativo que se iniciou no teatro, há quase 50 anos e que me proporcionou o que mais me estimula na atuação, e atualmente, na direção e escrita teatral, a investigação do espírito humano, a partir de mim mesma e das relações que se estabelecem no teatro. Esse processo de busca por vezes pode ser angustiante, mas extremamente prazeroso. Ver um desafio pessoal e coletivo concluído é edificante, mesmo com alguns trabalhos por vezes hercúleos e, claro, os trabalhos fruídos, sincrônicos, cheios de bons “acasos”. (Ri)

 

Depois de interpretar personagens de Gogol, Brecht, Lorca, Büchner, Shakespeare e Nelson Rodrigues, você escreveu para o teatro. Tornar-se dramaturga foi uma necessidade, uma curiosidade ou surgiu naturalmente?
Ainda morando em São Paulo, aos 20 e poucos anos, depois de ter estudado teatro na Fundação das Artes, fiz um curso de Monitoria do Jogo Dramático com Joana Lopes e, a partir daí, comecei a dar cursos e oficinas. Surgiu então a necessidade de escrever cenas curtas para os participantes. Depois disso, escrevi 5 textos em parceria com Erlon José Paschoal, todos editados e 2 encenados. Escrita solo são 5 textos, 3 deles montados e nenhum editado. Mais recentemente, escrevi o texto O Auto do Rio Piraquê-açu, em parceria com Peter Boos

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Como foi tua experiência na direção cênica da ópera Pagliacci, de Leon Cavallo? Sentiu-se à vontade ou houve momentos de tensão diante da grandiosidade do gênero?

Antes da ópera Pagliacci, já havia feito a coordenação cênica de outras óperas, porém, nenhuma delas com tanta gente em cena. Foi desafiador ter 43 pessoas no palco, coro, pessoas de circo, perna-de-pau e mais os solistas. Tive a meu favor a experiência de anos dando cursos e oficinas com muitos participantes. Fiz também a coordenação cênica da ópera Orquestra dos Sonhos do Tim Rescala. Outro desafio, trabalhar com os cantores solistas e a orquestra, que tocava e atuava. Os músicos eram personagens dessa ópera infanto-juvenil.

 

Fale um pouco dos quatro meses que você passou na Alemanha. O que essa estada significou na tua vida?
Morei em Berlim por um ano, 1982. A cidade ainda era dividida. Existia o muro e rígidas fronteiras. Nessa estada, aprendi muito com o povo alemão. Caí na panela de pressão da guerra-fria sempre na iminência de explodir. Bastava sobrevoar as principais cidades alemãs e se avistava uma enorme quantidade de mísseis apontados para o outro lado e vice-versa. Berlim então era território livre para se vivenciar os extremos, como se o mundo estivesse prestes a acabar. Mesmo assim, sendo estrangeira e latina, compreendi o que significava cidadania. É um sentimento de direitos e deveres introjetados para o bem viver coletivo e a liberdade individual. Ampliei a visão que tinha na época sobre ecologia e meio ambiente. Passei a ver o meu corpo com naturalidade quando exposto publicamente com famílias e outras pessoas nuas tomando banho de sol nos lagos e praias de nudismo. FKK

– Freie Körperlich Kultur – Cultura do Corpo Livre. Uma experiência libertadora para os meus 28 anos. Como também dava aulas de alemão, já em Vitória, no Instituto Teuto Brasileiro, subvencionado pelo Instituto Goethe, fui outra vez para Berlim, quando passei 4 meses, desta vez, sozinha. Ganhei uma bolsa de estudos para um curso de Língua e Cultura Alemã. Berlim, depois da queda do muro, continuou sendo uma cidade de jovens, atraente excitante e multicultural.

 

No cinema, você atuou em 22 filmes entre longas e curtas, os mais significativos foram Lamarca, com direção de Sérgio Resende, e O Amor Está no Ar. O que essa experiência acrescentou à tua carreira?
Participei de 8 longas e 21 curtas. Lamarca foi o meu primeiro filme e sofri corte na montagem da única cena com texto que eu tinha como guerrilheira, amiga da personagem da Carla Camurati. Fiquei em outras cenas na mata, mas como figurante. O Amor está no Ar, de Amylton de Almeida, foi o meu segundo filme. Como terceiro personagem da história, esse filme me levou a conhecer outros festivais, como: Festival de Gramado e Festival de Cuiabá. Fiz também 4 longas de Cinema de Gênero com Rodrigo Aragão, o novo mestre do cinema fantástico e de terror. O cinema pra mim é uma viagem, adoro set de filmagem. O estresse condensado nos dias de filmagem é muito bom. Cinema é um exercício de foco, tensão e concentração.

 

Como estava o panorama do teatro no Espírito Santo antes de fecharem as salas de espetáculo em função da pandemia e o que você vislumbra para o futuro? O Estado tem contribuído com editais? Há vontade política para desenvolver projetos de incentivo às artes cênicas? Existe algum impasse que você gostaria de salientar? O que deve mudar e o que poderia ser melhor?
Antes da pandemia, tínhamos aqui em Vitória o Centro Cultural do SESC com seus cinemas e teatros; espaços alternativos e de coletivos com eventos constantes. Alguns desses espaços conseguiram migrar para eventos online. O Teatro Estadual Carlos Gomes já estava interditado há anos. Agora parece que existe vontade política para uma reforma. O Estado contribui com editais que contemplam várias áreas das Artes e da Cultura Popular. Temos outras leis municipais de incentivo à Cultura na região metropolitana que pararam de funcionar há anos. “Lei Rubem Braga”, do município de Vitória, “Lei Chico Prego”, de Serra e a “Lei de Vila Velha”, essa última, nem me recordo mais o nome, de tanto tempo esquecida. O que eu mudaria? Voltaria com oficinas de Artes para jovens das periferias das cidades e implantaria cineclubes nos bairros, com oficinas de estímulo à produção de audiovisual. Esse tipo de política cultural de base merece ser considerada na transformação da estrutura social. Com a pandemia, o futuro é ainda incerto. Mesmo com a vacinação, o retorno dos eventos, shows e espetáculos não será em breve. Além disso, levaremos muito tempo para recuperar o que esse desgoverno está destruindo. Lembrando que a Cultura foi uma das áreas mais sofridas nesse desmanche.

 

No Espírito Santo, você morou em Jacaraípe, Vitória e agora Vila Velha. Como tua alma foi se adaptando a essas cidades e quais as características de cada uma delas?
Depois de morar em Berlim, não quis mais viver em São Paulo, fui morar em Belém do Pará. Vivi lá por dois anos fazendo teatro com textos alemães, subvencionado pelo Instituto Goethe de lá. Acabou o projeto em Belém, fui morar no Rio de Janeiro, e depois vim para o Espírito Santo. Morei em Jacaraípe, que era o sonho de todo paulistano, ter como quintal o mar, morar diante dele. Vitória e Vila Velha são cidades pequenas e ainda com boa qualidade de vida, bem menos estressantes que São Paulo ou Rio. Recentemente me mudei para as montanhas do Espírito Santo, Domingos Martins, cidade de colonização alemã, há uma hora da Rodoviária no Centro de Vitória. Moro no limite entre a zona urbana e rural. Mudei de vida por ares mais frescos. Sou de fácil adaptação aos ambientes, afinal, como disse Jorge Luís Borges – o Universo nos dá tudo, mas uma coisa de cada vez e a seu tempo.

Furio Lonza é um escritor, dramaturgo e jornalista ítalo-brasileiro.