Com uma trajetória bastante prolífica no teatro, o diretor Fernando Philbert notabilizou-se com O Escândalo Philippe Dussaert, de Jacques Mougenot, um monólogo com Marcos Caruso que ganhou todos os prêmios do ano. Nesta entrevista, ele fala de seu método e homenageia seu grande mestre, Aderbal Freire-Filho, com quem diz que aprendeu tudo que sabe nas mais de 14 peças que trabalhou como seu assistente.

O que você aprendeu na escola e o que é fruto de pesquisa autodidata? Como foi o início de sua carreira no teatro?
Eu fiz aqui no Rio um curso prático, técnico como ator, Escola Dirceu de Matos, não sei se ainda existe, era no Rio Comprido. Foi ótimo, montávamos uma peça a cada bimestre, e lá eu percebi que gostava mesmo era de dirigir as cenas dos colegas, mas era um bom ator (risos).

A partir de quando você acha que tua carreira pegou realmente no breu e considerou-se apto a enfrentar qualquer desafio?
Desde o dia que escolhi o Teatro como ofício. Me considerei apto aos desafios, mesmo quando não sabia como resolver, como entrar. Assim como hoje, digo ainda não sei, vamos descobrir juntos, vamos buscar o sentido.

Você segue ou seguiu alguma linha ou método, tipo Peter Brook, Mnouchkine, Grotowski, Meyerhold, Barba, Stanislavski?
Li muito Peter Brook. Do Eugênio Barba, gosto muito de seu livro Canoa de Papel; li Grotowski e, claro, Stanislavski, mas sigo o que aprendi e aprendo com meu mestre, Aderbal Freire Filho. O que sei como diretor, o que busco realizar, sempre passa pelo que escutei dele nas mais de 14 peças que fiz como seu assistente, bem como trabalhos que fiz com Gilberto Gawronski, Domingos de Oliveira e amigos como Marcio Meirelles.

A função de um diretor de teatro pode ser comparada à ação de um maestro de orquestra que rege a partitura de acordo com os pressupostos originais do compositor, mas que interpreta os tempos segundo seus parâmetros?
Eu como diretor não sou disciplinado como um maestro. Eu inverto as páginas das partituras, às vezes, mudo as notas, peço que o violinista toque o trombone e o pianista toque um pouco de oboé. Acredito que uma peça de teatro é a somatória entre a poética do texto e a poética da cena, e assim uma terceira margem se faz, ainda somada às descobertas dos atores e toda a equipe. Afinal, o teatro é uma arte coletiva. O trabalho de um diretor é muitas vezes invisível, e acho que assim o que fica presente com mais força para o público é a história, a humanidade das personagens.

Dizem que a primeira atitude que um diretor toma ao receber um original é jogar fora todas as rubricas. Isso procede? Você faz isso? Se faz, por quê? Se não faz, o que acha de quem faz?
 Eu leio as rubricas. Às vezes, até já coloquei algumas rubricas como falas dos personagens, leio tudo para, partindo deste todo, abrir espaço para o que descubro como necessário ao espetáculo.

Seria interessante que você abordasse a questão do diretor que negligencia o texto pois acha que a encenação é mais importante no sentido da plástica, dos adereços, da postura corporal, da cenografia, do movimento, do ritmo, da cadência, da iluminação, ficando o texto apenas como um penduricalho.
Só posso falar sobre o que conheço e reconheço, e nisto existe apenas o trabalho que busca a humanidade do ator, o entendimento da história, e o que é necessário para ambos, e pode ser que neste caminho eu precise cortar uma fala ou outra, trocar uma cena de lugar, mas meu Norte é estar presente com a história que vou contar.

Criação coletiva do texto. Em geral, isso dá certo ou vira um patchwork de arrepiar? Como normalmente procede um diretor diante desse Frankenstein?
Ainda não vivi esta experiência, gostaria, mas não montei nenhuma peça ainda com um texto criado em ensaio ou improvisos.

Quando um diretor recebe uma encomenda para dirigir um texto ruim ou inacabado ou uma adaptação malfeita, até que ponto vai a liberdade dele em fazer mudanças? Ou delega essa incumbência a outro dramaturgo de confiança? Tem de haver uma negociação com o autor?
Eu acho que um autor próximo, vivo, é ótimo, pois mesmo bons textos precisam de um corte, ou alterar uma cena de lugar. E neste caso a troca entre diretor e autor é muito bem-vinda.

Você tolera ou acha pertinente os pitacos de um autor numa direção tua? Geralmente, você admite a presença do autor nos ensaios?
 O Teatro é uma arte coletiva, gosto de ouvir sempre, todos, toda a equipe. E, sim, tem ensaios que é ótimo todos estarem presentes.

Qual deve ser a atitude de um diretor diante de um texto clássico? Há os que os reverenciam e há os que querem desconstrui-los. Qual a melhor maneira de encená-los? Ou quais? Você é a favor de cortá-los para que fiquem mais palatáveis? Devem respeitar as marcações originais ou eviscerá-las para que a marca do diretor se torne mais evidente?
Para mim, todo o texto de teatro, todo, deve ser visto do ponto de vista do presente, da humanidade, de dizer o que as palavras dizem e assim contar a história com simplicidade e verdade, todos os textos foram escritos para chegar ao maior número possível de pessoas em toda a sua diversidade. Acredito nisto.

Como você procede na escolha de atores & atrizes nos teus espetáculos? Cerca-se de amigos ou admite a presença de artistas problemáticos (mas geniais) em função de um bem maior – a qualidade final da peça?
Em geral, tenho feito muitos projetos trazidos por atores incríveis, como artistas e pessoas, e as relações profissionais e pessoais têm colaborado muito para a qualidade da peça. Sou um diretor de sorte.

Caso perceba que o ator não está dando tudo de si para entrar no personagem por alguma dificuldade qualquer, é lícito o diretor criar algum conflito artificial para que ele suba nas tamancas, fique nervoso e se aproprie na porrada das características que o personagem exige?
Nunca fiz isto, sinceramente nem saberia fazer, o teatro é um jogo, é um estar consciente, os atores são atores por isto, por saberem jogar, saberem que quando damos o intervalo para o café é o ator que vai tomar café e não Hamlet ou Ofélia.

Quais os espetáculos sob tua direção que foram considerados geniais (pela crítica e pelo público) e quais os que você teve maior prazer em conduzir?
 Não tenho espetáculos considerados geniais pela crítica. Tenho a felicidade de ter tido muito prazer e felicidade em todos e todos, sim, terem sido bem recebidos pelo público e boa parte dos críticos.

Quais os textos (clássicos ou modernos) que você ainda não dirigiu, mas teria imenso prazer em montar?
 Os Pequenos Burgueses e a saga O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, e muitos textos do romeno Matéi Visniéc e de Juan Mayorga, um autor espanhol.

O que você recomendaria aos diretores que estão se formando ou começando carreira no sentido de instigá-los a romper com o estabelecido?
Só posso dizer o que valeu para mim. Ouvir. Ouvir os diretores mais velhos, olhar o mundo em volta, descobrir um autor que diga algo ao teu espírito e trabalhar, dirigir, dirigir tudo, dirigir é importante, sem preconceitos, sem querer ser reconhecido apenas por um estilo. O Teatro é plural feito a vida.

Você vai saber das mudanças do mundo indo ao TEATRO. Você vai entender quem está ao teu lado, respeitar a natureza e a história de quem anda ao teu lado no metrô, trem, ônibus, calçada, indo ao TEATRO. Você vai descobrir que o ser humano tem um poder mágico de saltar no tempo e no espaço em poucos metros de tábuas no palco, indo ao TEATRO. Você vai perceber que a vida hoje, que o Brasil hoje, está nos palcos de TEATRO. Você vai se sentir respeitado, vai ter alguém lá do palco que vai te olhar nos olhos e te contar uma história e te fazer pensar, se você for ao TEATRO!!