Durante a pandemia, na impossibilidade de apresentar espetáculos na forma tradicional, o teatro buscou vários caminhos para adaptar-se aos parâmetros da nova realidade. Como fazer para apresentar-se ao grande público sem aglomeração, obedecendo os protocolos de distanciamento? A fórmula encontrada por Rodrigo Portella foi uma delas e não se enquadra em nenhuma das linguagens artísticas que conhecemos. É uma experiência com uma perspectiva: intertexo, intermeio, intercena, que poderia ser descrita como cinema interativo, mas é criada como teatro. A forma de evitar a aglomeração é que o público pode ser imenso, mas dividido em pequenas turmas (sete pessoas por vez), vendo o teatro filmado, com a possibilidade de ser visto por milhares de pessoas. É uma das inúmeras formas desta época, uma transição até que possamos retornar ao querido teatro presencial.

“Meu filho só anda um pouco mais lento”, peça de Ivor Martinic, autor croata pouco conhecido no Brasil, é exibida de uma forma bastante peculiar em galerias do Oi Futuro, numa mistura de teatro, cinema e artes visuais. A criação de Rodrigo Portella, premiado diretor de teatro (“As crianças”, “Tom na Fazenda”, “História Oficial”), é apresentada em 24 telas, cada uma apresentando uma cena do espetáculo, filmada integralmente e exibida aos estilhaços para o visitante, que pode escolher como acompanhar a história – linearmente ou não.

O enredo representa um dia numa família que está se preparando para o aniversário de um jovem paraplégico que completa 25 anos. Embora vista em telas, sem a presença dos atores, a experiência intercênica é muito teatral e a sensação do espectador é que está vendo uma peça de teatro com a trama dividida em 24 capítulos. Embora a situação não seja tão confortável quanto sentar numa sala escura durante 110 minutos, observando calmamente o desenvolvimento de uma narrativa, a experiência é muito agradável e assinala uma das possibilidades para o teatro em época de pandemia e, quem sabe, abrindo a porta para uma nova linguagem.

A experiência começa numa das galerias com dez retratos animados dos personagens da peça. Depois de ver dez atores de carreiras diferentes, poucos que tiveram oportunidade de trabalhar juntos e conhecidos por interpretações em peças dirigidas pelos mais conhecidos diretores cariocas, o público vai para a segunda galeria onde está o verdadeiro labirinto com os estilhaços do espetáculo.

Você pode percorrer o labirinto à sua vontade, criando seu próprio desenvolvimento da história. Basta escolher uma tela, botar o fone de ouvido e apertar o play. Pode optar por assistir as cenas de 1 a 24, numa ordem bem próxima a que o texto foi escrito, acompanhando os acontecimentos linearmente. Pode assistir aleatoriamente, começando por qualquer cena e ir vendo em seguida aquela que escolher. São 625 combinações possíveis. Ao final de cada cena, aparece uma cartela dando duas opções de percurso, com a oportunidade de cada um fazer seu caminho personalizado, de acordo com seus interesses.

Aos 25 anos, o protagonista é dependente da cadeira de rodas devido a uma doença degenerativa. Sua mãe prepara a festa de aniversário enquanto interage com os personagens da família de relações complexas.

“Meu filho só anda um pouco mais lento” estreou em 2011 e tornou-se um fenômeno mundial, uma das obras mais laureadas do teatro croata, traduzida para o espanhol, alemão, italiano, francês, inglês, esloveno e português.

A ficha técnica da experiência intercênica é muito rica. O idealizador, criador e diretor  Rodrigo Portella ganhou os prêmios Shell, Cesgranrio e APTR aqui o o Prix de la Critique em Montreal, Canadá. A direção de arte é da cenógrafa, figurinista e atriz Júlia Deccache; fotografia e montagem de Pedro Murad e a coordenação geral do projeto de Cláudia Marques.

Os personagens são interpretados por um time seletíssimo de atores: Simone Mazzer faz a mãe superprotetora, Mia; Felipe Frazão, o filho paraplégico, Branko; Maria Esmeralda Forte, a avó perdendo a memória, Ana; Elisa Lucinda a tia arrogante, Rita; Verônica Rocha, a namorada, Sara; Antônio Pitanga, o avô, Oliver; Leandro Santana, o pai, Roberto; Enrique Diaz, o tio Michael; Camila Moura, a irmã, Dóris; e Hipolito, o namorado, Tim.

A tradução do espanhol para o português é de Celso Curi, a trilha sonora de Frederico Puppi, com a colaboração de Marcelo H, o figurino de Valéira Stefan, o visagismo de Diego Nardes, a iluminação de Leandro Barreto e a direção de fotografia aérea de Roberto Tascheri.

 

A experiência intercênica está em cartaz entre 11 de agosto e 10 de outubro, de quarta a domingo, às 12, 14, 16 e 18 horas, no Oi Futuro (Rua Dois de Dezembro, 63, Flamengo, Rio de Janeiro (RJ), tel. (21) 3131-3060)

Entrada gratuita mediante agendamento no site https://oifuturo.org.br/agendamentocentrocultural/ 

Classificação Indicativa 14 anos

Furio Lonza é um escritor, dramaturgo e jornalista ítalo-brasileiro.