Peça de ficção complexa e de difícil execução na prática, a infidelidade sempre esteve entre os temas literários que adubaram a mente dos maiores escritores e dramaturgos universais. Já deu obras primas que perduram até hoje em virtude da pérfida curiosidade do leitor.

Não se sabe quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, o adultério ou o teatro. Levando em conta, entretanto, que nem todos os candidatos a hedonistas e bon vivants são exímios roteiristas de casos extraconjugais, cada um se desincumbe dessa tarefa à sua maneira. Tanto na vida como na ficção. Uns são mais felizes que outros. Senão, vejamos.

O adultério é um triângulo (não necessariamente amoroso) que envolve pessoas carentes e fatalmente equivocadas, pois o sigilo não tem a menor possibilidade de persistir por muito tempo sem uma vacilada. Há um consenso natural quando se fala em adultério: as mulheres traem por necessidade e os homens por sacanagem. Embora o histórico masculino lhe seja francamente favorável, é uma meia verdade. Junto à emancipação feminina, surgiram variantes que podem colocar esse aforismo sob suspeita. A vingança é uma delas. Conscientemente ou não, as mulheres pretendem recuperar a desvantagem acumulada em séculos e séculos de traição gratuita e endógena, considerada como uma atividade quase lúdica pelas regras do patriarcado de ontem e de hoje. Portanto, elas querem empatar o jogo e, se possível, ganhá-lo.

As minorias sempre sofreram em silêncio, mas isso não quer dizer que não engendrassem no fundo de suas almas maneiras de se libertar do jugo imposto pelos dominadores durante todo o período de cativeiro, pois o ódio incubado alimenta a imaginação mais do que se supõe.

A pauta das mulheres contém um vasto cardápio de abominações, como por exemplo a caça às bruxas da época medieval e os consequentes suplícios nas chamas da fogueira, a ablação do clitóris (para que não sintam prazer) em diversas tribos africanas e alguns países do Oriente Médio, o apedrejamento público de mulheres e os famosos haréns de paxás, sultões e vizires que guardavam suas concubinas a ferro & fogo para que fossem usadas diariamente segundo critérios ainda não muito bem especificados. Ou seja: os machos de hoje têm de pagar pelo que seus antepassados fizeram e (de alguma forma) ressarci-las das barbaridades cometidas ao longo da História.

O infortúnio das mulheres aparece na literatura e no teatro de forma inequívoca a partir do século XVII até o começo do XX: todas as adúlteras famosas se foderam, mesmo que a traição não tenha sido devidamente comprovada: Desdêmona, Anna Karenina, Madame Bovary, Luísa e Lady Chatterley enfrentaram processos, o exílio, o repúdio da sociedade ou se suicidaram.

Não está clara a intenção de Shakespeare, Tolstoi, Flaubert, Eça de Queirós e David Herbert Lawrence quando bolaram esses enredos, mas suspeita-se que quisessem alertar a sociedade para o arbítrio masculino e a hipocrisia da sociedade, angariando simpatia pelas personagens femininas que atropelam esses códigos morais, mas nenhuma delas saiu pela porta da frente sem pagar pelo que fez. Todas amargaram um destino insólito.

Como todo bom carioca, Machado de Assis foi malandro: ficou em cima do muro. Embora tenha colhido e selecionado a dedo uma série de evidências para incriminar Capitu, deixou o enigma da hipotética infidelidade aos leitores, que discutem até hoje sobre a traição mais famosa da literatura nacional. Cada um julgou de acordo com sua consciência, mas o placar não lhe é favorável.

O adultério entrou com força total no século XX: durante todo o período em que escreveu seus contos no jornal Última Hora (1950-1961), Nelson Rodrigues apimentou a curiosidade do leitor com um tema recorrente: de cada cinco histórias, quatro eram sobre traições. A Vida como Ela é foi um sucesso justamente por causa disso.

Mas há uma honrosa exceção que vem do Oriente Médio e sul da Ásia: é uma compilação de contos em língua árabe do século IX: As Mil e Uma Noites também começa com uma traição.

A história conta que Xariar, rei da Pérsia, descobre que uma de suas concubinas lhe é infiel, dormindo com um escravo a cada vez que ele viaja. Decepcionado e furioso, mata a mulher e o escravo. Convencido de que nenhuma mulher do mundo é digna de confiança, toma uma decisão cruel: daquele momento em diante, dormirá com uma mulher diferente de seu harém a cada noite, mandando matá-la na manhã seguinte: desta maneira, não poderá ser traído nunca mais. A próxima da lista é Xerazade, que se safa da armadilha alimentando a curiosidade do rei da forma que todos conhecem: a cada noite, após o coito, ela lhe conta uma história que só irá terminar no encontro seguinte, emendando com outra e mais outra. Depois de três anos e três filhos, ela se transforma na rainha da Pérsia, pois o rei cai em si e se apaixona por ela. Não deixa de ser um exemplo gratificante, mas é triste saber que uma mulher teve de lutar pela própria vida através de artifícios tão patéticos, embora engenhosos.

Tudo isso está encravado nas hélices do DNA feminino como uma espécie de memória da bestialidade, um mosaico de arquétipos que elas carregam nas costas como um pen drive recheado de crueldade e selvagerias ignominiosas. Portanto, não está descartada a hipótese de que os homens também podem trair por necessidade, pois todo esse caldeirão de pendências continua fervendo a todo vapor e pode explodir a qualquer hora sem prévio aviso no aconchego dos lares, pois não está descartada uma greve de sexo à maneira de Lisístrata. Ou seja: inverteram-se os papéis, ratificando a ideia de que a História só se repete como farsa.

Mas nada dura para sempre. Como se sabe, a coisa mudou bastante ultimamente. Nem todas as pessoas se pautam pela honestidade na apresentação de suas qualificações (tanto virtualmente quanto ao vivo). Inventam, douram a pílula, mentem desbragadamente. O sedutor e o objeto do desejo interpretam personagens e atribuem-se características que jamais tiveram, mas é um logro consentido. Brincam, se divertem, assumem um papel bizarro nessa pantomima circense. Ainda é cedo para entender se isso faz algum sentido, mas é inegável que a Humanidade está num intervalo muito peculiar entre os dois polos mais famosos: a ficção e a realidade. Ambas se imbricam de tal maneira que é humanamente impossível avaliar o futuro dessa traição moderna, pois o próprio relacionamento entre os amantes sofreu uma mutação: ele está mais clean, quase antisséptico, perdeu toda conotação pecaminosa, é um crime sem sequelas ou ciúmes ou rancor, nada dá a entender que ainda possa ser considerado uma transgressão moral ou ética, pois todas essas palavras também foram danificadas por uma sociedade que não teme mais a culpa ou o remorso, e acha que deu a volta por cima ao negar o peso da perda (ou da conquista).

Ele ainda existe, mas sem perfume ou textura; suas configurações rebelaram-se contra a intimidade da carne, é apenas mais um ato inconsequente dentre tantos que caracterizam nossa existência. Nem mesmo o cônjuge acredita mais numa possível traição: não sofre, não se descabela, não provoca, não exige explicações, não procura vingança ou ressarcimento, não luta mais, pois percebe que nada é propriamente legítimo, virou uma farsa trilateral.

Na verdade, mesmo o sedutor mantém o ritual de maneira despretensiosa, como se jogasse paciência no micro ou comesse um dogão na esquina do trabalho. Não se orgulha de sua condição, mas também não se decepciona, não é apolíneo nem dionisíaco; passivamente, faz parte de um rodízio circular de tédio. Por seu lado, o objeto do desejo não fica envaidecido ou recompensado de ser a musa dos travesseiros, nem focado nem distraído, vai navegando.

Ao tornar-se apenas um ato mecânico circunstancial, um mero deboche, o adultério foi engavetado em escaninhos burocráticos de um cartório decadente do passado. Com certeza, daqui a alguns anos, será mostrado como uma curiosidade exótica em museus, ao lado de múmias egípcias, o ponto G e celulares minados por cupins.

E o dramaturgo e o escritor terão que procurar outro tema.

Furio Lonza é um escritor, dramaturgo e jornalista ítalo-brasileiro.