Aparentemente, como diria o ministro Zarzuela se não fosse da Saúde, mas do extinto Ministério da Cultura, há demanda incubada para as lives. Se não vejamos: A Hora da Estrela, adaptação do romance de Clarice Lispector, teve cerca de 38 mil espectadores virtuais. O Astronauta também conseguiu outra plateia virtual expressiva. A simples leitura de Romeu e Julieta, com o Grupo Galpão, foi outro sucesso de público, com milhares de visualizações.

Portanto, teoricamente, esse tipo de espetáculo à distância poderia estar inserido num novo segmento teatral que faria frente às condições durante e após a pandemia, antes que a vacina possa reverter tudo isso e as peças voltem aos palcos com o público presencial.

Alguns itens, no entanto, precisam ser analisados. A Hora da Estrela estreou no CCBB uma semana antes de as salas terem sido fechadas, criando uma expectativa enorme por sua interrupção; a protagonista Laila Garin foi a festejada atriz de Elis; o nome da autora comemorou em 2020 os cem anos de nascimento; há vinte anos, foi eleita a musa da literatura. Hoje, Clarice Lispector é amada e adorada até por quem nunca leu nada dela. Transformou-se num ícone não exatamente por suas qualidades literárias, mas por uma espécie de modismo estranho que, de tempos em tempos, assola nossa intelectualidade. É a bola da vez. Neste caso, havia demanda de todos os lados que se possa avaliar o fenômeno. Pra fechar, a produção é da superpoderosa Andrea Alves.

O Astronauta teve um pool de financiadores e apoiadores de fazer inveja a qualquer companhia de teatro, que se aglutinaram num tipo de mutirão invejável.

No caso de Romeu e Julieta, bem, é do Grupo Galpão, cuja excelência de produção e atuação só é comparável à sua longevidade. Sempre terá um público cativo sedento de novos espetáculos e performances. Até as peças menos imaginativas dessa companhia têm inúmeros admiradores, que os elogiam da mesma forma.

Na verdade, esses três exemplos, a rigor, não poderiam ainda ser avaliados como demanda propriamente dita, mas como uma continuidade do que sempre ocorreu no teatro: os grandes produtores conseguem tudo o que querem simplesmente por serem considerados grandes; são casos isolados, exatamente como vem acontecendo desde sempre. Uns com muito e outros sem nada. No fundo, o teatro segue didaticamente a velha luta de classes.

Não. É possível que não haja uma demanda verdadeira, mas apenas uma consequência da mesmice que atuou nos bastidores desde que os grandes produtores resolveram se aliar aos banqueiros e instituições para descontarem no imposto de renda, botando grana não exatamente levando em conta a qualidade dos espetáculos, mas apostando no retorno de peças com celebridades ou que tinham um forte apelo comercial.

Ainda estamos longe de verificar se houve ou não uma mudança real no teatro com as lives, pois mimetizam (pelo menos as que deram certo) o que já foi visto nesta área antes da pandemia. O que aconteceu foi a troca das salas pelo monitor do micro.

Resumindo a conversa: novos hábitos, velhos vícios.

Equipe redatora de serviços de programação e de artigos sobre teatro.