Qualquer estudioso que resolvesse pesquisar as origens do teatro se voltaria para a Grécia. Arranjaria facilmente uma bolsa das universidades, viajaria para lá e provavelmente ficaria hospedado num hotel cinco estrelas, com direito a uma jacuzzi no quarto e beberia a água de Vichy do frigobar para espantar o calor que campeia por aquelas paragens.

Zeca Ligiéro resolveu fazer o contrário: foi estudar as performances afro-ameríndias, desdenhando as fontes europeias ocidentais, nos aproximando das nascentes do teatro sob o ponto de vista dos continentes colonizados, e procurou saber o que os saberes ancestrais nos dizem a esse respeito, segundo o teatrólogo Oswald Barroso, não como uma volta ao passado, mas bebendo da fonte viva do presente.

O resultado é surpreendente e nos lembra de perto os ensinamentos que o pintor Paul Gauguin recebeu dos aborígenes das Ilhas das Marquesas quando se desiludiu com os rumos controversos das artes plásticas na Europa. A cultura afro-ameríndia também nos diz que o teatro é o que é no seu nascedouro, parte inseparável da vida humana, em todas as dimensões do tempo e do espaço.

Ou seja (ainda segundo Barroso), nos escritos de Zeca Ligiéro, o teatro não está confinado aos espetáculos em palcos à italiana. Manifesta-se das formas mais inesperadas e insuspeitas às percepções desavisadas. Cultivado por todos os povos, o teatro por ele estudado anima os corpos e cultua o espírito de seres, em ritos e jogos, ao som de batuques e cantos, agitando vidas dançantes, na narrativa de mitos e contos. Daí sua eternidade.

Em suas andanças, o autor cruzou continentes, atravessou América, África e Turquia, consultou vasta bibliografia, visitou mestres e terreiros da tradição popular e garimpou informações de diferentes origens, confrontando-as e amalgamando-as para nos dar um vasto panorama sobre os mistérios contidos nessas culturas.

Teatro das Origens revela um mundo novo, que nos religa à natureza. Até porque, como disse Lisandro Guarkax, artista maia, citado por Zeca: “No tempo em que Colombo veio à América para comprovar se o mundo era redondo, nossos avôs e avós maias (já) conheciam o universo”.

No prefácio do livro, José Dantas Martins deixa tudo isso ainda mais claro. Ele diz: “O Teatro das Origens está aqui. Em qualquer lugar e hora. Por exemplo, durante a VI Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo de São Paulo, em 2011, em que compartilhamos com Zeca uma obra que mostrou a conexão entre o presente e o passado. Eu falo do grupo Sotz´il, da Guatemala, com a apresentação do espetáculo Oxlajuj B´aqtun”, para finalizar em grande estilo: “O Teatro das Origens é, também, o teatro do presente e do futuro”.

 

Teatro das Origens – Estudos das Performances Afro-Ameríndias, de Zeca Ligiéro, Editora Garamond, 2019, 295 páginas