São poucos os artistas de teatro brasileiros que conseguiram sustentar ao longo dos anos uma atuação tão eficaz quanto polêmica como Gerald Thomas. Na década de 80, não passava um só dia em que ele não figurasse nas páginas da grande mídia com provocações, artifícios e casuísmos.

Um Circo de Rins e FígadosPara estar na berlinda, valia tudo: lançamento de uma nova peça, entrevistas bombásticas na Folha de S. Paulo, que lhe dava guarida inclusive quando não tinha nada para dizer, workshops, leituras, conferências, debates, enfim, qualquer coisa.

A crítica especializada não tinha sossego e se dividia, mas é inegável que Gerald tinha seu valor, particularmente em seus primeiros espetáculos (4 Vezes Beckett e Electra Concreta) onde ele instituiu uma linha de pensamento coerente com seus conceitos e um método (se é que podemos dizer assim) bastante revolucionário, além de quebrar vários paradigmas do fazer teatral e guindar ao primeiro plano a atriz Bete Coelho, sua musa durante algum tempo, até ser substituída por Fernandinha Torres, com quem se casou (também durante algum tempo).

Fez um pouco de tudo: escreveu, dirigiu e mostrou a bunda num espetáculo alternativo no Teatro Municipal, quando recebeu uma ensurdecedora vaia que o consagrou para a posteridade.

A partir disso, se mandou para Nova York, local onde desenvolve seus trabalhos até hoje. As últimas informações dão conta que anda fazendo experiências teatrais com John Paul Jones, ex-baixista do Led Zeppelin.

Agora, lança um livro com a reunião das peças escritas e montadas no Brasil e no exterior.

A obra apresenta os textos integrais de 24 peças acompanhadas de suas respectivas críticas de época, e traz ainda ensaios da organizadora Adriana Maciel, do jornalista Dirceu Alves Jr. e da professora de teoria do teatro Flora Süssekind. O livro configura-se como o mais completo em língua portuguesa sobre a profícua produção autoral desse dramaturgo brasileiro, abrangendo até mesmo o texto de sua peça mais recente, Dilúvio, encenada no Teatro Sesc Anchieta no final de 2017.

Os textos teatrais escritos por Gerald Thomas emolduram a vivacidade dos atores em cena. Organizá-los em um único volume é um registro importante da força da palavra no palco, sem que seja somente ela a motriz de um diretor inquieto, provocador e tão importante para a história do teatro brasileiro.

Criado pela Tuut Design, o projeto gráfico do livro tomou como ponto de partida uma declaração de Gerald Thomas que define uma peça de teatro como um organismo vivo. Segundo ele: “Quando o ator respira, o público está respirando junto, então o nosso pulmão atinge o pulmão do público. Logo, o teatro funciona como um órgão enorme, um coração, por exemplo, que inspira e expira, e o público inspira e expira junto com o ator. Isso faz com que o teatro se transforme em um pequeno universo”.

O conceito adotou uma estética que transmite ousadia e experimentação. A lombada do livro fica exposta quando a capa é aberta, revelando que a marca desse projeto é sua estética visceral na exploração das partes para formar um todo que traduza a sua essência.

Atualmente Gerald Thomas está preparando Gastrointestinal Prayer, um solo com a atriz Lotte Andersen que estreia em Copenhagen, em março de 2020. Para o Brasil, ele está escrevendo uma nova peça inspirada em Rembrandt, prevista para estrear em São Paulo no segundo semestre de 2020.

 

Um Circo de Rins e Fígados, de Gerald Thomas, Edições Sesc, 2019.