Toda escritura tem uma gênese, todo escritor tem um ponto de partida. Ele é íntimo, particular, subjetivo e intransferível. Tem gente que acredita nas musas, na inspiração que ela sussurra aos ouvidos de alguns privilegiados. Tem outros que colocam em prática a pesquisa (histórica ou não), para só depois desovar seus conceitos e suas iluminações. Tem gente mais pragmática: parte de episódios do cotidiano e eventos diversos para, em seguida, verticalizar o resultado sob o filtro psicológico & poético, abstraindo o que estava submerso nas entrelinhas do inferno das relações humanas.

Há ainda um grupo de escritores que duvida das palavras, tentando entender seu significado e sua extensão natural antes mesmo de contar uma história. Há franco-atiradores, há especialistas, existem os que experimentam formas novas e inéditas de se fazer entender. Há escritores progressistas, conservadores, os que se engajam em ideologias, há dramaturgos tradicionalistas, há panfletários e os que se contentam apenas em entreter as plateias com peças de fácil digestão. Há os que escrevem para si, há os que escrevem sob demanda. Existem dramaturgos que têm companhias de teatro e há os solitários, que vivem batalhando um lugar ao sol através de editais ou financiamentos coletivos, croudfoundings etc.

Há os escritores da moda, do verão, há os fisiológicos, que se valem de amigos e contatos com entidades para viabilizar seus trabalhos. Enfim, há de tudo, mas, afinal, como nascem as peças de teatro de maneira geral?

Essas e outras questões foram postas para alguns dramaturgos da atualidade, com o objetivo de discutir a melhor maneira de cada um atacar a gênese, o desenvolvimento de um texto, como e por que se interessaram pelo tema, como chegaram a ele e a forma que colocam em prática para que aquele amontoado de diálogos e rubricas se torne um espetáculo de teatro.

A iniciativa é da editora Cobogó, em parceria com o Sesc, e solidificou-se num livro que pode ser encontrado nas livrarias tanto por especialistas quanto por curiosos.

Maratona de Dramaturgia tem organização de Isabel Diegues, José Fernando Peixoto de Azevedo e Kil Abreu, que levantaram questões a serem respondidas por um grupo de 12 escritores de teatro que se notabilizaram nos últimos anos por proporem (cada um a sua maneira) novas maneiras de abordar temas dentro do universo dramatúrgico, todos com vasta produção de textos e muitos deles com indicações e premiações nos principais certames desta época tão conturbada em que vivemos.

São eles: Alexandre del Farra, Newton Moreno, Francisco Carlos, Roberto Alvim, Grace Passô, Dione Carlos, Michelle Ferreira, Pedro Brício, Sílvia Gomez, Emanuel Aragão, Pedro Kosovski e Jô Bilac.

Sem entrar no mérito da escolha dos nomes, pois toda antologia é passível de crítica (por ser eminentemente subjetiva), percebe-se que há de tudo um pouco:

há dramaturgos acima de qualquer suspeita em relação à excelência qualitativa de seus textos, há intimistas, há outsiders, há figurinhas carimbadas.

Eles foram entrevistados durante 50 minutos pela equipe e responderam sobre forma & processo; experiência pessoal; como lidam com o espaço e o tempo; as condições de produção; a quais linhagens (nacionais ou internacionais) mais se identificam e como lidam com o público, a qual segmento seus trabalhos são endereçados, entre outros temas que surgiram no calor das conversas.

Uns mais, outros menos articulados, cada qual safou-se bem das perguntas iniciais e dos apartes feitos durante as entrevistas, embora nem todos tenham se desnudado de seus egos.

É de se lamentar apenas dois fatos: embora alguns tenham nascido em Minas Gerais, Pernambuco e Brasília, todos estão radicados no eixo Rio-São Paulo. (Dos 12, sete trabalham em São Paulo e cinco no Rio.) Dos 12, há apenas uma autora negra.

Iniciativas como esta deveriam ser mais constantes, pois é necessário que o público saiba o que pensam os escritores que norteiam o que é mostrado nos palcos. É bem provável que novos projetos deste tipo estejam sendo pensados pelos organizadores para o futuro, tipo Maratona de Atores e Atrizes, Maratona de Diretores, Maratona de Artistas Fora do Eixo Rio-São Paulo e assim por diante, com o objetivo de mapear todos os nomes que frequentam o universo teatral da atualidade.

 

Maratona de Dramaturgia, organizada por Isabel Diegues, José Fernando Peixoto de Azevedo e Kil Abreu, Editora Cobogó/Sesc, 272 páginas, 48 reais.