TEATRO HOJE recomenda o livro Escritos de Antonin Artaud
O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria. Esta frase não é do Artaud, é do Blake, mas pode-se dizer que ele (mais do que ninguém) identificou-se tanto com esse aforismo que o levou às últimas consequências.
Há inúmeros equívocos em relação às atitudes de Artaud. Os mais afoitos falam muito em lucidez da loucura, quando, na verdade, a lucidez (neste caso) seria sinônimo de maturidade, discernimento e até de pragmatismo, adjetivos (na maior parte das vezes) empregados para a manutenção do status quo, nunca da ruptura.
À primeira vista, essa expressão pode até parecer impactante, mas não quer dizer nada, é um paradoxo unir essas duas palavras, sob pena de enfraquecer a força de uma iluminação, que só acontece quando não se está sob juízo normal. Elas se anulam. A loucura (nas suas mais variadas formas) é um estágio mental que predispõe o sujeito a quebrar a espinha dorsal das regras sociais. Por sua vez, a iluminação é um fenômeno que só os poetas, as crianças e os xamãs podem alcançar sem fazer uso da consciência.
Outros epítetos exóticos foram pregados na testa de Artaud ao longo dos anos: rebelde, incompreendido, marginalizado, precursor, visionário e maldito são os mais usados, o que é, no mínimo, uma redundância, pois, afinal, como poderiam ser qualificados todos os artistas genuínos senão desta maneira plural?
Artaud tinha convicção de que o ritual mítico na arte de seu tempo tinha se perdido. Reintroduzi-lo seria uma forma de anular o conformismo para onde o pensamento estava se encaminhando, o que o incomodava mais do que tudo.
A arte do teatro tinha se tornado mera exposição de motivos e encaminhamento da mensagem, em detrimento da transcendência. Pois, convenhamos, quando a arte precisa ser justificada como útil, ela deixa de ser arte para se tornar uma mercadoria de consumo, provavelmente conveniente, adequada e (o pior) lucrativa. Pode parecer estranho para as novas gerações, mas essa ideia nasceu no mesmo esteio da arte, que sempre foi conceituada como corruptora de paradigmas, como se podia ver na Antiguidade nos cantadores de rua, bardos, saltimbancos, clowns da corte, dramaturgos gregos e artistas em geral.
Artaud fez um pouco de tudo: cartas, poemas, esboços, palestras, artigos, manifestos, ensaios, narrativas, traduções, adaptações, entrevistas, depoimentos, roteiros, sinopses de cinema, rascunhos. Nesse sentido, ele contraria a noção tradicional de obra, que normalmente constitui-se de romances ou poemas ou peças de teatro, ficando o restante para que os biógrafos deitem & rolem com notas de rodapé. Em Artaud, tudo é obra, tudo tem sua importância e interesse, desde os textos mais acabados, mais próximos de algo com começo, meio e fim (o que, aliás, ele se valeu muito pouco) até os fragmentos mais aleatórios, com um adendo importante: para ele, vida e obra eram uma coisa só, uma via de mão dupla, vasos comunicantes que se retroalimentam mutuamente, como já tinham feito dois conterrâneos seus: Rimbaud e Baudelaire.
Para quem tem interesse em mergulhar nesse universo onírico que se tornou referência obrigatória para as mais avançadas correntes de pensamento crítico e criação artística nas suas mais variadas manifestações, TEATRO HOJE recomenda o livro Escritos de Antonin Artaud.
É apenas uma aproximação, um primeiro contato, mas uma antologia significativa por conter seus principais textos (embora não completos), caso de Manifestos e Cartas do Período Surrealista (de onde foram extraídos, entre outros, os seguintes trechos: O Pesa-Nervos, Carta aos Reitores das Universidades Europeias, Carta ao Dalai Lama, Carta aos Médicos-Chefes dos Manicômios); Heliogábalo ou O Anarquista Coroado; Sobre o Teatro da Crueldade (com trechos de O Teatro e a Peste, A Encenação e a Metafísica Acabar com as Obras-Primas, O Teatro e seu Duplo; Os Taraumaras (onde consta A dança do Peiote); Cartas de Rodez; Van Gogh, o Suicidado pela Sociedade; Para Acabar com o Julgamento de Deus; A Busca da Fecalidade.

 

 
Escritos de Antonin Artaud, da coleção Rebeldes & Malditos, com tradução, seleção e notas de Cláudio Willer. L&PM, 167 páginas.

“O teatro, como a peste, é uma crise que se resolve pela morte ou pela cura.”
“Não há dúvida que, do ponto de vista social, os artistas são escravos.”
“O teatro é a encenação, muito mais do que a peça escrita e falada.”
“A vida é a imitação de algo essencial, com o qual a arte nos põe em contato.”
“Ninguém alguma vez escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno.”
“E não podemos admitir que se impeça o livre desenvolvimento de um delírio, tão legítimo e lógico como qualquer outra série de ideias e atos humanos.”
“Quem tem o sentido da unidade tem o sentido da multiplicidade.”