O stand up veio pra ficar. Já está institucionalizado. Há casas de espetáculo especificamente construídas ou adaptadas para esse tipo de entretenimento e não adianta espernear. Se é ou não teatro, isso agora pouco importa. Há quem ame, há quem odeie, mas ninguém fica indiferente. Tem gente que se esborracha de rir só com a entrada em cena do performer. Os que ainda estão reticentes darão a mão à palmatória diante de um fato consumado.

Gênero que surgiu nos EUA por volta de 1960 e solidificou-se na década de 70, o stand up é um monólogo geralmente escrito pelo próprio artista onde ele elege como tema central seu próprio cotidiano, sua vida particular, familiares e amigos, mas pode discorrer também sobre fatos da política ou escândalos recentes de celebridades. Ou seja: não há personagem, ele interpreta a si mesmo.

Woody Allen começou assim, Lenny Bruce, Bill Cosby, e Seinfeld ficou milionário à frente apenas de um microfone, algumas ideias e muitas piadas. O fundo normalmente não demanda maiores cenografias: um falso muro de tijolos aparentes é o suficiente. O que vale é um roteiro básico e improvisações em cima de cacos provenientes do público.

No começo, geralmente esses comediantes serviam para esquentar a plateia antes de algum show, caso de Bob Hope, Jack Benny, Fred Allen, George Carlin e George Burns.

Ao longo da década de 70, surgiram teatros especializados no gênero one man show, onde os comediantes dissertavam sobre a infância ou o que lhes tinha acontecido durante a semana. Todos se lembram da famosa frase que quase sempre surgia no início desses espetáculos: “Hoje, quando estavam vindo para cá, me aconteceu um fato curioso”.

No Brasil, esse formato chegou em meados dos anos 2000, quando Marcela Leal, Rafinha Bastos e Marcelo Mansfield estrearam o espetáculo Mondo Cane. Em seguida, Cláudio Torres Gonzaga, no Rio de Janeiro, convidou os três, em datas diferentes, para se apresentarem no Comédia em Pé, de onde surgiu o Clube da Comédia Stand up em São Paulo.

É bom salientar que esses artistas não foram os precursores deste gênero de comédia: Chico Anysio tinha seu stand up no Fantástico e Jô Soares fez uma série de shows no formato que lotaram o Teatro de Cultura Artística.

Se é para falar em pioneiros, devemos lembrar que José Vasconcelos fazia stand up ainda em 1959. Ele ficava sozinho no palco por uma hora e meia em frente a um microfone como qualquer estreante hoje em dia faz em seus open mics (microfone aberto) e seguia um script de sua autoria, com algumas improvisações. No fosso, havia uma orquestra com 30 figurantes que sublinhava os instantes da comédia. O público que acompanhou a programação da TV Record dos anos 60, de tempos em tempos, tinha uma surpresa agradável e insólita: o humorista português Raul Solnado, que vinha ao Brasil para seu stand up anual.

De qualquer maneira, as características que fizeram a geração dos anos 2000 serem considerados os precursores do gênero vem do fato que esses comediantes não seguiam ao pé da letra o que mandava o figurino da comédia em pé, que antes usavam efeitos de luz, personagens, ternos e smokings.

Por isso, esses grupos, como o Clube da Comédia, o Comédia em Pé e outros que surgiram depois, são chamados de “Pioneiros do stand up”, pois seguiram um padrão de estar em cena: sem maquiagem, sem figurinos, sem efeitos de som e luz e principalmente sendo autores de seus próprios textos.

Hoje, há uma explosão de locais para comédia, espaços para artistas locais e até para comediantes em turnê por várias cidades, tanto nos EUA quanto no Brasil. Essas novas casas de espetáculo se proliferaram como coelhos no cio em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Fortaleza, Curitiba, Porto Alegre. Os artistas atendem pelos nomes de Fábio Porchat, Rafael Portugal, Danilo Gentili, Diogo Portugal, Afonso Padilha, Emerson Ceará, Bruna Louise, Rafael Aragão, Thiago Ventura, Patrick Maia, Nando Viana, Nil Agra e Rodrigues Marques, entre outros.

Os títulos variam: O que pode dar errado na cama?, A culpa é do Cabral, Você não é todo mundo, Cê tem amor pra eu?, Não me cobre coerência, No gogó do Paulinho, O stand up é bravo.

Atualmente, existem no Rio de Janeiro inúmeras casas de stand up no estilo americano: Clube Manouche, Teatro Cândido Mendes, Casa da Comédia Carioca, Rio Retrô Comedy, dentre tantas que irão surgir nas próximas semanas.

O Espírito Santo não ficou para trás: o Vix Comedy Club tem uma programação especial de stand ups: Gui Preto Em Fase de Teste, Lucas Mendes em Socialmente Confuso, Jhordan Matheus em Textani e Ítalo Sena em Mostrando meu trabalho.

Como em qualquer modalidade artística, o que deveria prevalecer para diferenciar um espetáculo de outro seria a qualidade, mas, no caso do stand up, isso parece não ter a menor importância, pois as plateias saem de casa predispostas a rir e levam a cabo essa premissa haja o que houver. Faça chuva ou faça sol, o público está lá para isso, paga uma grana legal e não está disposto a desperdiçar a oportunidade.

Como não poderia deixar de ser, esse novo formato está influenciando a atitude do público no sentido de formar gargalhadores ensandecidos que já não conseguem acompanhar uma trama de teatro convencional, pois riem de tudo, até das cenas mais dramáticas. Garimpam motes aleatórios aqui & ali como se estivessem no sofá de suas casas assistindo a um pastelão qualquer. Pode ser Tennessee Williams, Eugene O`Neill ou até Shakespeare: na primeira vacilada, pimba, desatam a rir e não param mais.

Eu sei que questionar uma tendência popular institucionalizada resvala invariavelmente no elitismo, mas que se há de fazer? Ninguém é perfeito.

Não me consta que os stand ups americanos ou ingleses tenham tirado público do teatro tradicional, pois os shows da Broadway continuaram a todo vapor e as representações de textos clássicos ou experimentais em Nova York ou Londres não sofreram qualquer tipo de descontinuidade, pois havia (e há) público para tudo, mas no Brasil o buraco é sempre mais embaixo. A preferência por esse formato é inequívoca, o público lota as salas de espetáculo como nunca se viu em relação ao teatro convencional, pois (entre outros casuísmos) o fenômeno é alimentado pelo trânsito midiático desses artistas na TV, que lhes dá maior projeção.

Enfim, é o que temos para o momento. Se devemos ou não fazer uma reflexão, fica a cargo de cada um.

 

 

Furio Lonza é um escritor, dramaturgo e jornalista ítalo-brasileiro.