Teleteatro

Teleteatro | Imagem: Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão)

As novas gerações podem até se surpreender, mas a verdade é que a nossa TV já foi de vanguarda. Obras de Ibsen, Molière e Tennesse Williams eram frequentemente encenadas e mostradas pelas câmeras para um público que acompanhava essas tramas e tragédias com o maior interesse.

A história começa com o TV de Vanguarda, um programa de televisão quinzenal brasileiro que estreou em 17 de agosto de 1952 e foi transmitido pela TV Tupi durante 15 anos nas noites de domingo, tornando-se uma referência em inovação na televisão brasileira.

Idealizado por Fernando Faro, o programa tinha cerca de duas horas de duração e transmitia adaptações de grandes dramas da dramaturgia e da literatura mundial, como Hamlet e Romeu e Julieta, de Shakespeare, além de nomes como Fiódor Dostoiévski ou Ernest Hemingway.

Inovador, o TV de Vanguarda ousou na linguagem televisiva e investia nas expressões faciais dos atores, caprichando no uso de zoom; também abusou das chamadas “panorâmicas” (travelling) e criou a fórmula de dividir tarefas entre dois diretores, um só na direção geral e outro na parte artística. Dionísio Azevedo e Walter George Durst foram os primeiros a ocupar esses cargos.

Nomes já consagrados na época, como Procópio Ferreira, Bibi Ferreira, Maria Della Costa, Sérgio Britto, Fernando Torres e Fernanda Montenegro contracenavam na TV de Vanguarda com atores iniciantes que acabariam despontando para o sucesso um pouco mais tarde, como Lima Duarte, Laura Cardoso, Flora Geny, Luís Gustavo, Jaime Barcellos, Márcia Real, Yara Lins, Henrique Martins, Cleyde Yáconis, José Parisi, Geórgia Gomide, Maria Fernanda, Vida Alves e o então adolescente Tony Ramos, entre outros.

Não parou por aí. Foi em 1956 que Sérgio Britto idealizou outro teleteatro produzido tanto em S. Paulo quanto no Rio de Janeiro. O Grande Teatro Tupi foi um dos programas mais populares: era exibido às segundas feiras às 22 horas e tinha em seu elenco os grandes artistas do TBC, como Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg e Ítalo Rossi. O programa exibia peças de teatro famosas adaptadas para a televisão por Manoel Carlos, sob a direção do próprio Sérgio Britto.

Provavelmente o embrião das telenovelas, O Grande Teatro Tupi, ao longo de seus nove anos de existência, encenou aproximadamente 450 telepeças.

Os mais curiosos podem perguntar qual seria a diferença entre esse programa e as novelas de hoje. A resposta é simples. Como era ao vivo, pois nessa época ainda não se utilizava o videotape, as apresentações assumiam os mesmos atropelos, falhas técnicas, improvisos e até erros que caracterizam uma peça de teatro normal nos palcos. Esse era o espírito: transportar para a telinha o clima das salas de espetáculo, captando o momento único que não se repete nunca.

O elenco do O Grande Teatro tinha um ritual: reunia-se para ensaiar sempre depois das onze horas da noite, quando terminavam as apresentações das peças nos teatros. Ou seja: uma extenuante jornada dupla para os artistas.

Os ensaios eram feitos durante a semana, numa salinha alugada pela emissora, na rua Siqueira Campos, em Copacabana, e somente na segunda-feira passavam as cenas e marcações, juntamente com os câmeras nos estúdios da Tupi. Fernanda Montenegro e Nathália Thimberg passariam a protagonizar todas as telepeças do Grande Teatro e o simples anúncio de seus nomes nos jornais era motivo de audiência garantida.

A revista Radiolândia, que comentava os bastidores do rádio e da televisão, foi uma das primeiras a reconhecer a popularidade que o programa conquistava junto aos telespectadores cariocas e, na edição de 10 de novembro de 1956, publicou a primeira grande reportagem sobre O Grande Teatro Tupi, assinada por Souza Lima. O jornalista apontava como um dos fatores de sucesso do programa a atuação do “conjunto de Sérgio Britto”, referindo-se à sua equipe. Na direção das telepeças revezavam-se Fernando Torres, Sérgio Britto e Flávio Rangel. Os cenários eram assinados por Pernambuco de Oliveira, a direção de TV era de Mário Provenzano e a sonoplastia ficava a cargo de Rúbio Freire.

Ao grupo de atores, foram juntando-se outros, como Cláudio Cavalcanti, Francisco Cuoco e Norma Blum além de inúmeros convidados especiais que fizeram participações inesquecíveis no programa como Glauce Rocha, Sérgio Cardoso, Fábio Sabag, Cacilda Becker, Mário Lago, Tarcísio Meira, Monah Delacy, Gianfrancesco Guarnieri, Glória Menezes, Amir Haddad, Antônio Abujamra, Beatriz Segall, Bibi Ferreira, Dulcina de Moraes, entre outros.

Depois das lives na internet, não seria despropositado que a TV retomasse essas iniciativas, agora contemplando peças de autores contemporâneos que não estão tendo a oportunidade de encená-las nos teatros, cujas salas de espetáculo estão fechadas há mais de um ano.

Seria interessante comprovar se esse duelo entre o teleteatro e as telenovelas teria um vencedor. Um empate já estaria bom. Como as novelas investem cada vez mais em amadores jovens e modelos, é bem provável que o teleteatro aproveitasse os atores mais maduros que estão realmente interessados em encenar tramas de verdade e não a eterna lenga-lenga de procurar o verdadeiro pai, a verdadeira mãe ou o filho legítimo. E o melhor de tudo: uma coisa não excluiria a outra: ambas estariam no ar ao mesmo tempo, possivelmente alimentando-se mutuamente, abrindo mais um canal de atuação e provendo o público de duas formas de arte.

Equipe redatora de serviços de programação e de artigos sobre teatro.