Embora não tenha empregado sua verve sarcástica em suas peças para criticar a intolerância e o preconceito em relação aos gays, Oscar Wilde sempre foi um ferino detrator da sociedade burguesa conservadora, da qual aliás dependia para lotar as salas de espetáculo e manter sua vida glamurosa regada a champanhe e bons jantares em restaurante caros. Com manha, elegância, inteligência e alguns artifícios dramatúrgicos, ele fazia com que o público risse dele mesmo, até que foi pego com a boca na botija e a jurisprudência britânica deitou & rolou no tribunal, condenando-o à prisão (e, posteriormente, ao olvido) por suas práticas contra a natureza, como era chamado o amor homossexual no final do século XIX.
Apesar de injuriadas, as minorias discriminadas sempre conseguiram dar a volta por cima de circunstâncias adversas através do humor, a forma mais avançada e sinuosa de crítica social e de costumes, sejam eles religiosos, étnicos ou sexuais. Em outras palavras: elas também riem delas mesmas, às vezes de forma amarga ou silenciosa e por vezes explícita.
Um exemplo clássico dessa maneira de confrontar o mundo da intolerância e da hostilidade são os judeus: não existem piadas melhores sobre eles do que as que eles mesmos bolaram.
O orgulho da classe LGBTQIA+ por sua opção sexual sempre foi seu maior trunfo, como se pode depreender facilmente de qualquer parada gay. É um humor alegre e comprometido que visa alertar a parcela mais desavisada da sociedade para suas próprias mazelas e imperfeições, mesmo que isso venha nas entrelinhas. O exagero e a bizarrice fazem parte desse mosaico de atitudes, o figurino, o estilo kitsch, as perucas, a dança, as músicas, tudo envolve um glamour exuberante, em contraposição à recatada maneira do resto da sociedade que se acha “normal”, mas que, na verdade, afunda num lamaçal de hipocrisia.
No teatro, há inúmeros textos com essa pegada que versam sobre o assunto: A Gaiola das Loucas, de Jean Poiret, e Greta Garbo, quem diria, Acabou no Irajá, de Fernando Mello, são dois exemplos que conquistaram plateias no Brasil e no mundo, ficando em cartaz por anos.
No cinema, não foi diferente, mas com algumas restrições, pois os produtores de Hollywood sempre foram conservadores. Com algumas pérolas aqui & ali, a filmografia gay (particularmente na Europa) desenvolveu o tema com certa liberdade, mas centrou-se mais no chororô e na denúncia do que no humor.
A década de 70 não foi indulgente com os gays nas pornochanchadas brasileiras: eram caricatos e bizarros, quando não abertamente menosprezados. O curioso é que, mesmo nessas condições, conseguiam subir o astral da comédia, com os espectadores se esborrachando de rir de suas diatribes e rodadas de baiana. Suas aparições eram um bálsamo diante das burocráticas cenas de sexo hétero.
Foi só em 1994 que o cinema se redimiu com uma obra-prima gay. Priscilla – A Rainha do Deserto revolucionou o gênero e determinou os rumos a serem seguidos dali pra frente. Muito glamour, muitas cores, interpretações marcantes. Levante a mão quem conhece uma cena mais deslumbrante do que a que o ator Guy Pearce dubla uma ária de ópera no alto do ônibus trajando uma roupa com a enorme cauda azul espargindo uma fumaça vermelha que se espalha pelo deserto australiano. A câmera simplesmente esvoaça ao redor em travellings magníficos. Foi um marco.
Apesar de denunciar todas as perseguições e inclusive violência física que sofrem durante o road-movie, os travestis Anthony, Adam e Bernadette sabem como se safar das emboscadas com o humor inerente e intrínseco de um gay. O mais curioso disso tudo é que nenhum dos três atores era homossexual.
Ou seja: diante de um mundo francamente hostil, o humor ainda é a melhor forma de mostrar que o rei está nu, como faziam os saltimbancos da Commedia dell`arte na época medieval.
De acordo com os ares mais progressistas ou menos liberais que sopram e se alternam nas épocas da Humanidade, uma ideia recorrente sempre volta à baila: a cura gay, que consiste num método pseudocientífico de fazer com que os homossexuais voltem à sua eventual e hipotética situação hétero, como se fosse uma doença reversível. E isso não se restringe apenas às hostes conservadoras da igreja, estende-se para os psiquiatras e terapeutas de plantão, o que preocupa ainda mais.
Pergunta valendo cinco pontos: de onde surgiu a premissa de que os héteros são mais felizes que os gays? É uma incógnita que ninguém respondeu, pois ninguém consegue explicar um equívoco que nada mais é do que um dogma sem a menor base concreta.
O ideal mesmo seria inverter o processo e fazer com que os héteros sejam tratados no sentido de debelar e erradicar suas amarguras & tristezas. A cura gay consistiria justamente nisso: fazer com que eles reestruturassem seu rumo de vida através de um artifício filosófico baseado no humor e na felicidade de viver.
A esmagadora maioria dos pediatras e psicanalistas (Winnicott à frente) é unânime em afirmar que é impossível um ser humano ser feliz em sua maturidade sem que tenha brincando na infância, pois a diversão é essencial na formação de seu futuro caráter e personalidade.
O problema é que a sociedade de consumo nos ensina que o adulto tem de ser sóbrio, carrancudo, rígido e deve agir de acordo com a racionalidade. Por quê? Porque é conveniente ao mercado. Imaginem uma fábrica onde 90% dos funcionários ridicularizam as regras impostas pela diretoria? Seria o caos.
Pois os gays acreditam exatamente no oposto: a brincadeira não deve ficar necessariamente restrita aos primeiros anos de formação, mas pode (e deve) continuar durante o resto da vida. Enxergar o lado lúdico do cotidiano é imprescindível para que nossa alma se torne mais leve.
Se isso acontecer, garantem os especialistas que o mundo nunca mais será o mesmo.
Provavelmente, as pessoas se tornarão mais afáveis e transparentes, talvez mais solidárias.
Haverá reciprocidade de objetivos, quiçá menos guerras e mais festas. As pessoas colocariam de volta nos armários seu vestuário cinza e se empetecariam de cores vivas.
Serão menos sisudas e austeras, menos circunspectas e mal-humoradas.
Instintivamente, talvez sem terem as teorias de Bakunin em seu espectro ideológico, os gays nos ensinam a alegria de viver e continuar brincando, sem que sejamos necessariamente levianos.
Neste exato instante, uma nova geração está sendo sendo formada por um outro tipo de família, com dois pais ou duas mães. Se isso vingará no sentido de mudar o mundo ainda é cedo para saber, mas, com certeza, é uma maneira diferente de ensinamento e aprendizado mútuo.

Furio Lonza é um escritor, dramaturgo e jornalista ítalo-brasileiro.