Nesses tempos atuais, temas sobre gênero e sexualidade estão no centro dos debates. Representatividade, escuta, lugar de fala são posicionamentos de grande relevância. Mas apenas trazer essas questões não é o suficiente para uma real mudança social. Pode-se notar que temos um ponto nevrálgico no cerne de todo esse discorrer de questionamentos. É necessária plena atenção: falo aqui da inclusão.

Os pontos citados anteriormente tornam-se meramente ilustrativos se a ação de incluir não estiver em pleno vigor. O ato de não dar necessária notabilidade à questão é lançar o confortável véu da demagogia sobre um pungente e inflamado descompasso social. Notamos isso ao olhar a nossa volta, pois é fácil constatar que estamos apoiados sobre uma sociedade branca, heteronormativa, binária, cisgênera, conservadora e nada inclusiva ao diferente disso.

Caso ainda exista dúvida quanto a este fato, faço uma pergunta: quantas pessoas transgêneras você conhece que são professoras, médicas, enfermeiras, policiais, advogadas, engenheiras civis, economistas ou mesmo quantas frequentam sua vida? Para a grande maioria, a resposta será apenas: nenhuma. Essa resposta deixa clara a falta de oportunidade que essas pessoas sofrem no decorrer das suas vidas. Porque a elas não lhes é dada outra opção de trabalho senão a prostituição. Aqui a sociedade esquece que a transgeneralidade é uma condição de existência. Ser uma pessoa transgênera não é um limitador social que te designa a uma única profissão. Veja bem, não estou diminuindo a profissão de prostituta, (que, alias, é uma profissão que devia ser regulamentada. Mas isso é tema para outro ensaio) eu apenas rechaço o fato de não se ter escolha. Essa é uma realidade cruel com a qual todos nós contribuímos em sua manutenção e muitas vezes nem notamos.

Neste artigo, vou fazer um recorte sobre a comunidade trans e sua inclusão nos terrenos das artes cênicas. Para isso, faço mais uma pergunta: quantas pessoas transgêneras você já foi assistir no teatro? Talvez poucas ou até mesmo nenhuma. O artista por si só já tem o selo de transgressor, mas mesmo assim quais são as possibilidades que a pessoa trans, que busca ser artista, encontra no meio cênico?

Quando disse que é necessário incluir além da representatividade é porque, mais do que falar sobre elas, é importante que essas pessoas falem. Que o discurso esteja em suas bocas, que as ações estejam corporificadas nos seus corpos, e que as criações venham de suas ideias. Aqui não cabe o julgamento habitual do que vem a ser bom ou ruim enquanto produto artístico. Dizer isso pode causar espanto e estranhamento. Mas esclareço meu ponto: ver um artista trans em trabalho é ver a arte como veículo de transformação social agindo no palco e na plateia. Na meritocracia habitual dos dias, isso pode soar como absurdo total. Mas esse discurso do que vem a ser bom ou ruim é relativo e limitador e não permite que o evento artístico se engrandeça como obra transformadora.

O teatro por si só é político em sua natureza e não podemos esquecer disso. Ter uma pessoa transgênera em cena, atuando, é de muita potência porque esse fato vem de encontro aos pilares Cis e Heteronormativos da sociedade. Abrir espaço para artistas trans é transgressor e político, é mudar um estigma social.  Deve-se criar espaços para que elas ocupem todos os lugares e não só a cena, mas todos os lugares do fazer artístico. Pessoas trans podem ocupar o palco, coxias e escritórios do fazer teatral. É preciso que haja espaço e oportunidades para que isto aconteça. Não se pode esquecer que praticamente 98% das pessoas trans não tiveram a oportunidade de ter uma formação continuada. Então, que se criem oportunidades para capacitá-las. Que artistas trans estejam em cena para criar e contar suas próprias histórias e as que mais vierem.

É importante partilhar em igualdade o lugar próprio para o trabalho, sem julgamento de valor, de sapiência ou destreza. Julgar a pessoa por falta de habilidade sem nunca ter lhe oferecido a oportunidade de capacitar-se é absurdamente cruel. Se ater ao lugar da inclusão legítimo é se destituir do costumeiro privilégio e dar oportunidade ao outro de agir em pé de igualdade. É preciso abrir espaço e oferecer oportunidades para que os indivíduos que sempre estiveram alheios à escolha social, possam alçar e alcançar saber necessário para ocuparem lugares no mercado de trabalho que sua vontade eleja. Pessoas que estiveram sempre à margem precisam ser incluídas para modificar todo um estigma de uma existência, e para isso acontecer precisamos sair do conforto e da nossa certeza e ouvir. Portanto, quando uma travesti gritar na plateia ou na porta do teatro, escute, porque é disso que se trata – Escuta – Inclusão e escuta. Assim, novos ares soprarão de maneira igualitária.

Alessandro Brandão é ator e cantor.