O Paradoxo da Atemporalidade

Existe uma sutil incoerência ao se montar peças de teatro em determinadas épocas alegando sua atemporalidade. Se são atemporais, não é preciso que a atualidade as justifique de maneira cabal. Os textos de Shakespeare, Ibsen e Arthur Miller, por exemplo, falam por si, pois exumaram em profundidade o estudo da alma humana e a conturbada relação entre o cidadão e o Estado.

Seja nos EUA, no Brasil ou no Azerbaijão, esses elementos estarão sempre presentes no cotidiano, não é necessário que a circunstância os explicite. 

Mas os diretores e produtores insistem em desencavar peças clássicas apenas em momentos em que os textos tangenciam a realidade factual. Podem ver: quando o país entra num estágio de obscuridade institucional, monta-se o Ricardo III, numa clara alusão às atitudes ditatoriais dos alcaides de plantão, ou O Rinoceronte, para quem gosta de metáforas; ao se ver imerso em atos de preconceito moralista que atingem determinadas parcelas minoritárias da nação, monta-se As Bruxas de Salém; quando algum movimento feminista levanta a cabeça para divergir do patriarcado, monta-se A Casa de Bonecas; quando há uma discrepância na escala de valores da sociedade, monta-se O Preço, e assim por diante, como se instantes antes isso não tivesse ocorrido.

Como consequência, alguns autores ficam em stand by durante décadas, aguardando da tumba o momento propício para que sejam reavaliados como se deve, sempre de acordo com essa regra dúbia. Alguém viu recentemente outra montagem do Strindberg senão A Senhorita Júlia? Podem acreditar: ele tem 52 peças escritas, mas só uma é contemplada de tempos em tempos.

O que esses diretores não percebem é que, ao montarem essas peças clássicas em períodos determinados, estão justamente quitando delas o epíteto de atemporais e agregando-lhes a chancela de circunstanciais.

 

Outras polêmicas

# Muito se tem criticado os novos dramaturgos brasileiros pela inconsistência dos textos e a falta de verticalização de suas mensagens, mas alguém pode explicar a ausência dessa matéria nas faculdades de teatro? Um dramaturgo se forma onde, afinal? Ele terá que continuar nessa eterna condição de outsider autodidata?

Alguém pode argumentar que, na época de Nelson Rodrigues, Vianninha e Guarnieri não era diferente e, no entanto, eles são considerados hoje como os expoentes máximos da dramaturgia nacional. 

Será que não houve realmente uma renovação por falta de talento ou pela inexistência de cursos adequados para essa modalidade teatral?

Nas faculdades de teatro, formam-se atores, atrizes, diretores e técnicos, mas não dramaturgos. Por quê?

# Todo mundo já teve essa experiência: numa estreia, a plateia se esborracha de rir de qualquer coisa. Quando pinta um palavrão, é uma festa. Os atores têm de dar um tempo para prosseguirem com o texto. Na verdade, temos a impressão de que a trama é o que menos importa, pois o riso é soberano, é ele que domina a cena. Existem várias teorias para explicar essa atitude. A mais razoável é que essa plateia é constituída de indivíduos aficionados dos esquetes humorísticos de TV que pretendem dar continuidade a seus esgares nas salas de espetáculo, mas também é lícito perguntar quais programas humorísticos poderiam propiciar momentos tão plenos de hilaridade. Não é difícil adivinhar a consequência natural no teatro contemporâneo: dramaturgos e diretores adequaram-se e agregaram às peças cacoetes & cacos provenientes da telinha, dando início a uma nova modalidade de linguagem teatral. 

As plateias atuais não querem rir pouco, querem rir muito, de cair da cadeira, rir de mijar nas calças. Portanto, há uma nova corrente de pensamento que diz o seguinte: já temos faculdades demais que formam atores e atrizes. Está na hora de criarmos cursos e oficinas que formem espectadores.

# Corre a boca pequena que um diretor de teatro carioca pretende montar o Hamlet dentro de uma colmeia, pois, segundo seu depoimento, poderia enfim colocar em prática seu antigo almejo dramatúrgico: lá pelas tantas, uma abelha mais saidinha diria “To Bee or not to Bee”. Aguardemos.

Equipe redatora de serviços de programação e de artigos sobre teatro.