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Arquivos Entrevista - Teatro Hoje https://teatrohoje.com.br/secao/entrevista/ Revista digital de Artes Cênicas Mon, 13 Jun 2022 11:25:12 +0000 pt-BR hourly 1 Entrevista com JÚLIO ADRIÃO https://teatrohoje.com.br/2022/01/24/entrevista-com-julio-adriao/ Tue, 25 Jan 2022 02:42:25 +0000 https://teatrohoje.com.br/?p=100980 Eclético, inquieto e sempre pronto a experimentar coisas novas e trilhar caminhos ainda não explorados, Júlio Adrião é um saltimbanco medieval moderno: atua, dirige, traduz, pesquisa, dá consultoria técnica, além de interpretar em português e castelhano. Depois do sucesso nacional e internacional de A descoberta das Américas, de Dario Fó, em maio, estreia na direção em Fico, outro solo que conta a história do dia em que o príncipe regente Dom Pedro I resolveu ficar por aqui. Unindo simplicidade e sofisticação, narra fatos conhecidos e outros nem tanto.   Você acaba de voltar de Santiago do Chile onde apresentou teu solo A Descoberta das Américas no Festival FITAM 2022 em espanhol. Quem fez o convite e como foi a recepção do público? Fui para o Chile realizar um projeto com a Companhia Tryo Teatro Banda, de Santiago, onde dirigi o espetáculo Fico, com o ator Francisco Sanchez. A produtora da companhia, Carolina Gonzalez, sugeriu que eu aproveitasse a oportunidade para participar do Festival Santiago a Mil, o FITAM e fez essa costura. Foram cinco apresentações em teatros e espaços culturais na periferia de Santiago para um público reduzido, porém entusiasta. Um privilégio e um aprendizado. Quem fez a tradução? Em 2013, fiz um primeiro exercício para apresentar A descoberta das Américas em castelhano, também no Chile, quando contei com a colaboração da atriz uruguaia Florência Santangelo para traduzir o texto. Ao longo dos últimos anos, tive a colaboração de colegas argentinos, espanhóis, chilenos e mexicanos, que deram diferentes contribuições para que o texto amadurecesse. Como o texto do Dario Fó é quilométrico e palavroso, você disse tudo em castelhano mesmo ou rolou alguma coisa em um portunhol no meio? Como não fluente nesse idioma, tive que trabalhar bastante para dizer o texto realmente em castelhano, embora com a licença de, sendo o personagem narrador um italiano, poder falar como um cara que, acima de tudo, tenta se comunicar, portanto, escorregando vez em quando para alguma coisa entre o português e o castelhano. Em todo caso, minha fiel escudeira Alessandra Vannucci acompanhou esse processo e me ajudou a limpar e eliminar os textos que não eram necessários. Como está o Chile atualmente em termos de teatro, pois você deve ter visto outras peças no mesmo Festival? Por conta do processo de direção, fiquei dois meses em um sítio em Culipran, a 80 km de Santiago, ensaiando cerca de 8 h por dia na sala de trabalho da companhia. Portanto, não tive muitas oportunidades de ir ao teatro. A companhia Tryo Teatro Banda tem um amplo repertório de obras baseadas em temas ou personagens históricos, todas com música ao vivo, especialmente compostas para cada obra e, logo que cheguei, assisti à estreia de Magallanes, com dramaturgia e direção do ator Francisco Sanchez, um espetáculo potente e provocativo, narrando o episódio da descoberta do caminho marítimo para as índias por Fernão de Magalhães navegando para oeste. Adoraria trazer esse trabalho para o Brasil, quem sabe fazer uma ocupação no CCBB, com três ou quatro obras da companhia, durante um mês. Quais são os temas abordados, de que maneira os dramaturgos de lá desenvolvem seus enredos? Há mais crítica de costumes ou tramas com uma pegada político-ideológica? Embora tenha assistido a poucas obras, vejo que o Chile tem um teatro muito atuante, com textos próprios e obras que circulam pelo país inteiro, além de muitas companhias com trabalho continuado de repertório, como o Tryo Teatro Banda. Fiquei, porém, devendo no quesito de conhecer melhor os autores locais. Em maio próximo, aniversário dos 200 anos da famosa frase do príncipe regente Dom Pedro I às margens do Ipiranga, você vai estrear na direção em Fico no Paço Imperial, com atuação solo de Francisco Sanchez numa coprodução Chile e Brasil. Quais as características básicas dessa versão? De quem é o texto? No que ele difere da História oficial? O processo de criação da Companhia se aproxima muito do que me interessa para o desenvolvimento de uma narrativa que não possui um texto dramatúrgico a priori. Depois de lermos uma série de livros referentes à história do Brasil, fomos para a sala de trabalho e, na companhia do músico Simon Schiriever, iniciamos a montagem e desenvolvimento de um canovaccio (na commedia dell’arte, roteiro sobre o qual o elenco improvisa), que serviu de referência para as improvisações e que, depois de cinco semanas fazendo, repetindo, corrigindo, compondo músicas, filmando e conversando, nos deu condições de transcrever o texto falado para o papel, portanto, o texto é o que Francisco falou, eu interferi e Simon musicou. Como desejávamos que o narrador não fosse brasileiro, tivemos a sorte de encontrar o livro do chileno Vicente Peres Rosales, Recordações do passado que, num dos primeiros capítulos, conta sua passagem pelo Rio de Janeiro em 1821, quando narra fatos por nós conhecidos e outros nem tanto, que foram determinantes para a construção de uma narrativa mais crítica e permeada por momentos da história chilena no mesmo período. Assim sendo, de ficção mesmo, só inventamos uma improvável amizade entre os jovens Vicente e Pedro, sem que o primeiro soubesse de quem se tratava o galante, efusivo e temperamental amigo. Uma farsa picaresca musical nos moldes do que acredito ser o teatro que eu sei fazer, unindo simplicidade e sofisticação. No Brasil, além de Simon, a música será executada ao vivo pelo quarteto de cordas carioca Cais, na sala dos Archeiros do Paço Imperial. Como no picaresco Roliúde você assinava com a rubrica Supervisor cênico, o diretor que há em você resolveu sair do armário? Podemos esperar novas direções suas nos próximos anos? Algum texto em vista? Em Roliúde assinei a supervisão cênica, pois o ator João Ricardo Oliveira tinha o espetáculo na cabeça e achei mais honesto me colocar no lugar de um espectador privilegiado que, com sua presença, ajuda ao ator/diretor/dramaturgo a se auto dirigir e, acima de tudo, não desistir, direcionando, mais do que dirigindo o espetáculo. Costumo dizer que dirijo sem carteira, pois não sou um diretor que tem ideias, mas sim um direcionador de processos, onde a equipe de criação trabalha de forma horizontal, com todos que falam de tudo em benefício da obra, que é o que nos une e o que mais interessa. Meu projeto Consultório Cênico é uma espécie de mentoria para o desenvolvimento de processos de trabalho que, eventualmente, posso até vir a dirigir, mas não necessariamente. Atualmente, com a parceria de meu sócio e produtor Fernando Alax, estamos tentando aprovar o projeto do solo “Antes da aula”, da atriz e escritora Aline Oliveira, cuja dramaturgia foi desenvolvida a partir de um exercício feito em uma oficina que ministrei e que seguimos trabalhando on line nos primeiros meses da pandemia. Acabamos aceitando produzir e dirigir o espetáculo por reconhecer que era o lugar devido para uma efetiva participação nossa na realização de um projeto que considero consistente. Como você é um ator incomum e sua trajetória nos palcos sempre se pautou pelo ecletismo, de que maneira você avalia as novas produções no teatro carioca e brasileiro? Na tua opinião, falta ousadia e experimentação? Somos um celeiro de criação, com autores, diretores e atores muito variados e com muita qualidade, embora sigamos nos conhecendo muito pouco. Por muitos anos, viajei pelo Brasil inteiro com A descoberta das Américas, o que me deu a chance de cruzar com diversos artistas e companhias de alto nível, grande parte desconhecidos pela maioria dos que não têm a mesma oportunidade de viajar. Vez em quando, algum desses artistas ganha uma projeção maior e passa a ser visto e reconhecido como o artista que é. Não creio que falte ousadia ou experimentação. O que falta mesmo é uma política cultural que dê condições a esses artistas e coletivos de se dedicarem plenamente aos seus processos de criação, e isso inclui pesquisar, ensaiar, apresentar, circular, intercambiar, viver disso, sem que essa política seja compreendida como assistencialismo, pois a cultura, por meio das artes, é uma ferramenta de inclusão poderosa, que faz pensar e mudar, como dizia o saudoso Fausto Wolff, “uma arma de defesa pessoal”, por isso mesmo perigosa e colocada sempre em último plano nos investimentos em nosso país. Esse conservadorismo temático ainda vai perdurar por alguns anos? O conservadorismo não é dos temas, mas sim das estruturas que burocratizam a criação artística e a produção cultural. Fora isso, a própria mídia não tem interesse em dar luz a quem não se transforma em um produto de consumo. Os artistas que criam a partir de suas reais inquietações estão por todo lado e não têm tempo ou dinheiro para buscar a visibilidade ou o reconhecimento que merecem. O que ainda falta para você se realizar como ator e consagrar como diretor? Sou um ator preguiçoso e creio que ter uma realização como A descoberta das Américas é um trunfo que poucos atores conseguiram. Por isso, cuido para que esse trabalho siga vivo com a qualidade que me deu o atual reconhecimento para que possa ser visto por quem ainda não teve a oportunidade. Isso já me faz sentir um tanto realizado. Sobre a questão da direção, talvez o fato de não me considerar um diretor que tem um projeto próprio de direção e me ver mais como um direcionador de projetos, quando me confiada essa função, seja um fator concreto para não ter esse reconhecimento. Em todo caso, a tal consagração não te torna necessariamente um melhor artista, embora possa te tornar um pior ser humano. Quais os textos estariam na tua pauta? Que tipo de produção você gostaria de montar? Nos últimos dois anos, desde quando a pandemia tomou conta de nossas prioridades, não consegui fazer praticamente nada em teatro, fora essa direção no Chile que, aliás, foi absolutamente revigorante, em especial pelas condições em que foi realizada e na companhia desses artistas imensos, Francisco e Simon. Por outro lado, aproveitei para arrumar a casa e, com a preciosa parceria do editor Bruno Vouzella, criamos um canal no youtube (A descoberta das Américas – Julio Adrião) onde disponibilizamos grande parte do acervo áudio visual desse espetáculo desde sua criação, em 2005, além de inúmeras entrevistas e registros do cotidiano das apresentações, uma coisa que me deixou muito aliviado, pois era um material que já não me pertencia e proporcionar o acesso a ele era algo que eu estava adiando por falta de tempo. Fora isso, produzi dois trabalhos áudio visuais em companhia da diretora de fotografia Thais Grechi, com quem criei a Nossos Filmes e confesso que me senti mordido por esse caminho. Os dois trabalhos estão disponíveis nos sites que financiaram suas realizações. “Qual a razão de tudo isso, eu sempre penso” no site bossa criativa, da FUNARTE e “Restará sempre muito o que fazer”, um documentário curta metragem afetivo, no site da Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho, da Energisa. Outras realizações da Nossos Filmes estão em nosso pensamento, sem pressa. Um Don Quixote numa pegada bem brasileira, talvez, ou um monólogo sobre o episódio de Canudos? A experiência com o Tryo Teatro Banda, cujo repertório de obras, a partir de temas e personagens históricos, conheci nesses últimos 10 anos, desde quando nos cruzamos no Festival de teatro Latino Americano CASA, em Londres, onde assisti ao espetáculo Pedro de Valdivia e a atual experiência de direção do Fico, me deixaram com coceira para fazer um novo trabalho solo nessa linha. Don Quixote foi um longo namoro que tive, antes mesmo de fazer A descoberta das Américas, mas acabamos terminando antes do casamento. Tenho pensado muito o que poderia ser esse novo trabalho, onde gostaria de fazer o que ainda não fiz, cantar, dançar e, quem sabe, falar um pouco menos.

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Eclético, inquieto e sempre pronto a experimentar coisas novas e trilhar caminhos ainda não explorados, Júlio Adrião é um saltimbanco medieval moderno: atua, dirige, traduz, pesquisa, dá consultoria técnica, além de interpretar em português e castelhano. Depois do sucesso nacional e internacional de A descoberta das Américas, de Dario Fó, em maio, estreia na direção em Fico, outro solo que conta a história do dia em que o príncipe regente Dom Pedro I resolveu ficar por aqui. Unindo simplicidade e sofisticação, narra fatos conhecidos e outros nem tanto.

 

Você acaba de voltar de Santiago do Chile onde apresentou teu solo A Descoberta das Américas no Festival FITAM 2022 em espanhol. Quem fez o convite e como foi a recepção do público?

Fui para o Chile realizar um projeto com a Companhia Tryo Teatro Banda, de Santiago, onde dirigi o espetáculo Fico, com o ator Francisco Sanchez. A produtora da companhia, Carolina Gonzalez, sugeriu que eu aproveitasse a oportunidade para participar do Festival Santiago a Mil, o FITAM e fez essa costura. Foram cinco apresentações em teatros e espaços culturais na periferia de Santiago para um público reduzido, porém entusiasta. Um privilégio e um aprendizado.

Quem fez a tradução?

Em 2013, fiz um primeiro exercício para apresentar A descoberta das Américas em castelhano, também no Chile, quando contei com a colaboração da atriz uruguaia Florência Santangelo para traduzir o texto. Ao longo dos últimos anos, tive a colaboração de colegas argentinos, espanhóis, chilenos e mexicanos, que deram diferentes contribuições para que o texto amadurecesse.

Como o texto do Dario Fó é quilométrico e palavroso, você disse tudo em castelhano mesmo ou rolou alguma coisa em um portunhol no meio?

Como não fluente nesse idioma, tive que trabalhar bastante para dizer o texto realmente em castelhano, embora com a licença de, sendo o personagem narrador um italiano, poder falar como um cara que, acima de tudo, tenta se comunicar, portanto, escorregando vez em quando para alguma coisa entre o português e o castelhano. Em todo caso, minha fiel escudeira Alessandra Vannucci acompanhou esse processo e me ajudou a limpar e eliminar os textos que não eram necessários.

Como está o Chile atualmente em termos de teatro, pois você deve ter visto outras peças no mesmo Festival?

Por conta do processo de direção, fiquei dois meses em um sítio em Culipran, a 80 km de Santiago, ensaiando cerca de 8 h por dia na sala de trabalho da companhia. Portanto, não tive muitas oportunidades de ir ao teatro. A companhia Tryo Teatro Banda tem um amplo repertório de obras baseadas em temas ou personagens históricos, todas com música ao vivo, especialmente compostas para cada obra e, logo que cheguei, assisti à estreia de Magallanes, com dramaturgia e direção do ator Francisco Sanchez, um espetáculo potente e provocativo, narrando o episódio da descoberta do caminho marítimo para as índias por Fernão de Magalhães navegando para oeste. Adoraria trazer esse trabalho para o Brasil, quem sabe fazer uma ocupação no CCBB, com três ou quatro obras da companhia, durante um mês.

Quais são os temas abordados, de que maneira os dramaturgos de lá desenvolvem seus enredos? Há mais crítica de costumes ou tramas com uma pegada político-ideológica?

Embora tenha assistido a poucas obras, vejo que o Chile tem um teatro muito atuante, com textos próprios e obras que circulam pelo país inteiro, além de muitas companhias com trabalho continuado de repertório, como o Tryo Teatro Banda. Fiquei, porém, devendo no quesito de conhecer melhor os autores locais.

Em maio próximo, aniversário dos 200 anos da famosa frase do príncipe regente Dom Pedro I às margens do Ipiranga, você vai estrear na direção em Fico no Paço Imperial, com atuação solo de Francisco Sanchez numa coprodução Chile e Brasil. Quais as características básicas dessa versão? De quem é o texto? No que ele difere da História oficial?

O processo de criação da Companhia se aproxima muito do que me interessa para o desenvolvimento de uma narrativa que não possui um texto dramatúrgico a priori. Depois de lermos uma série de livros referentes à história do Brasil, fomos para a sala de trabalho e, na companhia do músico Simon Schiriever, iniciamos a montagem e desenvolvimento de um canovaccio (na commedia dell’arte, roteiro sobre o qual o elenco improvisa), que serviu de referência para as improvisações e que, depois de cinco semanas fazendo, repetindo, corrigindo, compondo músicas, filmando e conversando, nos deu condições de transcrever o texto falado para o papel, portanto, o texto é o que Francisco falou, eu interferi e Simon musicou. Como desejávamos que o narrador não fosse brasileiro, tivemos a sorte de encontrar o livro do chileno Vicente Peres Rosales, Recordações do passado que, num dos primeiros capítulos, conta sua passagem pelo Rio de Janeiro em 1821, quando narra fatos por nós conhecidos e outros nem tanto, que foram determinantes para a construção de uma narrativa mais crítica e permeada por momentos da história chilena no mesmo período. Assim sendo, de ficção mesmo, só inventamos uma improvável amizade entre os jovens Vicente e Pedro, sem que o primeiro soubesse de quem se tratava o galante, efusivo e temperamental amigo. Uma farsa picaresca musical nos moldes do que acredito ser o teatro que eu sei fazer, unindo simplicidade e sofisticação. No Brasil, além de Simon, a música será executada ao vivo pelo quarteto de cordas carioca Cais, na sala dos Archeiros do Paço Imperial.

Como no picaresco Roliúde você assinava com a rubrica Supervisor cênico, o diretor que há em você resolveu sair do armário? Podemos esperar novas direções suas nos próximos anos? Algum texto em vista?

Em Roliúde assinei a supervisão cênica, pois o ator João Ricardo Oliveira tinha o espetáculo na cabeça e achei mais honesto me colocar no lugar de um espectador privilegiado que, com sua presença, ajuda ao ator/diretor/dramaturgo a se auto dirigir e, acima de tudo, não desistir, direcionando, mais do que dirigindo o espetáculo. Costumo dizer que dirijo sem carteira, pois não sou um diretor que tem ideias, mas sim um direcionador de processos, onde a equipe de criação trabalha de forma horizontal, com todos que falam de tudo em benefício da obra, que é o que nos une e o que mais interessa. Meu projeto Consultório Cênico é uma espécie de mentoria para o desenvolvimento de processos de trabalho que, eventualmente, posso até vir a dirigir, mas não necessariamente. Atualmente, com a parceria de meu sócio e produtor Fernando Alax, estamos tentando aprovar o projeto do solo “Antes da aula”, da atriz e escritora Aline Oliveira, cuja dramaturgia foi desenvolvida a partir de um exercício feito em uma oficina que ministrei e que seguimos trabalhando on line nos primeiros meses da pandemia. Acabamos aceitando produzir e dirigir o espetáculo por reconhecer que era o lugar devido para uma efetiva participação nossa na realização de um projeto que considero consistente.

Como você é um ator incomum e sua trajetória nos palcos sempre se pautou pelo ecletismo, de que maneira você avalia as novas produções no teatro carioca e brasileiro? Na tua opinião, falta ousadia e experimentação?

Somos um celeiro de criação, com autores, diretores e atores muito variados e com muita qualidade, embora sigamos nos conhecendo muito pouco. Por muitos anos, viajei pelo Brasil inteiro com A descoberta das Américas, o que me deu a chance de cruzar com diversos artistas e companhias de alto nível, grande parte desconhecidos pela maioria dos que não têm a mesma oportunidade de viajar. Vez em quando, algum desses artistas ganha uma projeção maior e passa a ser visto e reconhecido como o artista que é. Não creio que falte ousadia ou experimentação. O que falta mesmo é uma política cultural que dê condições a esses artistas e coletivos de se dedicarem plenamente aos seus processos de criação, e isso inclui pesquisar, ensaiar, apresentar, circular, intercambiar, viver disso, sem que essa política seja compreendida como assistencialismo, pois a cultura, por meio das artes, é uma ferramenta de inclusão poderosa, que faz pensar e mudar, como dizia o saudoso Fausto Wolff, “uma arma de defesa pessoal”, por isso mesmo perigosa e colocada sempre em último plano nos investimentos em nosso país.

Esse conservadorismo temático ainda vai perdurar por alguns anos?

O conservadorismo não é dos temas, mas sim das estruturas que burocratizam a criação artística e a produção cultural. Fora isso, a própria mídia não tem interesse em dar luz a quem não se transforma em um produto de consumo. Os artistas que criam a partir de suas reais inquietações estão por todo lado e não têm tempo ou dinheiro para buscar a visibilidade ou o reconhecimento que merecem.

O que ainda falta para você se realizar como ator e consagrar como diretor?

Sou um ator preguiçoso e creio que ter uma realização como A descoberta das Américas é um trunfo que poucos atores conseguiram. Por isso, cuido para que esse trabalho siga vivo com a qualidade que me deu o atual reconhecimento para que possa ser visto por quem ainda não teve a oportunidade. Isso já me faz sentir um tanto realizado. Sobre a questão da direção, talvez o fato de não me considerar um diretor que tem um projeto próprio de direção e me ver mais como um direcionador de projetos, quando me confiada essa função, seja um fator concreto para não ter esse reconhecimento. Em todo caso, a tal consagração não te torna necessariamente um melhor artista, embora possa te tornar um pior ser humano.

Quais os textos estariam na tua pauta? Que tipo de produção você gostaria de montar?

Nos últimos dois anos, desde quando a pandemia tomou conta de nossas prioridades, não consegui fazer praticamente nada em teatro, fora essa direção no Chile que, aliás, foi absolutamente revigorante, em especial pelas condições em que foi realizada e na companhia desses artistas imensos, Francisco e Simon. Por outro lado, aproveitei para arrumar a casa e, com a preciosa parceria do editor Bruno Vouzella, criamos um canal no youtube (A descoberta das Américas – Julio Adrião) onde disponibilizamos grande parte do acervo áudio visual desse espetáculo desde sua criação, em 2005, além de inúmeras entrevistas e registros do cotidiano das apresentações, uma coisa que me deixou muito aliviado, pois era um material que já não me pertencia e proporcionar o acesso a ele era algo que eu estava adiando por falta de tempo. Fora isso, produzi dois trabalhos áudio visuais em companhia da diretora de fotografia Thais Grechi, com quem criei a Nossos Filmes e confesso que me senti mordido por esse caminho. Os dois trabalhos estão disponíveis nos sites que financiaram suas realizações. “Qual a razão de tudo isso, eu sempre penso” no site bossa criativa, da FUNARTE e “Restará sempre muito o que fazer”, um documentário curta metragem afetivo, no site da Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho, da Energisa. Outras realizações da Nossos Filmes estão em nosso pensamento, sem pressa.

Um Don Quixote numa pegada bem brasileira, talvez, ou um monólogo sobre o episódio de Canudos?

A experiência com o Tryo Teatro Banda, cujo repertório de obras, a partir de temas e personagens históricos, conheci nesses últimos 10 anos, desde quando nos cruzamos no Festival de teatro Latino Americano CASA, em Londres, onde assisti ao espetáculo Pedro de Valdivia e a atual experiência de direção do Fico, me deixaram com coceira para fazer um novo trabalho solo nessa linha. Don Quixote foi um longo namoro que tive, antes mesmo de fazer A descoberta das Américas, mas acabamos terminando antes do casamento. Tenho pensado muito o que poderia ser esse novo trabalho, onde gostaria de fazer o que ainda não fiz, cantar, dançar e, quem sabe, falar um pouco menos.

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Entrevista com MARGARETH GALVÃO https://teatrohoje.com.br/2021/12/29/entrevista-margareth-galvao/ Wed, 29 Dec 2021 12:50:22 +0000 https://teatrohoje.com.br/?p=100433 Paulista de nascimento, mas capixaba de coração, Margareth Galvão instalou-se definitivamente no Espírito Santo no final dos anos 80, depois de construir uma longa e vitoriosa carreira durante quase cinquenta anos no teatro e no cinema. Como professora, contribuiu para a formação de atores e atrizes na Escola de Teatro e Dança FAFI, em Vitória, onde lecionou por 16 anos. Recentemente, foi homenageada nos festivais de cinema de Vitória, Muqui e Santa Teresa. Nesta entrevista à Teatro Hoje, ela faz um resumo de sua trajetória artística, fala o que o teatro representou em sua vida e o que pensa para o futuro.   Teu ecletismo é admirável. Além de atriz, dramaturga, diretora de teatro e coordenadora cênica de óperas, é também artista plástica. Fez peças, atua no cinema. Somando tudo isso, como você se definiria e o que mais te encanta nesse universo artístico? Sou uma buscadora, tenho a mente inquieta. O que mais me encanta nesse universo artístico é o estado criativo, estado de foco, presença e fruição nas áreas por onde transito, descobrindo e aprendendo sempre suas especificidades. Artes Plásticas, encarei mais seriamente depois da graduação em Artes na Universidade Federal do Espírito Santo-UFES, aos 55 anos de idade. Voltando ao processo de busca desse estado criativo que se iniciou no teatro, há quase 50 anos e que me proporcionou o que mais me estimula na atuação, e atualmente, na direção e escrita teatral, a investigação do espírito humano, a partir de mim mesma e das relações que se estabelecem no teatro. Esse processo de busca por vezes pode ser angustiante, mas extremamente prazeroso. Ver um desafio pessoal e coletivo concluído é edificante, mesmo com alguns trabalhos por vezes hercúleos e, claro, os trabalhos fruídos, sincrônicos, cheios de bons “acasos”. (Ri)   Depois de interpretar personagens de Gogol, Brecht, Lorca, Büchner, Shakespeare e Nelson Rodrigues, você escreveu para o teatro. Tornar-se dramaturga foi uma necessidade, uma curiosidade ou surgiu naturalmente? Ainda morando em São Paulo, aos 20 e poucos anos, depois de ter estudado teatro na Fundação das Artes, fiz um curso de Monitoria do Jogo Dramático com Joana Lopes e, a partir daí, comecei a dar cursos e oficinas. Surgiu então a necessidade de escrever cenas curtas para os participantes. Depois disso, escrevi 5 textos em parceria com Erlon José Paschoal, todos editados e 2 encenados. Escrita solo são 5 textos, 3 deles montados e nenhum editado. Mais recentemente, escrevi o texto O Auto do Rio Piraquê-açu, em parceria com Peter Boos . Como foi tua experiência na direção cênica da ópera Pagliacci, de Leon Cavallo? Sentiu-se à vontade ou houve momentos de tensão diante da grandiosidade do gênero? Antes da ópera Pagliacci, já havia feito a coordenação cênica de outras óperas, porém, nenhuma delas com tanta gente em cena. Foi desafiador ter 43 pessoas no palco, coro, pessoas de circo, perna-de-pau e mais os solistas. Tive a meu favor a experiência de anos dando cursos e oficinas com muitos participantes. Fiz também a coordenação cênica da ópera Orquestra dos Sonhos do Tim Rescala. Outro desafio, trabalhar com os cantores solistas e a orquestra, que tocava e atuava. Os músicos eram personagens dessa ópera infanto-juvenil.   Fale um pouco dos quatro meses que você passou na Alemanha. O que essa estada significou na tua vida? Morei em Berlim por um ano, 1982. A cidade ainda era dividida. Existia o muro e rígidas fronteiras. Nessa estada, aprendi muito com o povo alemão. Caí na panela de pressão da guerra-fria sempre na iminência de explodir. Bastava sobrevoar as principais cidades alemãs e se avistava uma enorme quantidade de mísseis apontados para o outro lado e vice-versa. Berlim então era território livre para se vivenciar os extremos, como se o mundo estivesse prestes a acabar. Mesmo assim, sendo estrangeira e latina, compreendi o que significava cidadania. É um sentimento de direitos e deveres introjetados para o bem viver coletivo e a liberdade individual. Ampliei a visão que tinha na época sobre ecologia e meio ambiente. Passei a ver o meu corpo com naturalidade quando exposto publicamente com famílias e outras pessoas nuas tomando banho de sol nos lagos e praias de nudismo. FKK – Freie Körperlich Kultur – Cultura do Corpo Livre. Uma experiência libertadora para os meus 28 anos. Como também dava aulas de alemão, já em Vitória, no Instituto Teuto Brasileiro, subvencionado pelo Instituto Goethe, fui outra vez para Berlim, quando passei 4 meses, desta vez, sozinha. Ganhei uma bolsa de estudos para um curso de Língua e Cultura Alemã. Berlim, depois da queda do muro, continuou sendo uma cidade de jovens, atraente excitante e multicultural.   No cinema, você atuou em 22 filmes entre longas e curtas, os mais significativos foram Lamarca, com direção de Sérgio Resende, e O Amor Está no Ar. O que essa experiência acrescentou à tua carreira? Participei de 8 longas e 21 curtas. Lamarca foi o meu primeiro filme e sofri corte na montagem da única cena com texto que eu tinha como guerrilheira, amiga da personagem da Carla Camurati. Fiquei em outras cenas na mata, mas como figurante. O Amor está no Ar, de Amylton de Almeida, foi o meu segundo filme. Como terceiro personagem da história, esse filme me levou a conhecer outros festivais, como: Festival de Gramado e Festival de Cuiabá. Fiz também 4 longas de Cinema de Gênero com Rodrigo Aragão, o novo mestre do cinema fantástico e de terror. O cinema pra mim é uma viagem, adoro set de filmagem. O estresse condensado nos dias de filmagem é muito bom. Cinema é um exercício de foco, tensão e concentração.   Como estava o panorama do teatro no Espírito Santo antes de fecharem as salas de espetáculo em função da pandemia e o que você vislumbra para o futuro? O Estado tem contribuído com editais? Há vontade política para desenvolver projetos de incentivo às artes cênicas? Existe algum impasse que você gostaria de salientar? O que deve mudar e o que poderia ser melhor? Antes da pandemia, tínhamos aqui em Vitória o Centro Cultural do SESC com seus cinemas e teatros; espaços alternativos e de coletivos com eventos constantes. Alguns desses espaços conseguiram migrar para eventos online. O Teatro Estadual Carlos Gomes já estava interditado há anos. Agora parece que existe vontade política para uma reforma. O Estado contribui com editais que contemplam várias áreas das Artes e da Cultura Popular. Temos outras leis municipais de incentivo à Cultura na região metropolitana que pararam de funcionar há anos. “Lei Rubem Braga”, do município de Vitória, “Lei Chico Prego”, de Serra e a “Lei de Vila Velha”, essa última, nem me recordo mais o nome, de tanto tempo esquecida. O que eu mudaria? Voltaria com oficinas de Artes para jovens das periferias das cidades e implantaria cineclubes nos bairros, com oficinas de estímulo à produção de audiovisual. Esse tipo de política cultural de base merece ser considerada na transformação da estrutura social. Com a pandemia, o futuro é ainda incerto. Mesmo com a vacinação, o retorno dos eventos, shows e espetáculos não será em breve. Além disso, levaremos muito tempo para recuperar o que esse desgoverno está destruindo. Lembrando que a Cultura foi uma das áreas mais sofridas nesse desmanche.   No Espírito Santo, você morou em Jacaraípe, Vitória e agora Vila Velha. Como tua alma foi se adaptando a essas cidades e quais as características de cada uma delas? Depois de morar em Berlim, não quis mais viver em São Paulo, fui morar em Belém do Pará. Vivi lá por dois anos fazendo teatro com textos alemães, subvencionado pelo Instituto Goethe de lá. Acabou o projeto em Belém, fui morar no Rio de Janeiro, e depois vim para o Espírito Santo. Morei em Jacaraípe, que era o sonho de todo paulistano, ter como quintal o mar, morar diante dele. Vitória e Vila Velha são cidades pequenas e ainda com boa qualidade de vida, bem menos estressantes que São Paulo ou Rio. Recentemente me mudei para as montanhas do Espírito Santo, Domingos Martins, cidade de colonização alemã, há uma hora da Rodoviária no Centro de Vitória. Moro no limite entre a zona urbana e rural. Mudei de vida por ares mais frescos. Sou de fácil adaptação aos ambientes, afinal, como disse Jorge Luís Borges – o Universo nos dá tudo, mas uma coisa de cada vez e a seu tempo.

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Paulista de nascimento, mas capixaba de coração, Margareth Galvão instalou-se definitivamente no Espírito Santo no final dos anos 80, depois de construir uma longa e vitoriosa carreira durante quase cinquenta anos no teatro e no cinema. Como professora, contribuiu para a formação de atores e atrizes na Escola de Teatro e Dança FAFI, em Vitória, onde lecionou por 16 anos. Recentemente, foi homenageada nos festivais de cinema de Vitória, Muqui e Santa Teresa. Nesta entrevista à Teatro Hoje, ela faz um resumo de sua trajetória artística, fala o que o teatro representou em sua vida e o que pensa para o futuro.

 

Teu ecletismo é admirável. Além de atriz, dramaturga, diretora de teatro e coordenadora cênica de óperas, é também artista plástica. Fez peças, atua no cinema. Somando tudo isso, como você se definiria e o que mais te encanta nesse universo artístico?
Sou uma buscadora, tenho a mente inquieta. O que mais me encanta nesse universo artístico é o estado criativo, estado de foco, presença e fruição nas áreas por onde transito, descobrindo e aprendendo sempre suas especificidades. Artes Plásticas, encarei mais seriamente depois da graduação em Artes na Universidade Federal do Espírito Santo-UFES, aos 55 anos de idade. Voltando ao processo de busca desse estado criativo que se iniciou no teatro, há quase 50 anos e que me proporcionou o que mais me estimula na atuação, e atualmente, na direção e escrita teatral, a investigação do espírito humano, a partir de mim mesma e das relações que se estabelecem no teatro. Esse processo de busca por vezes pode ser angustiante, mas extremamente prazeroso. Ver um desafio pessoal e coletivo concluído é edificante, mesmo com alguns trabalhos por vezes hercúleos e, claro, os trabalhos fruídos, sincrônicos, cheios de bons “acasos”. (Ri)

 

Depois de interpretar personagens de Gogol, Brecht, Lorca, Büchner, Shakespeare e Nelson Rodrigues, você escreveu para o teatro. Tornar-se dramaturga foi uma necessidade, uma curiosidade ou surgiu naturalmente?
Ainda morando em São Paulo, aos 20 e poucos anos, depois de ter estudado teatro na Fundação das Artes, fiz um curso de Monitoria do Jogo Dramático com Joana Lopes e, a partir daí, comecei a dar cursos e oficinas. Surgiu então a necessidade de escrever cenas curtas para os participantes. Depois disso, escrevi 5 textos em parceria com Erlon José Paschoal, todos editados e 2 encenados. Escrita solo são 5 textos, 3 deles montados e nenhum editado. Mais recentemente, escrevi o texto O Auto do Rio Piraquê-açu, em parceria com Peter Boos

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Como foi tua experiência na direção cênica da ópera Pagliacci, de Leon Cavallo? Sentiu-se à vontade ou houve momentos de tensão diante da grandiosidade do gênero?

Antes da ópera Pagliacci, já havia feito a coordenação cênica de outras óperas, porém, nenhuma delas com tanta gente em cena. Foi desafiador ter 43 pessoas no palco, coro, pessoas de circo, perna-de-pau e mais os solistas. Tive a meu favor a experiência de anos dando cursos e oficinas com muitos participantes. Fiz também a coordenação cênica da ópera Orquestra dos Sonhos do Tim Rescala. Outro desafio, trabalhar com os cantores solistas e a orquestra, que tocava e atuava. Os músicos eram personagens dessa ópera infanto-juvenil.

 

Fale um pouco dos quatro meses que você passou na Alemanha. O que essa estada significou na tua vida?
Morei em Berlim por um ano, 1982. A cidade ainda era dividida. Existia o muro e rígidas fronteiras. Nessa estada, aprendi muito com o povo alemão. Caí na panela de pressão da guerra-fria sempre na iminência de explodir. Bastava sobrevoar as principais cidades alemãs e se avistava uma enorme quantidade de mísseis apontados para o outro lado e vice-versa. Berlim então era território livre para se vivenciar os extremos, como se o mundo estivesse prestes a acabar. Mesmo assim, sendo estrangeira e latina, compreendi o que significava cidadania. É um sentimento de direitos e deveres introjetados para o bem viver coletivo e a liberdade individual. Ampliei a visão que tinha na época sobre ecologia e meio ambiente. Passei a ver o meu corpo com naturalidade quando exposto publicamente com famílias e outras pessoas nuas tomando banho de sol nos lagos e praias de nudismo. FKK

– Freie Körperlich Kultur – Cultura do Corpo Livre. Uma experiência libertadora para os meus 28 anos. Como também dava aulas de alemão, já em Vitória, no Instituto Teuto Brasileiro, subvencionado pelo Instituto Goethe, fui outra vez para Berlim, quando passei 4 meses, desta vez, sozinha. Ganhei uma bolsa de estudos para um curso de Língua e Cultura Alemã. Berlim, depois da queda do muro, continuou sendo uma cidade de jovens, atraente excitante e multicultural.

 

No cinema, você atuou em 22 filmes entre longas e curtas, os mais significativos foram Lamarca, com direção de Sérgio Resende, e O Amor Está no Ar. O que essa experiência acrescentou à tua carreira?
Participei de 8 longas e 21 curtas. Lamarca foi o meu primeiro filme e sofri corte na montagem da única cena com texto que eu tinha como guerrilheira, amiga da personagem da Carla Camurati. Fiquei em outras cenas na mata, mas como figurante. O Amor está no Ar, de Amylton de Almeida, foi o meu segundo filme. Como terceiro personagem da história, esse filme me levou a conhecer outros festivais, como: Festival de Gramado e Festival de Cuiabá. Fiz também 4 longas de Cinema de Gênero com Rodrigo Aragão, o novo mestre do cinema fantástico e de terror. O cinema pra mim é uma viagem, adoro set de filmagem. O estresse condensado nos dias de filmagem é muito bom. Cinema é um exercício de foco, tensão e concentração.

 

Como estava o panorama do teatro no Espírito Santo antes de fecharem as salas de espetáculo em função da pandemia e o que você vislumbra para o futuro? O Estado tem contribuído com editais? Há vontade política para desenvolver projetos de incentivo às artes cênicas? Existe algum impasse que você gostaria de salientar? O que deve mudar e o que poderia ser melhor?
Antes da pandemia, tínhamos aqui em Vitória o Centro Cultural do SESC com seus cinemas e teatros; espaços alternativos e de coletivos com eventos constantes. Alguns desses espaços conseguiram migrar para eventos online. O Teatro Estadual Carlos Gomes já estava interditado há anos. Agora parece que existe vontade política para uma reforma. O Estado contribui com editais que contemplam várias áreas das Artes e da Cultura Popular. Temos outras leis municipais de incentivo à Cultura na região metropolitana que pararam de funcionar há anos. “Lei Rubem Braga”, do município de Vitória, “Lei Chico Prego”, de Serra e a “Lei de Vila Velha”, essa última, nem me recordo mais o nome, de tanto tempo esquecida. O que eu mudaria? Voltaria com oficinas de Artes para jovens das periferias das cidades e implantaria cineclubes nos bairros, com oficinas de estímulo à produção de audiovisual. Esse tipo de política cultural de base merece ser considerada na transformação da estrutura social. Com a pandemia, o futuro é ainda incerto. Mesmo com a vacinação, o retorno dos eventos, shows e espetáculos não será em breve. Além disso, levaremos muito tempo para recuperar o que esse desgoverno está destruindo. Lembrando que a Cultura foi uma das áreas mais sofridas nesse desmanche.

 

No Espírito Santo, você morou em Jacaraípe, Vitória e agora Vila Velha. Como tua alma foi se adaptando a essas cidades e quais as características de cada uma delas?
Depois de morar em Berlim, não quis mais viver em São Paulo, fui morar em Belém do Pará. Vivi lá por dois anos fazendo teatro com textos alemães, subvencionado pelo Instituto Goethe de lá. Acabou o projeto em Belém, fui morar no Rio de Janeiro, e depois vim para o Espírito Santo. Morei em Jacaraípe, que era o sonho de todo paulistano, ter como quintal o mar, morar diante dele. Vitória e Vila Velha são cidades pequenas e ainda com boa qualidade de vida, bem menos estressantes que São Paulo ou Rio. Recentemente me mudei para as montanhas do Espírito Santo, Domingos Martins, cidade de colonização alemã, há uma hora da Rodoviária no Centro de Vitória. Moro no limite entre a zona urbana e rural. Mudei de vida por ares mais frescos. Sou de fácil adaptação aos ambientes, afinal, como disse Jorge Luís Borges – o Universo nos dá tudo, mas uma coisa de cada vez e a seu tempo.

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ANTONIO VENTURA https://teatrohoje.com.br/2021/06/16/antonio-ventura/ Wed, 16 Jun 2021 14:29:42 +0000 https://teatrohoje.com.br/?p=99362 Valsa nº6 chega aos setenta anos mais atual que nunca   Único monólogo da obra do dramaturgo Nelson Rodrigues, a peça acompanha uma menina de 15 anos na busca por suas memórias, culminando na revelação de um segredo terrível. É um verdadeiro thriller em que os espectadores desvendam a trama junto com a protagonista. Em pauta, estão as diferentes formas de violência contra a mulher e o tema fragmentação da identidade.   Dizem os especialistas que é muito difícil justificar que uma personagem fale sozinha no palco e existem apenas duas maneiras de encenar um monólogo sem que o público estranhe: ou a personagem está enlouquecida ou a atriz se dirige à plateia, quebrando a quarta parede. No caso de Valsa Número 6, uma menina de quinze anos reconstitui seus últimos momentos de vida. Você segue as rubricas do autor, que opta pelo metateatro, ou aborda um terceiro método? Ela está enlouquecida e quebra a quarta parede. A gente segue todas as rubricas que indicam que a atriz se dirige a um espectador específico. As falas são imperativas nesse sentido, a personagem diz “o senhor”, “a senhora”. Mas tem outros momentos em que o Nelson indica interação e optamos pela introspecção – e a loucura vem um pouco daí, desse diálogo consigo própria. O pulo do gato, tanto no texto quanto na forma como montamos, é que não existe quarta parede em momento algum. É bastante shakespeariano nesse aspecto. Com exceção dos primeiros minutos da peça, – antes da personagem falar “Tem gente me olhando!” –, ela sempre tem consciência da plateia. Só que às vezes está tão imersa nas próprias memórias e traumas que “esquece” que está sendo vista. O que nós definitivamente não fazemos é seguir as rubricas de ação física. Elas foram importantíssimas na estreia porque o público brasileiro ainda estava pouco acostumado ao expressionismo do texto. Mas hoje em dia ficam bastante ilustrativas. Optamos por contenção.   Valsa Número 6 estreou em junho de 1951 e tua versão vai para o palco em junho de 2021, exatamente setenta anos depois. Além da efeméride, o que mais te motivou a reencená-la? A efeméride foi, a bem da verdade, coincidência. Inclusive, o plano era estrear em 2020. Tudo começou com a Natália Caruso, que conheço desde 2013, insistindo que a gente deveria trabalhar juntos. Eu só tinha visto uma cena dela como atriz, mas minha intuição era de que tinha ouro ali. Não me enganei. Pensamos em vários textos, sempre do cânone; consideramos a sério “Senhorita Júlia”, de Strindberg. Mas ficamos meio de saco cheio de depender do interesse de outros atores e resolvi encarar meu medo de dirigir monólogo. A Valsa era uma opção óbvia. Isso foi no final de 2019. A partir do Me Too e do caso João de Deus, teve uma avalanche de denúncias de abuso sexual. Se falou muito nisso durante aquele ano. Então a gente teve a certeza que era a peça certa para nós e para o momento – afinal, assédio é uma questão-chave dela. E eu realmente não acredito nessa história de vender o próprio processo. Acho que, para montar alguma coisa, tem que ser relevante para o público. Por isso, pesamos a mão nesse tema desde o começo. Depois, durante a pandemia, a situação só piorou. Mais denúncias, recorde de feminicídios, o caso Mari Ferrer, estupro de uma menina de 10 anos, este último até influenciou o tratamento de uma cena. O texto do Nelson é mais relevante do que nunca justamente porque a personagem é uma vítima. O fato de continuar atual 70 anos depois nos chocou muito. Avançamos muito pouco e precisamos falar sobre isso.   Em sua crítica de 1951, o crítico Sabato Magaldi dizia que lamentava discordar de Nelson Rodrigues quando afirmava que era um monólogo de uma personagem que narra a própria morte, mas que, na verdade, era uma situação “na zona fronteiriça do instante da morte, no último alento em que o inconsciente procura recompor a vida e a unidade da pessoa humana”. Ou seja: a personagem transita entre a inconsciência e a realidade, numa espécie de antevisão de seu próprio assassinato. O que você acha desta interpretação? Concordo plenamente com o Magaldi. Acho que a chave está no fato da protagonista ouvir o próprio grito, quase no final da peça. Eu concebi o espetáculo pensando que aqueles 70 minutos se passam no instante entre a punhalada fatal e a morte propriamente dita, passando pelo grito agonizante. É, no sentido mais básico da palavra, suspense. Não é à toa que dirigi como se fosse um thriller. A leitura do Sábato foi importantíssima também para a concepção cenográfica. A ideia toda é ser um grande espelho se espatifando, mas que a gente vê em freeze, como se o tempo estivesse parado. Mais do que um apetrecho estético, é um indicador cronológico. Trabalhei muito próximo à Fernanda [Correia, cenógrafa do espetáculo] por conta disso.   Muitos acreditam que este monólogo de Nelson pode ter sido concebido como um Vestido de Noiva às avessas, pois trabalha com os mesmos elementos dos planos da memória e da alucinação, mas é através do filtro do subconsciente que se revelam todos os outros personagens. Se você concorda, explique um pouco como foi tua concepção desta remontagem. Não só concordo como foi a base da concepção. Lembra do espelho? Se eu quisesse apenas marcar uma suspensão do tempo, poderia ser qualquer objeto em instabilidade. Mas eu queria levar a proposta do Nelson da intérprete fazer todos os personagens, que é genial, às últimas consequências. O espelho proporciona isso, porque a gente tem a possibilidade de trabalhar com o corpo da atriz e com o reflexo que ele produz. Quando ela faz a menina, está de frente ou perfil para os espectadores. Mas quando entra nos personagens ou nos coros, ela dá as costas, a luz cai e o público vê a imagem dela nesses cacos imensos que a gente tem no palco. Os personagens são literalmente reflexos dela própria. A Natália muda o timbre, monta uma máscara (a referência, claro, é Akropolis dirigida pelo Grotowski) e só. Entende-se rapidamente quem é quem – o que é importante, porque tem sequências imensas em que vários desses personagens interagem entre si,  mas sempre dá pra ver que é ela. Sem truques.   Além de Natália Caruso, a atriz que interpreta a menina, você se cercou de uma equipe majoritariamente feminina: a cenografia ficou a cargo de Fernanda Correia, da figurinista Marcella Paskin, do multiartista Julio Parente, que assina a trilha sonora original, e da iluminadora Fernanda Mattos, que propõe uma atmosfera de pesadelo, com feixes de luz que perfuram a escuridão do palco como punhais. Trabalhar com um time sem muita testosterona foi uma opção ou uma coincidência? Era um desejo desde o começo. Queria me cercar de mulheres porque é uma leitura feminista do texto do Nelson. Não que o texto seja feminista, mas os temas que ele aborda são importantíssimos na luta delas. Não faria sentido fazer isso com uma equipe majoritariamente masculina. Agora, eu não escolhi a equipe com base no gênero. Eu sempre fecho os times dos meus espetáculos com o melhor material humano que estiver interessado. Não dá para fazer teatro de primeira com equipe de segunda. Dei a sorte de que boa parte dessas pessoas eram mulheres. Foi unir o útil ao justo. Pensando bem, trabalhei mais com boas profissionais do que com bons profissionais. Pode ser que as mulheres tenham que se dedicar mais ao ofício para superar o preconceito de gênero que, apesar de ninguém gostar de admitir, ainda existe nas Artes Cênicas. Mas isso você tem que perguntar a elas.   Como artista, você tem um pé no teatro e outro na ópera, caso de Suor Angelica, de Puccini, e O Gato de Botas, de Montsalvatge. Facilitou as coisas este monólogo ter a música como uma das personagens? Foi essencial. Devo muito dessa compreensão de como a música informa o drama e vice-versa ao André Heller-Lopes, de quem fui estagiário e assistente. Mas ao contrário da ópera, em que a ação deve ser sustentada pela música, precisamos criar a música a partir da ação. O Nelson dá uma baita ajuda porque a Valsa em Ré Bemol Maior (Op. 64, nº1), que dá título à peça, é a trilha perfeita. Por baixo da superfície simpática, ela é agitada, obsessiva, quase esquizofrênica. Mas eu não queria usar só a composição do Chopin como ela é, sob risco de esgotar a melodia. Outra música, nem pensar, porque essa música tem que estar sempre lá, é uma ideia fixa da personagem. Acabei me inspirando no melodram, um gênero operístico alemão em que um ator ou atriz acompanha, com falas, uma composição orquestral que ilustra o estado de espírito do personagem. Por isso, o Julio Parente foi outro com quem trabalhei lado a lado. Eu passava o clima de cada cena e ele me trazia uma distorção da Valsa. Importante: distorção. Não são variações harmônicas, de virtuoso. É uma trilha convulsa, repetitiva, fragmentária. Um acompanhamento ao piano à mente destroçada da protagonista.   “Valsa nº6”, de Nelson Rodrigues, será apresentada em nova encenação entre os dias 18 de junho e 03 de julho no Teatro Laura Alvim. As sessões serão às sextas e sábados, às 19 h.     VALSA Nº 6

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Valsa nº6 chega aos setenta anos mais atual que nunca

 

Único monólogo da obra do dramaturgo Nelson Rodrigues, a peça acompanha uma menina de 15 anos na busca por suas memórias, culminando na revelação de um segredo terrível. É um verdadeiro thriller em que os espectadores desvendam a trama junto com a protagonista. Em pauta, estão as diferentes formas de violência contra a mulher e o tema fragmentação da identidade.

 

Dizem os especialistas que é muito difícil justificar que uma personagem fale sozinha no palco e existem apenas duas maneiras de encenar um monólogo sem que o público estranhe: ou a personagem está enlouquecida ou a atriz se dirige à plateia, quebrando a quarta parede. No caso de Valsa Número 6, uma menina de quinze anos reconstitui seus últimos momentos de vida. Você segue as rubricas do autor, que opta pelo metateatro, ou aborda um terceiro método?

Ela está enlouquecida e quebra a quarta parede. A gente segue todas as rubricas que indicam que a atriz se dirige a um espectador específico. As falas são imperativas nesse sentido, a personagem diz “o senhor”, “a senhora”. Mas tem outros momentos em que o Nelson indica interação e optamos pela introspecção – e a loucura vem um pouco daí, desse diálogo consigo própria.

O pulo do gato, tanto no texto quanto na forma como montamos, é que não existe quarta parede em momento algum. É bastante shakespeariano nesse aspecto. Com exceção dos primeiros minutos da peça, – antes da personagem falar “Tem gente me olhando!” –, ela sempre tem consciência da plateia. Só que às vezes está tão imersa nas próprias memórias e traumas que “esquece” que está sendo vista. O que nós definitivamente não fazemos é seguir as rubricas de ação física. Elas foram importantíssimas na estreia porque o público brasileiro ainda estava pouco acostumado ao expressionismo do texto. Mas hoje em dia ficam bastante ilustrativas. Optamos por contenção.

 

Valsa Número 6 estreou em junho de 1951 e tua versão vai para o palco em junho de 2021, exatamente setenta anos depois. Além da efeméride, o que mais te motivou a reencená-la?

A efeméride foi, a bem da verdade, coincidência. Inclusive, o plano era estrear em 2020. Tudo começou com a Natália Caruso, que conheço desde 2013, insistindo que a gente deveria trabalhar juntos. Eu só tinha visto uma cena dela como atriz, mas minha intuição era de que tinha ouro ali. Não me enganei.

Pensamos em vários textos, sempre do cânone; consideramos a sério “Senhorita Júlia”, de Strindberg. Mas ficamos meio de saco cheio de depender do interesse de outros atores e resolvi encarar meu medo de dirigir monólogo. A Valsa era uma opção óbvia.

Isso foi no final de 2019. A partir do Me Too e do caso João de Deus, teve uma avalanche de denúncias de abuso sexual. Se falou muito nisso durante aquele ano. Então a gente teve a certeza que era a peça certa para nós e para o momento – afinal, assédio é uma questão-chave dela. E eu realmente não acredito nessa história de vender o próprio processo. Acho que, para montar alguma coisa, tem que ser relevante para o público. Por isso, pesamos a mão nesse tema desde o começo.

Depois, durante a pandemia, a situação só piorou. Mais denúncias, recorde de feminicídios, o caso Mari Ferrer, estupro de uma menina de 10 anos, este último até influenciou o tratamento de uma cena. O texto do Nelson é mais relevante do que nunca justamente porque a personagem é uma vítima. O fato de continuar atual 70 anos depois nos chocou muito. Avançamos muito pouco e precisamos falar sobre isso.

 

Em sua crítica de 1951, o crítico Sabato Magaldi dizia que lamentava discordar de Nelson Rodrigues quando afirmava que era um monólogo de uma personagem que narra a própria morte, mas que, na verdade, era uma situação “na zona fronteiriça do instante da morte, no último alento em que o inconsciente procura recompor a vida e a unidade da pessoa humana”. Ou seja: a personagem transita entre a inconsciência e a realidade, numa espécie de antevisão de seu próprio assassinato. O que você acha desta interpretação?

Concordo plenamente com o Magaldi. Acho que a chave está no fato da protagonista ouvir o próprio grito, quase no final da peça.

Eu concebi o espetáculo pensando que aqueles 70 minutos se passam no instante entre a punhalada fatal e a morte propriamente dita, passando pelo grito agonizante. É, no sentido mais básico da palavra, suspense. Não é à toa que dirigi como se fosse um thriller.

A leitura do Sábato foi importantíssima também para a concepção cenográfica. A ideia toda é ser um grande espelho se espatifando, mas que a gente vê em freeze, como se o tempo estivesse parado. Mais do que um apetrecho estético, é um indicador cronológico. Trabalhei muito próximo à Fernanda [Correia, cenógrafa do espetáculo] por conta disso.

 

Muitos acreditam que este monólogo de Nelson pode ter sido concebido como um Vestido de Noiva às avessas, pois trabalha com os mesmos elementos dos planos da memória e da alucinação, mas é através do filtro do subconsciente que se revelam todos os outros personagens. Se você concorda, explique um pouco como foi tua concepção desta remontagem.

Não só concordo como foi a base da concepção. Lembra do espelho? Se eu quisesse apenas marcar uma suspensão do tempo, poderia ser qualquer objeto em instabilidade. Mas eu queria levar a proposta do Nelson da intérprete fazer todos os personagens, que é genial, às últimas consequências.

O espelho proporciona isso, porque a gente tem a possibilidade de trabalhar com o corpo da atriz e com o reflexo que ele produz. Quando ela faz a menina, está de frente ou perfil para os espectadores. Mas quando entra nos personagens ou nos coros, ela dá as costas, a luz cai e o público vê a imagem dela nesses cacos imensos que a gente tem no palco. Os personagens são literalmente reflexos dela própria. A Natália muda o timbre, monta uma máscara (a referência, claro, é Akropolis dirigida pelo Grotowski) e só. Entende-se rapidamente quem é quem – o que é importante, porque tem sequências imensas em que vários desses personagens interagem entre si,  mas sempre dá pra ver que é ela. Sem truques.

 

Além de Natália Caruso, a atriz que interpreta a menina, você se cercou de uma equipe majoritariamente feminina: a cenografia ficou a cargo de Fernanda Correia, da figurinista Marcella Paskin, do multiartista Julio Parente, que assina a trilha sonora original, e da iluminadora Fernanda Mattos, que propõe uma atmosfera de pesadelo, com feixes de luz que perfuram a escuridão do palco como punhais. Trabalhar com um time sem muita testosterona foi uma opção ou uma coincidência?

Era um desejo desde o começo. Queria me cercar de mulheres porque é uma leitura feminista do texto do Nelson. Não que o texto seja feminista, mas os temas que ele aborda são importantíssimos na luta delas. Não faria sentido fazer isso com uma equipe majoritariamente masculina.

Agora, eu não escolhi a equipe com base no gênero. Eu sempre fecho os times dos meus espetáculos com o melhor material humano que estiver interessado. Não dá para fazer teatro de primeira com equipe de segunda. Dei a sorte de que boa parte dessas pessoas eram mulheres. Foi unir o útil ao justo.

Pensando bem, trabalhei mais com boas profissionais do que com bons profissionais. Pode ser que as mulheres tenham que se dedicar mais ao ofício para superar o preconceito de gênero que, apesar de ninguém gostar de admitir, ainda existe nas Artes Cênicas. Mas isso você tem que perguntar a elas.

 

Como artista, você tem um pé no teatro e outro na ópera, caso de Suor Angelica, de Puccini, e O Gato de Botas, de Montsalvatge. Facilitou as coisas este monólogo ter a música como uma das personagens?

Foi essencial. Devo muito dessa compreensão de como a música informa o drama e vice-versa ao André Heller-Lopes, de quem fui estagiário e assistente. Mas ao contrário da ópera, em que a ação deve ser sustentada pela música, precisamos criar a música a partir da ação.

O Nelson dá uma baita ajuda porque a Valsa em Ré Bemol Maior (Op. 64, nº1), que dá título à peça, é a trilha perfeita. Por baixo da superfície simpática, ela é agitada, obsessiva, quase esquizofrênica. Mas eu não queria usar só a composição do Chopin como ela é, sob risco de esgotar a melodia. Outra música, nem pensar, porque essa música tem que estar sempre lá, é uma ideia fixa da personagem. Acabei me inspirando no melodram, um gênero operístico alemão em que um ator ou atriz acompanha, com falas, uma composição orquestral que ilustra o estado de espírito do personagem.

Por isso, o Julio Parente foi outro com quem trabalhei lado a lado. Eu passava o clima de cada cena e ele me trazia uma distorção da Valsa. Importante: distorção. Não são variações harmônicas, de virtuoso. É uma trilha convulsa, repetitiva, fragmentária. Um acompanhamento ao piano à mente destroçada da protagonista.

 


“Valsa nº6”, de Nelson Rodrigues, será apresentada em nova encenação entre os dias 18 de junho e 03 de julho no Teatro Laura Alvim. As sessões serão às sextas e sábados, às 19 h.

 

 

VALSA Nº 6

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O teatro é tão plural quanto a vida https://teatrohoje.com.br/2019/09/30/o-teatro-e-tao-plural-quanto-a-vida-2/ Mon, 30 Sep 2019 21:46:29 +0000 http://br1012.teste.website/~beeped34/beepecriaoc/teatrohoje/?p=73480 Com uma trajetória bastante prolífica no teatro, o diretor Fernando Philbert notabilizou-se com O Escândalo Philippe Dussaert, de Jacques Mougenot, um monólogo com Marcos Caruso que ganhou todos os prêmios do ano. Nesta entrevista, ele fala de seu método e homenageia seu grande mestre, Aderbal Freire-Filho, com quem diz que aprendeu tudo que sabe nas mais de 14 peças que trabalhou como seu assistente.

O que você aprendeu na escola e o que é fruto de pesquisa autodidata? Como foi o início de sua carreira no teatro?
Eu fiz aqui no Rio um curso prático, técnico como ator, Escola Dirceu de Matos, não sei se ainda existe, era no Rio Comprido. Foi ótimo, montávamos uma peça a cada bimestre, e lá eu percebi que gostava mesmo era de dirigir as cenas dos colegas, mas era um bom ator (risos).

A partir de quando você acha que tua carreira pegou realmente no breu e considerou-se apto a enfrentar qualquer desafio?
Desde o dia que escolhi o Teatro como ofício. Me considerei apto aos desafios, mesmo quando não sabia como resolver, como entrar. Assim como hoje, digo ainda não sei, vamos descobrir juntos, vamos buscar o sentido.

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Com uma trajetória bastante prolífica no teatro, o diretor Fernando Philbert notabilizou-se com O Escândalo Philippe Dussaert, de Jacques Mougenot, um monólogo com Marcos Caruso que ganhou todos os prêmios do ano. Nesta entrevista, ele fala de seu método e homenageia seu grande mestre, Aderbal Freire-Filho, com quem diz que aprendeu tudo que sabe nas mais de 14 peças que trabalhou como seu assistente.

O que você aprendeu na escola e o que é fruto de pesquisa autodidata? Como foi o início de sua carreira no teatro?
Eu fiz aqui no Rio um curso prático, técnico como ator, Escola Dirceu de Matos, não sei se ainda existe, era no Rio Comprido. Foi ótimo, montávamos uma peça a cada bimestre, e lá eu percebi que gostava mesmo era de dirigir as cenas dos colegas, mas era um bom ator (risos).

A partir de quando você acha que tua carreira pegou realmente no breu e considerou-se apto a enfrentar qualquer desafio?
Desde o dia que escolhi o Teatro como ofício. Me considerei apto aos desafios, mesmo quando não sabia como resolver, como entrar. Assim como hoje, digo ainda não sei, vamos descobrir juntos, vamos buscar o sentido.

Você segue ou seguiu alguma linha ou método, tipo Peter Brook, Mnouchkine, Grotowski, Meyerhold, Barba, Stanislavski?
Li muito Peter Brook. Do Eugênio Barba, gosto muito de seu livro Canoa de Papel; li Grotowski e, claro, Stanislavski, mas sigo o que aprendi e aprendo com meu mestre, Aderbal Freire Filho. O que sei como diretor, o que busco realizar, sempre passa pelo que escutei dele nas mais de 14 peças que fiz como seu assistente, bem como trabalhos que fiz com Gilberto Gawronski, Domingos de Oliveira e amigos como Marcio Meirelles.

A função de um diretor de teatro pode ser comparada à ação de um maestro de orquestra que rege a partitura de acordo com os pressupostos originais do compositor, mas que interpreta os tempos segundo seus parâmetros?
Eu como diretor não sou disciplinado como um maestro. Eu inverto as páginas das partituras, às vezes, mudo as notas, peço que o violinista toque o trombone e o pianista toque um pouco de oboé. Acredito que uma peça de teatro é a somatória entre a poética do texto e a poética da cena, e assim uma terceira margem se faz, ainda somada às descobertas dos atores e toda a equipe. Afinal, o teatro é uma arte coletiva. O trabalho de um diretor é muitas vezes invisível, e acho que assim o que fica presente com mais força para o público é a história, a humanidade das personagens.

Dizem que a primeira atitude que um diretor toma ao receber um original é jogar fora todas as rubricas. Isso procede? Você faz isso? Se faz, por quê? Se não faz, o que acha de quem faz?
 Eu leio as rubricas. Às vezes, até já coloquei algumas rubricas como falas dos personagens, leio tudo para, partindo deste todo, abrir espaço para o que descubro como necessário ao espetáculo.

Seria interessante que você abordasse a questão do diretor que negligencia o texto pois acha que a encenação é mais importante no sentido da plástica, dos adereços, da postura corporal, da cenografia, do movimento, do ritmo, da cadência, da iluminação, ficando o texto apenas como um penduricalho.
Só posso falar sobre o que conheço e reconheço, e nisto existe apenas o trabalho que busca a humanidade do ator, o entendimento da história, e o que é necessário para ambos, e pode ser que neste caminho eu precise cortar uma fala ou outra, trocar uma cena de lugar, mas meu Norte é estar presente com a história que vou contar.

Criação coletiva do texto. Em geral, isso dá certo ou vira um patchwork de arrepiar? Como normalmente procede um diretor diante desse Frankenstein?
Ainda não vivi esta experiência, gostaria, mas não montei nenhuma peça ainda com um texto criado em ensaio ou improvisos.

Quando um diretor recebe uma encomenda para dirigir um texto ruim ou inacabado ou uma adaptação malfeita, até que ponto vai a liberdade dele em fazer mudanças? Ou delega essa incumbência a outro dramaturgo de confiança? Tem de haver uma negociação com o autor?
Eu acho que um autor próximo, vivo, é ótimo, pois mesmo bons textos precisam de um corte, ou alterar uma cena de lugar. E neste caso a troca entre diretor e autor é muito bem-vinda.

Você tolera ou acha pertinente os pitacos de um autor numa direção tua? Geralmente, você admite a presença do autor nos ensaios?
 O Teatro é uma arte coletiva, gosto de ouvir sempre, todos, toda a equipe. E, sim, tem ensaios que é ótimo todos estarem presentes.

Qual deve ser a atitude de um diretor diante de um texto clássico? Há os que os reverenciam e há os que querem desconstrui-los. Qual a melhor maneira de encená-los? Ou quais? Você é a favor de cortá-los para que fiquem mais palatáveis? Devem respeitar as marcações originais ou eviscerá-las para que a marca do diretor se torne mais evidente?
Para mim, todo o texto de teatro, todo, deve ser visto do ponto de vista do presente, da humanidade, de dizer o que as palavras dizem e assim contar a história com simplicidade e verdade, todos os textos foram escritos para chegar ao maior número possível de pessoas em toda a sua diversidade. Acredito nisto.

Como você procede na escolha de atores & atrizes nos teus espetáculos? Cerca-se de amigos ou admite a presença de artistas problemáticos (mas geniais) em função de um bem maior – a qualidade final da peça?
Em geral, tenho feito muitos projetos trazidos por atores incríveis, como artistas e pessoas, e as relações profissionais e pessoais têm colaborado muito para a qualidade da peça. Sou um diretor de sorte.

Caso perceba que o ator não está dando tudo de si para entrar no personagem por alguma dificuldade qualquer, é lícito o diretor criar algum conflito artificial para que ele suba nas tamancas, fique nervoso e se aproprie na porrada das características que o personagem exige?
Nunca fiz isto, sinceramente nem saberia fazer, o teatro é um jogo, é um estar consciente, os atores são atores por isto, por saberem jogar, saberem que quando damos o intervalo para o café é o ator que vai tomar café e não Hamlet ou Ofélia.

Quais os espetáculos sob tua direção que foram considerados geniais (pela crítica e pelo público) e quais os que você teve maior prazer em conduzir?
 Não tenho espetáculos considerados geniais pela crítica. Tenho a felicidade de ter tido muito prazer e felicidade em todos e todos, sim, terem sido bem recebidos pelo público e boa parte dos críticos.

Quais os textos (clássicos ou modernos) que você ainda não dirigiu, mas teria imenso prazer em montar?
 Os Pequenos Burgueses e a saga O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, e muitos textos do romeno Matéi Visniéc e de Juan Mayorga, um autor espanhol.

O que você recomendaria aos diretores que estão se formando ou começando carreira no sentido de instigá-los a romper com o estabelecido?
Só posso dizer o que valeu para mim. Ouvir. Ouvir os diretores mais velhos, olhar o mundo em volta, descobrir um autor que diga algo ao teu espírito e trabalhar, dirigir, dirigir tudo, dirigir é importante, sem preconceitos, sem querer ser reconhecido apenas por um estilo. O Teatro é plural feito a vida.

Você vai saber das mudanças do mundo indo ao TEATRO. Você vai entender quem está ao teu lado, respeitar a natureza e a história de quem anda ao teu lado no metrô, trem, ônibus, calçada, indo ao TEATRO. Você vai descobrir que o ser humano tem um poder mágico de saltar no tempo e no espaço em poucos metros de tábuas no palco, indo ao TEATRO. Você vai perceber que a vida hoje, que o Brasil hoje, está nos palcos de TEATRO. Você vai se sentir respeitado, vai ter alguém lá do palco que vai te olhar nos olhos e te contar uma história e te fazer pensar, se você for ao TEATRO!!

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Arlindo Lopes | Virtudes & Vícios do Teatro Infantil https://teatrohoje.com.br/2019/07/07/virtudes-vicios-do-teatro-infantil/ Sun, 07 Jul 2019 05:04:47 +0000 http://br1012.teste.website/~beeped34/beepecriaoc/teatrohoje/?p=70411 ENTREVISTA   Arlindo Lopes   A trajetória de Arlindo Lopes é típica de um artista dos tempos atuais: muito trabalho e algumas recompensas. Alternando-se entre teatro adulto, infantil e atuações na TV e cinema, ele ensaia o elenco para Ombela – A Origem das Chuvas, adaptação de um livro do escritor angolano Ondjaki, com estreia prevista para 31 de agosto, no Oi Futuro Flamengo, numa temporada até 20 de outubro.  Nesta entrevista, Arlindo reflete sobre as muitas virtudes e alguns vícios que ainda permeiam a área infantil e a enorme responsabilidade de educar e formar o público futuro através deste tipo de espetáculo.   Arlindo Lopes é ator, diretor e produtor.   Depois de Ensina-me a Viver, que ganhou todos os prêmios de 2007 e ficou em cartaz por seis anos, e de Cauby! Cauby!, você deu um tempo no teatro adulto, fez telenovelas e filmes e dedicou-se mais a produzir que a atuar. O que aconteceu? Decepção com a área ou foi circunstancial, um desvio de rota?   Realmente, vinha de uma temporada longa com o Ensina-me a Viver onde não existia espaço para fazer trabalhos, paralelamente, em outros veículos. A Glória Menezes até conseguia, mas ela é a Glória né, conseguia não gravar de quinta a domingo para fazer teatro, mas eu não tinha como abandonar um projeto que por tanto tempo idealizei e lutei pra fazer. Na época, tive que negar alguns convites, mas em 2013, quando nós paramos, veio a proposta para fazer um espetáculo infantil, O Jardim Secreto. Nunca esperei que uma peça para crianças me trouxesse outros trabalhos como ator, mas foi o que aconteceu. Esse trabalho puxou outro, que puxou mais outro e quando, em 2015, voltamos com o Ensina-me a Viver, percebi que meu desejo de fazer o personagem já tinha sido realizado, mesmo tudo sendo sempre incrível. Como ator, precisava de outros desafios. Aí o cinema se abriu com alguns convites e depois mais trabalhos na TV. Foi muito bom, fiz novos amigos, expandi minha visão para o audiovisual e estava mais maduro. Isso também me salvou de uma rasteira muito suja que Glória Menezes e eu passamos com o Ensina-me a Viver; uma decepção muito grande pra mim e pra ela que nos trouxe um medo de não poder acreditar mais nas pessoas. Ser passado para atrás no seu próprio projeto é uma tristeza. Essa sensação, felizmente, passou quando voltei ao teatro na turnê de As Aventuras do Menino Iogue pelo o interior de São Paulo. O teatro me trouxe de volta a confiança no outro.   Não se pode dizer que você seja um neófito no teatro infantil, pois já dirigiu As aventuras do Menino Iogue em 2015, que também colecionou uma série de prêmios. Com Ombela – A Origem das Chuvas, você volta para o teatro infanto-juvenil. O que te encantou neste texto de Ondjaki? Como foi o processo de construção do espetáculo, desde a escolha dos atores até a produção final?   Uma amiga e produtora, Joana D’Aguiar, me procurou depois que assistiu As Aventuras do Menino Iogue para fazer uma proposta de parceria onde ela produzisse e eu dirigisse um novo espetáculo infantil. Trouxe, então, esse livro do Ondjaki, me perguntou o que achava e, claro, adorei. Pensei que seria incrível, depois de falar sobre a Índia, trazer a África com poesia para as crianças. Esperamos quase três anos por um patrocínio, até que no ano passado fomos contemplados no edital Oi Futuro. O trabalho de fato começou em janeiro, busquei quem faria a adaptação, queria uma mulher negra para dialogar com a obra do Ondjaki e cheguei no nome da diretora e roteirista Mariana Jaspe que amou o convite e trouxe seu parceiro, Ricardo Gomes, para essa transposição de livro para peça. Convidei também a escritora Vilma Piedade para cuidar de toda nossa pesquisa, trazendo o conceito de africanidade para o projeto. Resolvemos então fazer audições para encontrarmos nosso elenco. Foi incrível poder ver e conhecer tantas pessoas talentosas. Claro que a decisão foi algo muito difícil para mim, que sou do signo de peixes com ascendente em peixes e lua em câncer. Eu queria aprovar todas as pessoas, mas não temos verba para isso e nem personagens. Nesse momento, junto com os nossos diretores musicais, Maria Clara Valle e Jonas Hocherman, estamos fechando as músicas que estão sendo escritas pelo o próprio Ondjaki. Os ensaios começam agora em julho. Temos uma equipe linda e digo com o maior orgulho que é formada por 16 mulheres e 8 homens. Eu amo trabalhar com as mulheres e todas que estão nesse projeto são incríveis!   Qual a história contada nesta peça e de que maneira ela contribui para abrir a cabeça do público infantil?   A história do livro é sobre uma deusa africana, uma menina, que sofre com seus sentimentos e, ao chorar, não entende para onde suas lágrimas vão. O pai de Ombela, também um deus, explica que é importante sentirmos todos as emoções, pois fazem parte da evolução, e não se deve reprimir esse sentimento. Ela também não sabe que suas lágrimas dão origem aos nossos mares e rios e as perguntas seguem na sua cabeça. Na nossa adaptação, Ombela é mais curiosa e inquieta e quando percebe que seu pai está diminuindo de tamanho por conta de sua tristeza, decide partir do Orum até o Ayé (céu e Terra em yoruba), no futuro, em outro tempo, com o intuito de buscar as respostas para tantas perguntas que afligem seu coração. Ela encontra no caminho muitas outras divindades africanas que trarão muitos ensinamentos como, por exemplo, praticar a empatia pelo próximo e respirar para controlar sua ansiedade. Junto com a sua inseparável amiga, uma rã, ela vai descobrir a importância desse fenômeno que se chama chuva e encontrará pelo caminho seres humanos que respeitam a nossa natureza e outros que são extremamente desrespeitosos para com o planeta. Queremos assim trazer a discussão para a atualidade e reforçar todos os valores apontados por Ondjaki, conscientizando de forma lúdica e realista todo o público, pois a preservação do nosso planeta é urgente.   Você se dá conta que o teatro infanto-juvenil tem uma responsabilidade extraordinária no universo das artes, pois forma o público futuro do teatro adulto? Além de entreter, quais princípios políticos (não necessariamente ideológicos), morais e éticos esta peça pode incutir no público mirim?    Sim, totalmente! Eu tenho na memória algumas peças que assisti quando era criança e acho que foi isso que, em grande parte, me motivou a querer ser artista e recontar histórias para o público. Ombela – A Origem das Chuvas vai falar de amor, de respeito e da tradição de uma cultura que está no fundamento das nossas raízes, com poesia e emoção. Nosso país, é extremamente miscigenado e culturalmente essa mistura faz parte de cada um de nós. Não tem como ignorar as tradições. Se o teatro pode ser transformador para crianças e adultos, a gente tem que utilizar tudo isso para contar um pouco dessa nossa história. Ombela terá também muito humor, músicas originais, além da dança africana, que é muito potente. Queremos trazer uma conscientização para as crianças e para os pais de que o nosso planeta está ficando doente pela quantidade de lixo que produzimos e desrespeito com a natureza. A peça fala sobre rios que morrem atingidos com a lama tóxica, sobre os animais marinhos que morrem ao engolirem pedaços de plásticos nos oceanos ou quando ficam presos em redes de pesca abandonadas por barcos pesqueiros.   Dificilmente, o teatro infantil monta mais do que duas ou três peças boas por ano. A grande maioria contempla reciclagens de personagens da Disney e mesmo os clássicos de Esopo e Perrault são transformados em mensagens rasas de conteúdo, flertando mais com desenhos animados de TV do que propriamente com a arte teatral. Como o teu trabalho recente se situa diante desta terra arrasada de ideias e concepções dramatúrgicas?   Acredito que a potência do público infantil muitas vezes só é vista como algo mercadológico e não como formação cultural e intelectual. Os filmes da Disney têm o seu valor, mas quando vemos produções caça-níqueis querendo se aproveitar disso, sugando ao máximo o dinheiro das famílias e apresentando um resultado tosco, é triste demais. O teatro infantil é tão potente quanto o adulto. Quando fiz como ator O Jardim Secreto e, como diretor, As Aventuras do Menino Iogue, pude ver crianças e famílias se emocionando e vibrando com o que presenciaram, e eles sempre voltavam para rever, porque queriam sentir aquelas mesmas sensações. Muitas crianças passaram a praticar yoga depois de assistirem ao Menino Iogue e outras depois do Jardim Secreto quiseram correr pra casa para plantarem as sementes que recebiam da peça e criar os seus “jardins”. Para mim, não dá para ser diferente; quero continuar sempre buscando novas culturas e histórias para apresentar ao público e, da mesma forma que o teatro me salvou, quero poder, de alguma forma, ser instrumento para a transformação desse público.   Qual o diferencial de Ombela em relação a tudo o que você fez até agora no teatro e o que ela acrescenta à tua carreira como artista?   O que estou estudando para encenar o espetáculo já está me transformando e é muito diferente de tudo que já fiz. As mitologias, a mistura das raças e crenças dentro de nossa equipe também é extremamente importante. O contato com profissionais que nunca trabalhei é outro desafio ótimo. Desde as audições, estou na busca de fazer diferente de tudo que já vivi como ator. Um processo que seja acima de tudo respeitoso com todas e todos os envolvidos. A segunda etapa dessas audições trouxe a Vilma Piedade para ministrar uma palestra sobre cultura africana, a Gleide Cambria para dar um preparo de dança afro e a Soraya Ravenle para aquecê-las vocalmente junto com os nossos diretores musicais. Toda essa troca com um número já mais reduzido de pessoas foi muito inspiradora. Eu queria um encontro onde ninguém se sentisse testado, onde todo mundo pudesse se divertir, trocar e aprender. A dança, o canto, a mitologia e o teatro eram os condutores desse encontro junto com os profissionais excelentes que me ajudaram. Foi muito potente e emocionante. Saímos, todos, com a sensação de que, independente do resultado, o dia de trabalho nos enriqueceu. No final, uma das atrizes participantes nos disse: “Hoje, aqui, nós praticamos o Ubuntu, nós fomos Ubuntu”. Ubuntu é um termo africano que quer dizer “Sou o que sou pelo que nós somos”. Para mim, isso resume o motivo de seguir nesse ofício, apesar de todas as dificuldades. Quero, ainda, contar muitas outras histórias, seja como idealizador ou convidado, estando junto das pessoas, formando essa rede para poder crescer, acrescentar e transformar.   Algumas pessoas dizem que o teatro infantil deve também atrair os pais, pois, afinal, são eles que levam os filhos ao teatro e não querem se aborrecer ou enfrentar o tédio, mesmo porque tiveram que pagar três ou quatro ingressos que não ficam por menos de 140 reais no total. A tua peça contempla esse viés?   Totalmente. Quando penso no teatro infantil, quero que a família que acompanha aquela criança também se divirta e saia transformada. Algumas camadas da adaptação estão ali para dialogar com os pais mesmo. No dia a dia, são eles e elas que conduzem a educação dessas crianças. Por isso, precisam ser contemplados com um bom programa. O espetáculo tem que agradar o bebê de colo que visualmente e musicalmente pode ficar interessado, as crianças de todas as idades, adolescentes que são um público até mais difícil, por serem extremamente exigentes, e os adultos de uma forma geral. Se a peça chega e interessa a todos, aí é uma grande vitória.   Costuma-se comentar que teatro infantil é como livro escolar. A instituição de ensino decreta, os pais são obrigados a comprar e o aluno é obrigado a ler. No caso do teatro infantil, ficou estabelecido que é politicamente correto os pais levarem os filhos, que também não apitam nada, quem escolhe o que eles devem ver são os pais. O que você acha disso?   Se o pai ou a mãe não forem conscientes sobre qual conteúdo as crianças merecem assistir, isso pode ser perigoso. Hoje, temos famílias cada vez mais conscientes, mas muitas também não são e acabam levando naquelas peças que nada somam e que são programas chatos. O perigo disso é que teatro ruim é muito mais traumático do que um filme ruim, por exemplo. Sempre que assisto a um espetáculo ruim, penso que alguém que nunca esteve no teatro, ao ver aquilo, pode nunca mais voltar.   Não é segredo para ninguém que as salas de espetáculo estão ficando cada vez mais vazias por uma série de motivos. Se concorda, liste alguns deles. O que você acha que pode ser aprimorado no teatro para que ele volte a atrair público?   Sim, o teatro está cada vez mais vazio. Vivemos uma época de desmonte da cultura, pois os nossos atuais governantes elegem a educação e a cultura como inimigas do Estado. São homens e mulheres infelizes que não puderam ou não se interessaram estar próximos da cultura. Querem manter as pessoas na ignorância. Por isso, os editais diminuíram radicalmente e as chances de novas propostas inteligentes, que se preocupem com todas as categorias de público, ficam cada vez mais raras. Por outro lado, nós também precisamos aprimorar nossos projetos e seguir confiantes para que que encontremos meios de realizarmos essas produções. Sofremos um pouco mais no Rio de Janeiro e muitas vezes deixamos de sair de casa por medo da violência, que está cada vez maior. Os mesmos governantes, que escolhem a cultura como inimiga, abandonam a cidade. Era para o Rio ser potencialmente equilibrado com São Paulo e não é. Enquanto isso, nós artistas precisamos nos reinventar e repensar as formas de trazer o público de volta diante de tantas dificuldades. Grandes ideias, se bem executadas, fortalecem o nosso teatro e trazem a confiança do público. Pelo menos é o que eu acredito. Não vou parar nem um momento de inventar novos projetos e, demorando ou não, eles sairão do papel.

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ENTREVISTA

 

Arlindo Lopes

 

A trajetória de Arlindo Lopes é típica de um artista dos tempos atuais: muito trabalho e algumas recompensas. Alternando-se entre teatro adulto, infantil e atuações na TV e cinema, ele ensaia o elenco para Ombela – A Origem das Chuvas, adaptação de um livro do escritor angolano Ondjaki, com estreia prevista para 31 de agosto, no Oi Futuro Flamengo, numa temporada até 20 de outubro.  Nesta entrevista, Arlindo reflete sobre as muitas virtudes e alguns vícios que ainda permeiam a área infantil e a enorme responsabilidade de educar e formar o público futuro através deste tipo de espetáculo.

 

Arlindo Lopes é ator, diretor e produtor.

 

Depois de Ensina-me a Viver, que ganhou todos os prêmios de 2007 e ficou em cartaz por seis anos, e de Cauby! Cauby!, você deu um tempo no teatro adulto, fez telenovelas e filmes e dedicou-se mais a produzir que a atuar. O que aconteceu? Decepção com a área ou foi circunstancial, um desvio de rota?

 

Realmente, vinha de uma temporada longa com o Ensina-me a Viver onde não existia espaço para fazer trabalhos, paralelamente, em outros veículos. A Glória Menezes até conseguia, mas ela é a Glória né, conseguia não gravar de quinta a domingo para fazer teatro, mas eu não tinha como abandonar um projeto que por tanto tempo idealizei e lutei pra fazer. Na época, tive que negar alguns convites, mas em 2013, quando nós paramos, veio a proposta para fazer um espetáculo infantil, O Jardim Secreto. Nunca esperei que uma peça para crianças me trouxesse outros trabalhos como ator, mas foi o que aconteceu. Esse trabalho puxou outro, que puxou mais outro e quando, em 2015, voltamos com o Ensina-me a Viver, percebi que meu desejo de fazer o personagem já tinha sido realizado, mesmo tudo sendo sempre incrível. Como ator, precisava de outros desafios. Aí o cinema se abriu com alguns convites e depois mais trabalhos na TV. Foi muito bom, fiz novos amigos, expandi minha visão para o audiovisual e estava mais maduro. Isso também me salvou de uma rasteira muito suja que Glória Menezes e eu passamos com o Ensina-me a Viver; uma decepção muito grande pra mim e pra ela que nos trouxe um medo de não poder acreditar mais nas pessoas. Ser passado para atrás no seu próprio projeto é uma tristeza. Essa sensação, felizmente, passou quando voltei ao teatro na turnê de As Aventuras do Menino Iogue pelo o interior de São Paulo. O teatro me trouxe de volta a confiança no outro.

 

Não se pode dizer que você seja um neófito no teatro infantil, pois já dirigiu As aventuras do Menino Iogue em 2015, que também colecionou uma série de prêmios. Com Ombela – A Origem das Chuvas, você volta para o teatro infanto-juvenil. O que te encantou neste texto de Ondjaki? Como foi o processo de construção do espetáculo, desde a escolha dos atores até a produção final?

 

Uma amiga e produtora, Joana D’Aguiar, me procurou depois que assistiu As Aventuras do Menino Iogue para fazer uma proposta de parceria onde ela produzisse e eu dirigisse um novo espetáculo infantil. Trouxe, então, esse livro do Ondjaki, me perguntou o que achava e, claro, adorei. Pensei que seria incrível, depois de falar sobre a Índia, trazer a África com poesia para as crianças. Esperamos quase três anos por um patrocínio, até que no ano passado fomos contemplados no edital Oi Futuro. O trabalho de fato começou em janeiro, busquei quem faria a adaptação, queria uma mulher negra para dialogar com a obra do Ondjaki e cheguei no nome da diretora e roteirista Mariana Jaspe que amou o convite e trouxe seu parceiro, Ricardo Gomes, para essa transposição de livro para peça. Convidei também a escritora Vilma Piedade para cuidar de toda nossa pesquisa, trazendo o conceito de africanidade para o projeto. Resolvemos então fazer audições para encontrarmos nosso elenco. Foi incrível poder ver e conhecer tantas pessoas talentosas. Claro que a decisão foi algo muito difícil para mim, que sou do signo de peixes com ascendente em peixes e lua em câncer. Eu queria aprovar todas as pessoas, mas não temos verba para isso e nem personagens. Nesse momento, junto com os nossos diretores musicais, Maria Clara Valle e Jonas Hocherman, estamos fechando as músicas que estão sendo escritas pelo o próprio Ondjaki. Os ensaios começam agora em julho. Temos uma equipe linda e digo com o maior orgulho que é formada por 16 mulheres e 8 homens. Eu amo trabalhar com as mulheres e todas que estão nesse projeto são incríveis!

 

Qual a história contada nesta peça e de que maneira ela contribui para abrir a cabeça do público infantil?

 

A história do livro é sobre uma deusa africana, uma menina, que sofre com seus sentimentos e, ao chorar, não entende para onde suas lágrimas vão. O pai de Ombela, também um deus, explica que é importante sentirmos todos as emoções, pois fazem parte da evolução, e não se deve reprimir esse sentimento. Ela também não sabe que suas lágrimas dão origem aos nossos mares e rios e as perguntas seguem na sua cabeça. Na nossa adaptação, Ombela é mais curiosa e inquieta e quando percebe que seu pai está diminuindo de tamanho por conta de sua tristeza, decide partir do Orum até o Ayé (céu e Terra em yoruba), no futuro, em outro tempo, com o intuito de buscar as respostas para tantas perguntas que afligem seu coração. Ela encontra no caminho muitas outras divindades africanas que trarão muitos ensinamentos como, por exemplo, praticar a empatia pelo próximo e respirar para controlar sua ansiedade. Junto com a sua inseparável amiga, uma rã, ela vai descobrir a importância desse fenômeno que se chama chuva e encontrará pelo caminho seres humanos que respeitam a nossa natureza e outros que são extremamente desrespeitosos para com o planeta. Queremos assim trazer a discussão para a atualidade e reforçar todos os valores apontados por Ondjaki, conscientizando de forma lúdica e realista todo o público, pois a preservação do nosso planeta é urgente.

 

Você se dá conta que o teatro infanto-juvenil tem uma responsabilidade extraordinária no universo das artes, pois forma o público futuro do teatro adulto? Além de entreter, quais princípios políticos (não necessariamente ideológicos), morais e éticos esta peça pode incutir no público mirim? 

 

Sim, totalmente! Eu tenho na memória algumas peças que assisti quando era criança e acho que foi isso que, em grande parte, me motivou a querer ser artista e recontar histórias para o público. Ombela – A Origem das Chuvas vai falar de amor, de respeito e da tradição de uma cultura que está no fundamento das nossas raízes, com poesia e emoção. Nosso país, é extremamente miscigenado e culturalmente essa mistura faz parte de cada um de nós. Não tem como ignorar as tradições. Se o teatro pode ser transformador para crianças e adultos, a gente tem que utilizar tudo isso para contar um pouco dessa nossa história. Ombela terá também muito humor, músicas originais, além da dança africana, que é muito potente. Queremos trazer uma conscientização para as crianças e para os pais de que o nosso planeta está ficando doente pela quantidade de lixo que produzimos e desrespeito com a natureza. A peça fala sobre rios que morrem atingidos com a lama tóxica, sobre os animais marinhos que morrem ao engolirem pedaços de plásticos nos oceanos ou quando ficam presos em redes de pesca abandonadas por barcos pesqueiros.

 

Dificilmente, o teatro infantil monta mais do que duas ou três peças boas por ano. A grande maioria contempla reciclagens de personagens da Disney e mesmo os clássicos de Esopo e Perrault são transformados em mensagens rasas de conteúdo, flertando mais com desenhos animados de TV do que propriamente com a arte teatral. Como o teu trabalho recente se situa diante desta terra arrasada de ideias e concepções dramatúrgicas?

 

Acredito que a potência do público infantil muitas vezes só é vista como algo mercadológico e não como formação cultural e intelectual. Os filmes da Disney têm o seu valor, mas quando vemos produções caça-níqueis querendo se aproveitar disso, sugando ao máximo o dinheiro das famílias e apresentando um resultado tosco, é triste demais. O teatro infantil é tão potente quanto o adulto. Quando fiz como ator O Jardim Secreto e, como diretor, As Aventuras do Menino Iogue, pude ver crianças e famílias se emocionando e vibrando com o que presenciaram, e eles sempre voltavam para rever, porque queriam sentir aquelas mesmas sensações. Muitas crianças passaram a praticar yoga depois de assistirem ao Menino Iogue e outras depois do Jardim Secreto quiseram correr pra casa para plantarem as sementes que recebiam da peça e criar os seus “jardins”. Para mim, não dá para ser diferente; quero continuar sempre buscando novas culturas e histórias para apresentar ao público e, da mesma forma que o teatro me salvou, quero poder, de alguma forma, ser instrumento para a transformação desse público.

 

Qual o diferencial de Ombela em relação a tudo o que você fez até agora no teatro e o que ela acrescenta à tua carreira como artista?

 

O que estou estudando para encenar o espetáculo já está me transformando e é muito diferente de tudo que já fiz. As mitologias, a mistura das raças e crenças dentro de nossa equipe também é extremamente importante. O contato com profissionais que nunca trabalhei é outro desafio ótimo. Desde as audições, estou na busca de fazer diferente de tudo que já vivi como ator. Um processo que seja acima de tudo respeitoso com todas e todos os envolvidos. A segunda etapa dessas audições trouxe a Vilma Piedade para ministrar uma palestra sobre cultura africana, a Gleide Cambria para dar um preparo de dança afro e a Soraya Ravenle para aquecê-las vocalmente junto com os nossos diretores musicais. Toda essa troca com um número já mais reduzido de pessoas foi muito inspiradora. Eu queria um encontro onde ninguém se sentisse testado, onde todo mundo pudesse se divertir, trocar e aprender. A dança, o canto, a mitologia e o teatro eram os condutores desse encontro junto com os profissionais excelentes que me ajudaram. Foi muito potente e emocionante. Saímos, todos, com a sensação de que, independente do resultado, o dia de trabalho nos enriqueceu. No final, uma das atrizes participantes nos disse: “Hoje, aqui, nós praticamos o Ubuntu, nós fomos Ubuntu”. Ubuntu é um termo africano que quer dizer “Sou o que sou pelo que nós somos”. Para mim, isso resume o motivo de seguir nesse ofício, apesar de todas as dificuldades. Quero, ainda, contar muitas outras histórias, seja como idealizador ou convidado, estando junto das pessoas, formando essa rede para poder crescer, acrescentar e transformar.

 

Algumas pessoas dizem que o teatro infantil deve também atrair os pais, pois, afinal, são eles que levam os filhos ao teatro e não querem se aborrecer ou enfrentar o tédio, mesmo porque tiveram que pagar três ou quatro ingressos que não ficam por menos de 140 reais no total. A tua peça contempla esse viés?

 

Totalmente. Quando penso no teatro infantil, quero que a família que acompanha aquela criança também se divirta e saia transformada. Algumas camadas da adaptação estão ali para dialogar com os pais mesmo. No dia a dia, são eles e elas que conduzem a educação dessas crianças. Por isso, precisam ser contemplados com um bom programa. O espetáculo tem que agradar o bebê de colo que visualmente e musicalmente pode ficar interessado, as crianças de todas as idades, adolescentes que são um público até mais difícil, por serem extremamente exigentes, e os adultos de uma forma geral. Se a peça chega e interessa a todos, aí é uma grande vitória.

 

Costuma-se comentar que teatro infantil é como livro escolar. A instituição de ensino decreta, os pais são obrigados a comprar e o aluno é obrigado a ler. No caso do teatro infantil, ficou estabelecido que é politicamente correto os pais levarem os filhos, que também não apitam nada, quem escolhe o que eles devem ver são os pais. O que você acha disso?

 

Se o pai ou a mãe não forem conscientes sobre qual conteúdo as crianças merecem assistir, isso pode ser perigoso. Hoje, temos famílias cada vez mais conscientes, mas muitas também não são e acabam levando naquelas peças que nada somam e que são programas chatos. O perigo disso é que teatro ruim é muito mais traumático do que um filme ruim, por exemplo. Sempre que assisto a um espetáculo ruim, penso que alguém que nunca esteve no teatro, ao ver aquilo, pode nunca mais voltar.

 

Não é segredo para ninguém que as salas de espetáculo estão ficando cada vez mais vazias por uma série de motivos. Se concorda, liste alguns deles. O que você acha que pode ser aprimorado no teatro para que ele volte a atrair público?

 

Sim, o teatro está cada vez mais vazio. Vivemos uma época de desmonte da cultura, pois os nossos atuais governantes elegem a educação e a cultura como inimigas do Estado. São homens e mulheres infelizes que não puderam ou não se interessaram estar próximos da cultura. Querem manter as pessoas na ignorância. Por isso, os editais diminuíram radicalmente e as chances de novas propostas inteligentes, que se preocupem com todas as categorias de público, ficam cada vez mais raras. Por outro lado, nós também precisamos aprimorar nossos projetos e seguir confiantes para que que encontremos meios de realizarmos essas produções. Sofremos um pouco mais no Rio de Janeiro e muitas vezes deixamos de sair de casa por medo da violência, que está cada vez maior. Os mesmos governantes, que escolhem a cultura como inimiga, abandonam a cidade. Era para o Rio ser potencialmente equilibrado com São Paulo e não é. Enquanto isso, nós artistas precisamos nos reinventar e repensar as formas de trazer o público de volta diante de tantas dificuldades. Grandes ideias, se bem executadas, fortalecem o nosso teatro e trazem a confiança do público. Pelo menos é o que eu acredito. Não vou parar nem um momento de inventar novos projetos e, demorando ou não, eles sairão do papel.

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