Não se pode dizer que o Grupo Carmin, do Rio Grande do Norte, seja desconhecido do público carioca. Afinal, “A Invenção do Nordeste” já foi apresentada por aqui em quatro ocasiões e volta agora num convite especial feito pelo FIRJAN-SESI para apresentar seu trabalho mais recente, “Jacy”. Já o Grupo Estação de Teatro, também de Natal, tem o mais profundo respeito pela contação de histórias infantis e traz o “Candeia”, seu mais recente trabalho, que ganhou o edital SESC Pulsar e se apresenta no Sesc Tijuca até o dia 1 de maio. O Ser Tão Teatro aposta na pesquisa do ofício do ator, o ator em exercício, em suas descobertas. Procurando a desconstrução, amplia essa bagagem sempre buscando e pesquisando e trazendo o espetáculo “Alegria de Náufragos” para o Rio de Janeiro.

A partir de depoimentos dos próprios participantes, Teatro Hoje analisou a trajetória de cada um, suas ambições, método de trabalho, a maneira de conduzir seus espetáculos ao longo da carreira e a diversidade plural do Nordeste. Foram consultados Henrique Fontes, do Grupo Carmim, Nara Kelly, do Estação de Teatro, e Rafa Guedes, do Grupo Ser Tão Teatro.

O grupo Carmin foi fundado pelas atrizes Quitéria Kelly e Titina Medeiros em 2007, na capital do Rio Grande do Norte, a partir da montagem da peça “Pobres de Marré”, escrita e dirigida por Henrique Fontes, que passou a integrar o Grupo desde sua estreia. O Grupo Estação de Teatro, também de Natal, em 2009, foi criado por Nara Kelly e Rogério Ferraz, logo que saíram do grupo Clowns de Shakespeare, a partir de contação de histórias em hospitais, o que originou o espetáculo “Em cada canto um conto”. O grupo Ser Tão Teatro, vindo de João Pessoa, Paraíba, nasceu em 2007, no curso de Teatro da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A professora Christina Streva, carioca, escreveu o projeto “Vereda da Salvação”, com a participação de alunos e funcionários da universidade. Este foi o pontapé inicial para o surgimento do grupo.

Nascidos quase na mesma época, os três grupos nordestinos estão no Rio de Janeiro, cada qual mostrando seu trabalho em um teatro diferente: no Teatro Ipanema, zona Sul da cidade, está “Alegria de Náufragos”, do grupo paraibano; “Candeia”, espetáculo do grupo Estação, está no SESC Tijuca, Zona Norte carioca; e no Centro do Rio estreia no dia 15 de abril “Jacy”, montagem do grupo Carmin.

alegria de náufragos

 

Cada um dos grupos tem características próprias. O Estação tem um profundo respeito pela contação de histórias e pela música popular e isso está presente em vários espetáculos como em Estação dos Contos, Um sonho de rabeca no reino da bicharada, Quintal de Luís e Candeia. Também tem um olhar apurado para a cenografia e encenação, sempre inventivas, como em Guerra, formigas e palhaços, Quintal de Luís e No Coração da Lua. Com o tempo, o grupo tem investido na ampliação de sua atuação. Além dos espetáculos, o Grupo investiu em um Canal de Youtube  chamado Estação Criança, com vários vídeos de contação de histórias;  projetos de literatura como a Caixa Cascudo de Histórias e os livros Guerra, formigas e palhaços e No coração da lua e mais recentemente o grupo também tem investido em audiovisual como nos curtas “Nocaute” e “Madalena” que estrearam em 2021.

Já o grupo Carmin nasceu com o foco em uma pesquisa de dramaturgia original, construída a partir de fatos cotidianos. Isso se manteve firme e se aprofundou quando avançaram nos estudos do teatro documental e da autoficção, tanto em termos de construção dramatúrgica como nas experimentações estéticas. Seus espetáculos mostram um profundo respeito pela contação de histórias, pela música popular, além de um olhar apurado para a cenografia e encenação, sempre inventivas. Cada obra é considerada única, pedindo um comprometimento específico de todos os envolvidos. As múltiplas formas do Teatro do Real e a historiografia do ator têm dirigido essa busca. Segundo Henrique Fontes o grupo não consegue enxergar conteúdo sem forma e vice-versa. Isso se confirma com o processo em Dramaturgia Audiovisual, termo criado pelo próprio Carmin, que define essa construção de narrativa a partir da forma e da estética audiovisual presentes em cena.

O Ser Tão Teatro, para Rafa Guedes a principal característica é a pesquisa, a pesquisa do ofício do ator, o ator em exercício, em descobertas: — Cada montagem, cada pesquisa, cada troca, através do corpo, da dramaturgia, do trabalho com a musicalidade em cena, com os espaços (o palco italiano, a rua) e o público, em busca de uma desconstrução, da ampliação dessa bagagem, sempre buscando, pesquisando. — argumenta. A trajetória do grupo foi aprofundando tais características através das trocas que foram realizando e das pesquisas que fizeram durante todos esses anos, com cada montagem. Por exemplo, “A farsa da boa preguiça” foi um trabalho de rua, montado em parceria com o grupo Clown de Shakespeare, de Natal. “Flor de Macambira” possibilitou rodar o país todo com o Palco Giratório.

A preferência do Carmin sempre foi encenar obras originais. O grupo tem três dramaturgos e acredita cada vez mais que temas urgentes do cotidiano brasileiro pedem um tratamento original e atual. Os últimos trabalhos do Estação foram realizados com dramaturgia original, mas nem sempre foi assim. Caio Padilha, integrante do grupo, escreveu e compôs as músicas de “Um sonho de Rabeca no reino da bicharada”. Os outros trabalhos foram escritos por dramaturgos parceiros: César Ferrario, Tonho Costa e Cléo Araújo. Já o Ser Tão Teatro começou montando textos de autores nacionais. Com o tempo, veio a necessidade de ousar na dramaturgia. Nos últimos dois trabalhos, usaram o diálogo com contos, textos de Tchekhov, de Brecht, numa mistura que os está encaminhando para um espetáculo autoral.

 

Manutenção financeira dos grupos

O Carmin sempre tenta participar de editais, mas no geral economizam recursos oriundos de apresentações seja por cachê ou bilheteria, que financiam as montagens seguintes. Por isso, demoram a montar novas obras.

O Estação tem se mantido através de aprovação em vários editais: participou do Palco Giratório, do SESC, além de ter ganho o Prêmio Myriam Muniz e editais da Petrobras Distribuidora, da Caixa Cultural Fortaleza, do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), do Sebrae RN, da Cosern e do SESC.

Já Rafa Guedes lembra que o Ser Tão Teatro costuma dizer que cresceu através dos inúmeros editais criados a partir da luta de colegas e artistas que vieram antes, mas que atualmente, no entanto, o grupo entende que precisa viver de forma independente dos editais, procurando saídas para a sobrevivência. É por isso que eles se consideram resistência.

 

O teatro do Nordeste

Sobre a existência de características do teatro nordestino, cada um tem sua opinião. Segundo o grupo Ser Tão Teatro, pelo intercâmbio com uma rede de parceiros e de amigos, como os grupos Bagaceira e Pavilhão da Magnólia, de Fortaleza, os grupos Clowns de Shakespeare, Casa de Zoé e Carmin, de Natal, e o grupo Magiluth, do Recife, além de outros, a cena do Nordeste tem uma cara, mas não o mesmo teatro. Alguns têm uma identidade mais forte, mas são trabalhos diferentes. Têm a energia nordestina, têm a pegada, mas cada grupo, cada integrante, com a sua característica.

Para o grupo Carmin, a característica do teatro do Nordeste é a diversidade plural e irrestrita. Há peças em praticamente todas as linguagens, com materiais originais e adaptações. Muitas vezes, afirmam os integrantes, pensa-se por aí que o Nordeste é monotemático e anacrônico, mas isso é só porque as obras não são vistas, ou seja, por puro desconhecimento de muitos críticos e curadores.

O Grupo Estação de Teatro acredita que cada grupo nordestino tem a sua própria característica. Por exemplo, trabalham com contação de histórias em vários espetáculos, mas se permitem a experimentar outros processos como os teatros ritual e experimental, presente em “Candeia”. Já outros grupos enveredam algumas obras para a investigação do teatro documental, caso do Carmin. O Nordeste é imenso e diverso.

 

Relações com o Rio

O grupo Carmin tem uma relação com o Rio de Janeiro desde 2016, quando fez a primeira temporada a convite do SESC Copacabana. Dessa época em diante, já encenou “A Invenção do Nordeste” por mais três vezes, e o novo convite do FIRJAN-SESI Centro só corrobora para que a temporada de seu mais recente trabalho, “Jacy”, sedimente de vez seu nome e trabalho. Para o grupo, reencontrar o público carioca e fluminense é empolgante, pois a nova temporada revigora o presencial.

jacy

— Será um momento muito especial poder exercer o ofício plenamente. Depois de dois anos sem nosso encontro semanal, serão noites muito emocionantes. O grupo está vindo com uma ajuda de custo prevista pelo SESI, mas, uma vez que as passagens de avião e o custo de vida aumentaram muito, apostamos na bilheteria para poder cobrir uma boa parte dos custos de deslocamento e permanência durante seis semanas no Rio. A estadia deve-se à generosidade dos amigos Diego Molina, Cris Lucena e Erik Buijsse, que gentilmente cederam a casa onde ficaremos hospedados — pontua Henrique.

As condições da vinda do Grupo Estação para o Rio de Janeiro, por sua vez, começam com a ajuda através do edital SESC Pulsar, que prevê uma quantia pela compra da temporada, ficando o grupo como gerenciador desses custos, se comprometendo com toda a logística necessária para a sua realização. “Candeia” tem conseguido uma identificação imediata com o público que presencia o início da temporada. Nara Kelly, integrante do grupo, argumenta: — É a primeira vez que o Grupo Estação de Teatro faz uma temporada tão longa em outro Estado. O espetáculo é um chamado, um alento de cuidado para todos que se permitem vivenciar essa experiência. Depois de tudo o que o país passou durante a pandemia, encontrar o público presencialmente e poder cuidar dele tem sido uma das vivências mais significativas de nossa trajetória.

Ser Tão Teatro aposta no ineditismo do espetáculo “Alegria de Náufragos” no Rio e em São Paulo, considerando que “Flor de Macambira” foi muito bem recebido na região. Precisavam sair do seu núcleo e Thardely, um dos atores do grupo, que vive atualmente no Rio de Janeiro, facilitou a vinda. A equipe técnica, composta de colegas na cidade, aceitou realizar o investimento: — Estão aqui e toparam entrar nessa loucura. Conseguimos. — diz Rafa Guedes, ator do grupo. — Pagamos as passagens, o transporte do cenário e viemos para o Teatro Ipanema, onde fomos muito bem acolhidos. O grupo tem esperança que o trabalho seja visto por realizadores que façam futuros convites. Como uma das fundadoras é do Rio, Christina Streva, há uma ligação importante com a cidade, fortalecida pelas estadias com os outros espetáculos.

 

Colaboraram nesse artigo Furio Lonza, Maria Alice Silvério e Peter Boos.

 

Informações, ficha técnica, temporada, dias e horários de apresentação:

Alegria de Náufragos (Ser Tão) https://teatrohoje.com.br/2022/04/04/alegria-de-naufragos/

Candeia (Estação) https://teatrohoje.com.br/2022/03/28/candeia/

Jacy (Carmin) https://teatrohoje.com.br/2022/03/29/jacy-2/

 

Equipe redatora de serviços de programação e de artigos sobre teatro.