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Arquivos LGBTQ+ - Teatro Hoje https://teatrohoje.com.br/secao/lgbt/ Revista digital de Artes Cênicas Mon, 13 Jun 2022 11:25:06 +0000 pt-BR hourly 1 A CURA GAY https://teatrohoje.com.br/2022/01/28/a-cura-gay/ Fri, 28 Jan 2022 22:45:41 +0000 https://teatrohoje.com.br/?p=101041 Embora não tenha empregado sua verve sarcástica em suas peças para criticar a intolerância e o preconceito em relação aos gays, Oscar Wilde sempre foi um ferino detrator da sociedade burguesa conservadora, da qual aliás dependia para lotar as salas de espetáculo e manter sua vida glamurosa regada a champanhe e bons jantares em restaurante caros. Com manha, elegância, inteligência e alguns artifícios dramatúrgicos, ele fazia com que o público risse dele mesmo, até que foi pego com a boca na botija e a jurisprudência britânica deitou & rolou no tribunal, condenando-o à prisão (e, posteriormente, ao olvido) por suas práticas contra a natureza, como era chamado o amor homossexual no final do século XIX. Apesar de injuriadas, as minorias discriminadas sempre conseguiram dar a volta por cima de circunstâncias adversas através do humor, a forma mais avançada e sinuosa de crítica social e de costumes, sejam eles religiosos, étnicos ou sexuais. Em outras palavras: elas também riem delas mesmas, às vezes de forma amarga ou silenciosa e por vezes explícita. Um exemplo clássico dessa maneira de confrontar o mundo da intolerância e da hostilidade são os judeus: não existem piadas melhores sobre eles do que as que eles mesmos bolaram. O orgulho da classe LGBTQIA+ por sua opção sexual sempre foi seu maior trunfo, como se pode depreender facilmente de qualquer parada gay. É um humor alegre e comprometido que visa alertar a parcela mais desavisada da sociedade para suas próprias mazelas e imperfeições, mesmo que isso venha nas entrelinhas. O exagero e a bizarrice fazem parte desse mosaico de atitudes, o figurino, o estilo kitsch, as perucas, a dança, as músicas, tudo envolve um glamour exuberante, em contraposição à recatada maneira do resto da sociedade que se acha “normal”, mas que, na verdade, afunda num lamaçal de hipocrisia. No teatro, há inúmeros textos com essa pegada que versam sobre o assunto: A Gaiola das Loucas, de Jean Poiret, e Greta Garbo, quem diria, Acabou no Irajá, de Fernando Mello, são dois exemplos que conquistaram plateias no Brasil e no mundo, ficando em cartaz por anos. No cinema, não foi diferente, mas com algumas restrições, pois os produtores de Hollywood sempre foram conservadores. Com algumas pérolas aqui & ali, a filmografia gay (particularmente na Europa) desenvolveu o tema com certa liberdade, mas centrou-se mais no chororô e na denúncia do que no humor. A década de 70 não foi indulgente com os gays nas pornochanchadas brasileiras: eram caricatos e bizarros, quando não abertamente menosprezados. O curioso é que, mesmo nessas condições, conseguiam subir o astral da comédia, com os espectadores se esborrachando de rir de suas diatribes e rodadas de baiana. Suas aparições eram um bálsamo diante das burocráticas cenas de sexo hétero. Foi só em 1994 que o cinema se redimiu com uma obra-prima gay. Priscilla – A Rainha do Deserto revolucionou o gênero e determinou os rumos a serem seguidos dali pra frente. Muito glamour, muitas cores, interpretações marcantes. Levante a mão quem conhece uma cena mais deslumbrante do que a que o ator Guy Pearce dubla uma ária de ópera no alto do ônibus trajando uma roupa com a enorme cauda azul espargindo uma fumaça vermelha que se espalha pelo deserto australiano. A câmera simplesmente esvoaça ao redor em travellings magníficos. Foi um marco. Apesar de denunciar todas as perseguições e inclusive violência física que sofrem durante o road-movie, os travestis Anthony, Adam e Bernadette sabem como se safar das emboscadas com o humor inerente e intrínseco de um gay. O mais curioso disso tudo é que nenhum dos três atores era homossexual. Ou seja: diante de um mundo francamente hostil, o humor ainda é a melhor forma de mostrar que o rei está nu, como faziam os saltimbancos da Commedia dell`arte na época medieval. De acordo com os ares mais progressistas ou menos liberais que sopram e se alternam nas épocas da Humanidade, uma ideia recorrente sempre volta à baila: a cura gay, que consiste num método pseudocientífico de fazer com que os homossexuais voltem à sua eventual e hipotética situação hétero, como se fosse uma doença reversível. E isso não se restringe apenas às hostes conservadoras da igreja, estende-se para os psiquiatras e terapeutas de plantão, o que preocupa ainda mais. Pergunta valendo cinco pontos: de onde surgiu a premissa de que os héteros são mais felizes que os gays? É uma incógnita que ninguém respondeu, pois ninguém consegue explicar um equívoco que nada mais é do que um dogma sem a menor base concreta. O ideal mesmo seria inverter o processo e fazer com que os héteros sejam tratados no sentido de debelar e erradicar suas amarguras & tristezas. A cura gay consistiria justamente nisso: fazer com que eles reestruturassem seu rumo de vida através de um artifício filosófico baseado no humor e na felicidade de viver. A esmagadora maioria dos pediatras e psicanalistas (Winnicott à frente) é unânime em afirmar que é impossível um ser humano ser feliz em sua maturidade sem que tenha brincando na infância, pois a diversão é essencial na formação de seu futuro caráter e personalidade. O problema é que a sociedade de consumo nos ensina que o adulto tem de ser sóbrio, carrancudo, rígido e deve agir de acordo com a racionalidade. Por quê? Porque é conveniente ao mercado. Imaginem uma fábrica onde 90% dos funcionários ridicularizam as regras impostas pela diretoria? Seria o caos. Pois os gays acreditam exatamente no oposto: a brincadeira não deve ficar necessariamente restrita aos primeiros anos de formação, mas pode (e deve) continuar durante o resto da vida. Enxergar o lado lúdico do cotidiano é imprescindível para que nossa alma se torne mais leve. Se isso acontecer, garantem os especialistas que o mundo nunca mais será o mesmo. Provavelmente, as pessoas se tornarão mais afáveis e transparentes, talvez mais solidárias. Haverá reciprocidade de objetivos, quiçá menos guerras e mais festas. As pessoas colocariam de volta nos armários seu vestuário cinza e se empetecariam de cores vivas. Serão menos sisudas e austeras, menos circunspectas e mal-humoradas. Instintivamente, talvez sem terem as teorias de Bakunin em seu espectro ideológico, os gays nos ensinam a alegria de viver e continuar brincando, sem que sejamos necessariamente levianos. Neste exato instante, uma nova geração está sendo sendo formada por um outro tipo de família, com dois pais ou duas mães. Se isso vingará no sentido de mudar o mundo ainda é cedo para saber, mas, com certeza, é uma maneira diferente de ensinamento e aprendizado mútuo.

O post A CURA GAY apareceu primeiro em Teatro Hoje.

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Embora não tenha empregado sua verve sarcástica em suas peças para criticar a intolerância e o preconceito em relação aos gays, Oscar Wilde sempre foi um ferino detrator da sociedade burguesa conservadora, da qual aliás dependia para lotar as salas de espetáculo e manter sua vida glamurosa regada a champanhe e bons jantares em restaurante caros. Com manha, elegância, inteligência e alguns artifícios dramatúrgicos, ele fazia com que o público risse dele mesmo, até que foi pego com a boca na botija e a jurisprudência britânica deitou & rolou no tribunal, condenando-o à prisão (e, posteriormente, ao olvido) por suas práticas contra a natureza, como era chamado o amor homossexual no final do século XIX.
Apesar de injuriadas, as minorias discriminadas sempre conseguiram dar a volta por cima de circunstâncias adversas através do humor, a forma mais avançada e sinuosa de crítica social e de costumes, sejam eles religiosos, étnicos ou sexuais. Em outras palavras: elas também riem delas mesmas, às vezes de forma amarga ou silenciosa e por vezes explícita.
Um exemplo clássico dessa maneira de confrontar o mundo da intolerância e da hostilidade são os judeus: não existem piadas melhores sobre eles do que as que eles mesmos bolaram.
O orgulho da classe LGBTQIA+ por sua opção sexual sempre foi seu maior trunfo, como se pode depreender facilmente de qualquer parada gay. É um humor alegre e comprometido que visa alertar a parcela mais desavisada da sociedade para suas próprias mazelas e imperfeições, mesmo que isso venha nas entrelinhas. O exagero e a bizarrice fazem parte desse mosaico de atitudes, o figurino, o estilo kitsch, as perucas, a dança, as músicas, tudo envolve um glamour exuberante, em contraposição à recatada maneira do resto da sociedade que se acha “normal”, mas que, na verdade, afunda num lamaçal de hipocrisia.
No teatro, há inúmeros textos com essa pegada que versam sobre o assunto: A Gaiola das Loucas, de Jean Poiret, e Greta Garbo, quem diria, Acabou no Irajá, de Fernando Mello, são dois exemplos que conquistaram plateias no Brasil e no mundo, ficando em cartaz por anos.
No cinema, não foi diferente, mas com algumas restrições, pois os produtores de Hollywood sempre foram conservadores. Com algumas pérolas aqui & ali, a filmografia gay (particularmente na Europa) desenvolveu o tema com certa liberdade, mas centrou-se mais no chororô e na denúncia do que no humor.
A década de 70 não foi indulgente com os gays nas pornochanchadas brasileiras: eram caricatos e bizarros, quando não abertamente menosprezados. O curioso é que, mesmo nessas condições, conseguiam subir o astral da comédia, com os espectadores se esborrachando de rir de suas diatribes e rodadas de baiana. Suas aparições eram um bálsamo diante das burocráticas cenas de sexo hétero.
Foi só em 1994 que o cinema se redimiu com uma obra-prima gay. Priscilla – A Rainha do Deserto revolucionou o gênero e determinou os rumos a serem seguidos dali pra frente. Muito glamour, muitas cores, interpretações marcantes. Levante a mão quem conhece uma cena mais deslumbrante do que a que o ator Guy Pearce dubla uma ária de ópera no alto do ônibus trajando uma roupa com a enorme cauda azul espargindo uma fumaça vermelha que se espalha pelo deserto australiano. A câmera simplesmente esvoaça ao redor em travellings magníficos. Foi um marco.
Apesar de denunciar todas as perseguições e inclusive violência física que sofrem durante o road-movie, os travestis Anthony, Adam e Bernadette sabem como se safar das emboscadas com o humor inerente e intrínseco de um gay. O mais curioso disso tudo é que nenhum dos três atores era homossexual.
Ou seja: diante de um mundo francamente hostil, o humor ainda é a melhor forma de mostrar que o rei está nu, como faziam os saltimbancos da Commedia dell`arte na época medieval.
De acordo com os ares mais progressistas ou menos liberais que sopram e se alternam nas épocas da Humanidade, uma ideia recorrente sempre volta à baila: a cura gay, que consiste num método pseudocientífico de fazer com que os homossexuais voltem à sua eventual e hipotética situação hétero, como se fosse uma doença reversível. E isso não se restringe apenas às hostes conservadoras da igreja, estende-se para os psiquiatras e terapeutas de plantão, o que preocupa ainda mais.
Pergunta valendo cinco pontos: de onde surgiu a premissa de que os héteros são mais felizes que os gays? É uma incógnita que ninguém respondeu, pois ninguém consegue explicar um equívoco que nada mais é do que um dogma sem a menor base concreta.
O ideal mesmo seria inverter o processo e fazer com que os héteros sejam tratados no sentido de debelar e erradicar suas amarguras & tristezas. A cura gay consistiria justamente nisso: fazer com que eles reestruturassem seu rumo de vida através de um artifício filosófico baseado no humor e na felicidade de viver.
A esmagadora maioria dos pediatras e psicanalistas (Winnicott à frente) é unânime em afirmar que é impossível um ser humano ser feliz em sua maturidade sem que tenha brincando na infância, pois a diversão é essencial na formação de seu futuro caráter e personalidade.
O problema é que a sociedade de consumo nos ensina que o adulto tem de ser sóbrio, carrancudo, rígido e deve agir de acordo com a racionalidade. Por quê? Porque é conveniente ao mercado. Imaginem uma fábrica onde 90% dos funcionários ridicularizam as regras impostas pela diretoria? Seria o caos.
Pois os gays acreditam exatamente no oposto: a brincadeira não deve ficar necessariamente restrita aos primeiros anos de formação, mas pode (e deve) continuar durante o resto da vida. Enxergar o lado lúdico do cotidiano é imprescindível para que nossa alma se torne mais leve.
Se isso acontecer, garantem os especialistas que o mundo nunca mais será o mesmo.
Provavelmente, as pessoas se tornarão mais afáveis e transparentes, talvez mais solidárias.
Haverá reciprocidade de objetivos, quiçá menos guerras e mais festas. As pessoas colocariam de volta nos armários seu vestuário cinza e se empetecariam de cores vivas.
Serão menos sisudas e austeras, menos circunspectas e mal-humoradas.
Instintivamente, talvez sem terem as teorias de Bakunin em seu espectro ideológico, os gays nos ensinam a alegria de viver e continuar brincando, sem que sejamos necessariamente levianos.
Neste exato instante, uma nova geração está sendo sendo formada por um outro tipo de família, com dois pais ou duas mães. Se isso vingará no sentido de mudar o mundo ainda é cedo para saber, mas, com certeza, é uma maneira diferente de ensinamento e aprendizado mútuo.

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Dramaturgia gay americana: da punição ao ponto de virada https://teatrohoje.com.br/2019/07/29/dramaturgia-gay-americana-da-punicao-ao-ponto-de-virada/ Mon, 29 Jul 2019 23:10:07 +0000 http://br1012.teste.website/~beeped34/beepecriaoc/teatrohoje/?p=71275     No mês passado, o Rio de Janeiro pôde assistir pela primeira vez o texto completo de Angels in America, do dramaturgo americano Tony Kushner, com cinco horas de duração, pela Companhia Armazém, com direção de Paulo de Moraes. A primeira parte, intitulada O Milênio se Aproxima, foi encenada por Iacov Hillel em 1995, tendo Rodrigo Santiago e João Vitti no elenco, mas a segunda, Perestroika, permanecia inédita por aqui. A peça de Kushner, definida por ele mesmo como “uma fantasia gay sobre temas nacionais”, toca em assuntos como homossexualidade, AIDS, opressão religiosa, política, nacionalismo, mudança, tudo envolto numa aura apocalíptica de fim de milênio. Me lembro com clareza do espetáculo de 1995, que me impactou muito, e da minissérie produzida pela HBO, dirigida por Mike Nichols. E me ponho a pensar em como a dramaturgia gay americana (um termo redutor, sem dúvida, mas que serve, no momento, para nos referirmos a textos que trazem a homossexualidade como elemento importante de sua construção) abordou o tema ao longo dos anos, sempre refletindo coerentemente o contexto político e social de cada período histórico. Me vem primeiro à cabeça a peça The Children’s Hour, de Lillian Hellman, escrita em 1934. No Brasil, foi montada três vezes sob o título de Calúnia (em 1958, com Tônia Carrero e Margarida Rey nos papéis principais, e dirigida por Adolfo Celi; em 1981, direção de Bibi Ferreira, com Ariclê Perez e Sylvia Bandeira, e outra em 2006, com Janaína Mendes e Michelle Catunda e direção de Eduardo Wotzik). Duas professoras de um colégio de meninas são “denunciadas” por uma aluna que insinua que há, entre elas, uma relação amorosa. A menina que conta pra tia sobre as professoras está mentindo ou, na melhor das hipóteses, confundindo as coisas. As professoras Martha e Karen não são amantes, mas amigas. O escândalo que se segue à denúncia acaba tendo um efeito devastador sobre a vida das duas e Martha, demitida do colégio, se suicida. Mas não foi a perda do emprego nem a difamação a causa de seu gesto extremo. O que faz Martha desistir de viver é a percepção de que realmente é apaixonada por Karen. E é com esse sentimento que ela não suporta conviver. Martha se sente suja, monstruosa, indigna. E, após confessar seu amor a Karen, se enforca. Talvez seja a primeira vez que o assunto é abordado de forma tão clara e direta numa peça americana, ainda que relacione a homossexualidade à tragédia e à punição. A descoberta por Martha de seus desejos homoeróticos é motivo de culpa e vergonha para ela, que não vê outra saída a não ser se matar. Até meados dos anos 60, esta será a abordagem clássica do tema (tanto no teatro como no cinema), sempre associado à infelicidade e à vergonha. E mais, personagens homossexuais deveriam ser definitivamente punidos. Nas conservadoras décadas de 40 e 50, o tema deixa de ser tratado de forma direta ou de ser o centro da ação, mas Tennessee Williams continua tocando no assunto, de forma às vezes mais, às vezes menos sutil, mas sempre com a mesma necessidade de punição aos que ousam desafiar a moral vigente. O marido de Blanche, em Um Bonde Chamado Desejo, ao ser flagrado por ela com outro homem, se mata com um tiro na cabeça. Quando Maggie, em Gata em Teto de Zinco Quente, confronta Skipper sobre a verdadeira natureza de sua amizade com o marido dela, ele foge e, depois de se embriagar, morre em um acidente de carro. No último ato de De Repente, no Último Verão, Catherine revela finalmente as circunstâncias que envolvem a morte do primo Sebastian, testemunhada por ela: ele foi perseguido, despedaçado e devorado por rapazes pobres e famintos que ele costumava assediar, valendo-se de sua posição financeira privilegiada. É interessante notar que nenhum desses personagens está presente em cena, seus dramas e histórias são contados por outros personagens. Williams, ele mesmo gay assumido, parece ter tido extrema consciência dos limites que poderia tangenciar em sua época. Ele aborda a questão homossexual, mas não faz dela o centro da ação, nem a materializa frente ao espectador. Em 1968, as coisas começam a mudar. Sintonizado com o início da luta pelos direitos civis e pela afirmação do orgulho homossexual, Mart Crowley escreve Os Rapazes da Banda (The Boys in the Band), um marco histórico na dramaturgia gay e ponto de virada na abordagem do tema. Pela primeira vez, os homossexuais são representados como gente comum, com conflitos e crises inerentes a qualquer pessoa, independentemente de sua orientação sexual. Não há mais vergonha, nem culpa, nem punição, nem tragédia. O que move os nove personagens da peça é a busca de afeto, a necessidade de aceitação pelo próprio grupo, o fortalecimento da autoestima. Montada no Brasil por Maurice Vaneau, em 1970, com Raul Cortez, Otávio Augusto e Paulo César Peréio no elenco, foi um tremendo sucesso e ficou dois anos em cartaz. Ainda que hoje parte dos diálogos possa parecer datada, Os Rapazes da Banda é uma pedra fundamental na construção de uma nova identidade, de uma nova forma de representação dos homossexuais na dramaturgia. Em 2020 estreará uma nova versão cinematográfica da peça, produzida por Ryan Murphy (a primeira versão é de 1970 e foi dirigida por William Friedkin). Será interessante perceber que reverberação o texto terá hoje, mais de 50 anos depois. Em 1981, outro texto importante da dramaturgia gay se torna um grande sucesso mundial. Bent, de Martin Sherman, aborda a homossexualidade na Alemanha nazista, e mais especificamente no cotidiano dos campos de concentração. Não me recordo de nenhuma outra obra de ficção, em teatro ou cinema, que tenha tocado no assunto antes de Bent. Até então, a perseguição aos judeus sempre foi o objeto de interesse quando se abordava o regime nazista. Sherman inaugura, no começo da década de 80, o olhar dramatúrgico sobre o passado. Como se, após ter sido incorporada e, de certa forma, naturalizada na sociedade, a homossexualidade precisasse agora se rever historicamente, com um olhar que redimensionasse e valorizasse a luta dos gays por dignidade e cidadania. Nessa mesma vertente dramatúrgica temos, de 1985, O Coração Normal (The Normal Heart) de Larry Kramer, ainda inédita no Brasil (mas o filme, ótimo, está por aí, nos serviços de streaming). Voltada para um passado então recente, conta a mobilização organizada por um grupo de homossexuais durante o surgimento dos primeiros casos de AIDS, quando o governo e a política de saúde americana minimizaram o caráter epidêmico da síndrome. Angels In America *, a peça cronologicamente mais recente das citadas aqui (ainda que tenha sido escrita há mais de vinte anos), desviaria da tradição realista/naturalista do teatro americano e misturaria todos os elementos que compõem o histórico de representação da homossexualidade na dramaturgia do século XX: culpa, orgulho, não aceitação, tragédia, afirmação de identidade, punição, historicidade, política. E acrescentaria mais um: perplexidade. Era o milênio que se aproximava. * A versão da Companhia Armazém voltará em outubro.

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No mês passado, o Rio de Janeiro pôde assistir pela primeira vez o texto completo de Angels in America, do dramaturgo americano Tony Kushner, com cinco horas de duração, pela Companhia Armazém, com direção de Paulo de Moraes. A primeira parte, intitulada O Milênio se Aproxima, foi encenada por Iacov Hillel em 1995, tendo Rodrigo Santiago e João Vitti no elenco, mas a segunda, Perestroika, permanecia inédita por aqui. A peça de Kushner, definida por ele mesmo como “uma fantasia gay sobre temas nacionais”, toca em assuntos como homossexualidade, AIDS, opressão religiosa, política, nacionalismo, mudança, tudo envolto numa aura apocalíptica de fim de milênio. Me lembro com clareza do espetáculo de 1995, que me impactou muito, e da minissérie produzida pela HBO, dirigida por Mike Nichols. E me ponho a pensar em como a dramaturgia gay americana (um termo redutor, sem dúvida, mas que serve, no momento, para nos referirmos a textos que trazem a homossexualidade como elemento importante de sua construção) abordou o tema ao longo dos anos, sempre refletindo coerentemente o contexto político e social de cada período histórico.

Me vem primeiro à cabeça a peça The Children’s Hour, de Lillian Hellman, escrita em 1934. No Brasil, foi montada três vezes sob o título de Calúnia (em 1958, com Tônia Carrero e Margarida Rey nos papéis principais, e dirigida por Adolfo Celi; em 1981, direção de Bibi Ferreira, com Ariclê Perez e Sylvia Bandeira, e outra em 2006, com Janaína Mendes e Michelle Catunda e direção de Eduardo Wotzik). Duas professoras de um colégio de meninas são “denunciadas” por uma aluna que insinua que há, entre elas, uma relação amorosa. A menina que conta pra tia sobre as professoras está mentindo ou, na melhor das hipóteses, confundindo as coisas. As professoras Martha e Karen não são amantes, mas amigas. O escândalo que se segue à denúncia acaba tendo um efeito devastador sobre a vida das duas e Martha, demitida do colégio, se suicida. Mas não foi a perda do emprego nem a difamação a causa de seu gesto extremo. O que faz Martha desistir de viver é a percepção de que realmente é apaixonada por Karen. E é com esse sentimento que ela não suporta conviver. Martha se sente suja, monstruosa, indigna. E, após confessar seu amor a Karen, se enforca. Talvez seja a primeira vez que o assunto é abordado de forma tão clara e direta numa peça americana, ainda que relacione a homossexualidade à tragédia e à punição. A descoberta por Martha de seus desejos homoeróticos é motivo de culpa e vergonha para ela, que não vê outra saída a não ser se matar. Até meados dos anos 60, esta será a abordagem clássica do tema (tanto no teatro como no cinema), sempre associado à infelicidade e à vergonha. E mais, personagens homossexuais deveriam ser definitivamente punidos.

Nas conservadoras décadas de 40 e 50, o tema deixa de ser tratado de forma direta ou de ser o centro da ação, mas Tennessee Williams continua tocando no assunto, de forma às vezes mais, às vezes menos sutil, mas sempre com a mesma necessidade de punição aos que ousam desafiar a moral vigente. O marido de Blanche, em Um Bonde Chamado Desejo, ao ser flagrado por ela com outro homem, se mata com um tiro na cabeça. Quando Maggie, em Gata em Teto de Zinco Quente, confronta Skipper sobre a verdadeira natureza de sua amizade com o marido dela, ele foge e, depois de se embriagar, morre em um acidente de carro. No último ato de De Repente, no Último Verão, Catherine revela finalmente as circunstâncias que envolvem a morte do primo Sebastian, testemunhada por ela: ele foi perseguido, despedaçado e devorado por rapazes pobres e famintos que ele costumava assediar, valendo-se de sua posição financeira privilegiada. É interessante notar que nenhum desses personagens está presente em cena, seus dramas e histórias são contados por outros personagens. Williams, ele mesmo gay assumido, parece ter tido extrema consciência dos limites que poderia tangenciar em sua época. Ele aborda a questão homossexual, mas não faz dela o centro da ação, nem a materializa frente ao espectador.

Em 1968, as coisas começam a mudar. Sintonizado com o início da luta pelos direitos civis e pela afirmação do orgulho homossexual, Mart Crowley escreve Os Rapazes da Banda (The Boys in the Band), um marco histórico na dramaturgia gay e ponto de virada na abordagem do tema. Pela primeira vez, os homossexuais são representados como gente comum, com conflitos e crises inerentes a qualquer pessoa, independentemente de sua orientação sexual. Não há mais vergonha, nem culpa, nem punição, nem tragédia. O que move os nove personagens da peça é a busca de afeto, a necessidade de aceitação pelo próprio grupo, o fortalecimento da autoestima. Montada no Brasil por Maurice Vaneau, em 1970, com Raul Cortez, Otávio Augusto e Paulo César Peréio no elenco, foi um tremendo sucesso e ficou dois anos em cartaz. Ainda que hoje parte dos diálogos possa parecer datada, Os Rapazes da Banda é uma pedra fundamental na construção de uma nova identidade, de uma nova forma de representação dos homossexuais na dramaturgia. Em 2020 estreará uma nova versão cinematográfica da peça, produzida por Ryan Murphy (a primeira versão é de 1970 e foi dirigida por William Friedkin). Será interessante perceber que reverberação o texto terá hoje, mais de 50 anos depois.

Em 1981, outro texto importante da dramaturgia gay se torna um grande sucesso mundial. Bent, de Martin Sherman, aborda a homossexualidade na Alemanha nazista, e mais especificamente no cotidiano dos campos de concentração. Não me recordo de nenhuma outra obra de ficção, em teatro ou cinema, que tenha tocado no assunto antes de Bent. Até então, a perseguição aos judeus sempre foi o objeto de interesse quando se abordava o regime nazista. Sherman inaugura, no começo da década de 80, o olhar dramatúrgico sobre o passado. Como se, após ter sido incorporada e, de certa forma, naturalizada na sociedade, a homossexualidade precisasse agora se rever historicamente, com um olhar que redimensionasse e valorizasse a luta dos gays por dignidade e cidadania. Nessa mesma vertente dramatúrgica temos, de 1985, O Coração Normal (The Normal Heart) de Larry Kramer, ainda inédita no Brasil (mas o filme, ótimo, está por aí, nos serviços de streaming). Voltada para um passado então recente, conta a mobilização organizada por um grupo de homossexuais durante o surgimento dos primeiros casos de AIDS, quando o governo e a política de saúde americana minimizaram o caráter epidêmico da síndrome.

Angels In America *, a peça cronologicamente mais recente das citadas aqui (ainda que tenha sido escrita há mais de vinte anos), desviaria da tradição realista/naturalista do teatro americano e misturaria todos os elementos que compõem o histórico de representação da homossexualidade na dramaturgia do século XX: culpa, orgulho, não aceitação, tragédia, afirmação de identidade, punição, historicidade, política. E acrescentaria mais um: perplexidade. Era o milênio que se aproximava.

* A versão da Companhia Armazém voltará em outubro.

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Transgeneralidade e teatro https://teatrohoje.com.br/2019/06/28/transgeneralidade-e-teatro/ Fri, 28 Jun 2019 14:49:08 +0000 http://desenv.teatrohoje.com.br/?p=69432 O post Transgeneralidade e teatro apareceu primeiro em Teatro Hoje.

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Nesses tempos atuais, temas sobre gênero e sexualidade estão no centro dos debates. Representatividade, escuta, lugar de fala são posicionamentos de grande relevância. Mas apenas trazer essas questões não é o suficiente para uma real mudança social. Pode-se notar que temos um ponto nevrálgico no cerne de todo esse discorrer de questionamentos. É necessária plena atenção: falo aqui da inclusão.

Os pontos citados anteriormente tornam-se meramente ilustrativos se a ação de incluir não estiver em pleno vigor. O ato de não dar necessária notabilidade à questão é lançar o confortável véu da demagogia sobre um pungente e inflamado descompasso social. Notamos isso ao olhar a nossa volta, pois é fácil constatar que estamos apoiados sobre uma sociedade branca, heteronormativa, binária, cisgênera, conservadora e nada inclusiva ao diferente disso.

Caso ainda exista dúvida quanto a este fato, faço uma pergunta: quantas pessoas transgêneras você conhece que são professoras, médicas, enfermeiras, policiais, advogadas, engenheiras civis, economistas ou mesmo quantas frequentam sua vida? Para a grande maioria, a resposta será apenas: nenhuma. Essa resposta deixa clara a falta de oportunidade que essas pessoas sofrem no decorrer das suas vidas. Porque a elas não lhes é dada outra opção de trabalho senão a prostituição. Aqui a sociedade esquece que a transgeneralidade é uma condição de existência. Ser uma pessoa transgênera não é um limitador social que te designa a uma única profissão. Veja bem, não estou diminuindo a profissão de prostituta, (que, alias, é uma profissão que devia ser regulamentada. Mas isso é tema para outro ensaio) eu apenas rechaço o fato de não se ter escolha. Essa é uma realidade cruel com a qual todos nós contribuímos em sua manutenção e muitas vezes nem notamos.

Neste artigo, vou fazer um recorte sobre a comunidade trans e sua inclusão nos terrenos das artes cênicas. Para isso, faço mais uma pergunta: quantas pessoas transgêneras você já foi assistir no teatro? Talvez poucas ou até mesmo nenhuma. O artista por si só já tem o selo de transgressor, mas mesmo assim quais são as possibilidades que a pessoa trans, que busca ser artista, encontra no meio cênico?

Quando disse que é necessário incluir além da representatividade é porque, mais do que falar sobre elas, é importante que essas pessoas falem. Que o discurso esteja em suas bocas, que as ações estejam corporificadas nos seus corpos, e que as criações venham de suas ideias. Aqui não cabe o julgamento habitual do que vem a ser bom ou ruim enquanto produto artístico. Dizer isso pode causar espanto e estranhamento. Mas esclareço meu ponto: ver um artista trans em trabalho é ver a arte como veículo de transformação social agindo no palco e na plateia. Na meritocracia habitual dos dias, isso pode soar como absurdo total. Mas esse discurso do que vem a ser bom ou ruim é relativo e limitador e não permite que o evento artístico se engrandeça como obra transformadora.

O teatro por si só é político em sua natureza e não podemos esquecer disso. Ter uma pessoa transgênera em cena, atuando, é de muita potência porque esse fato vem de encontro aos pilares Cis e Heteronormativos da sociedade. Abrir espaço para artistas trans é transgressor e político, é mudar um estigma social.  Deve-se criar espaços para que elas ocupem todos os lugares e não só a cena, mas todos os lugares do fazer artístico. Pessoas trans podem ocupar o palco, coxias e escritórios do fazer teatral. É preciso que haja espaço e oportunidades para que isto aconteça. Não se pode esquecer que praticamente 98% das pessoas trans não tiveram a oportunidade de ter uma formação continuada. Então, que se criem oportunidades para capacitá-las. Que artistas trans estejam em cena para criar e contar suas próprias histórias e as que mais vierem.

É importante partilhar em igualdade o lugar próprio para o trabalho, sem julgamento de valor, de sapiência ou destreza. Julgar a pessoa por falta de habilidade sem nunca ter lhe oferecido a oportunidade de capacitar-se é absurdamente cruel. Se ater ao lugar da inclusão legítimo é se destituir do costumeiro privilégio e dar oportunidade ao outro de agir em pé de igualdade. É preciso abrir espaço e oferecer oportunidades para que os indivíduos que sempre estiveram alheios à escolha social, possam alçar e alcançar saber necessário para ocuparem lugares no mercado de trabalho que sua vontade eleja. Pessoas que estiveram sempre à margem precisam ser incluídas para modificar todo um estigma de uma existência, e para isso acontecer precisamos sair do conforto e da nossa certeza e ouvir. Portanto, quando uma travesti gritar na plateia ou na porta do teatro, escute, porque é disso que se trata – Escuta – Inclusão e escuta. Assim, novos ares soprarão de maneira igualitária.

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