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Revista digital de Artes CênicasMon, 13 Jun 2022 12:14:46 +0000pt-BR
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1 Teatro Jesuíta
https://teatrohoje.com.br/2022/01/04/teatro-jesuita/
Tue, 04 Jan 2022 04:31:42 +0000https://teatrohoje.com.br/?p=100615As primeiras manifestações cênicas no Brasil foram textos dos jesuítas, ainda no século XVI, e a então Capitania do Espírito Santo constituiu-se num local privilegiado para esse tipo de entretenimento didático, particularmente as obras do padre José de Anchieta que foi, sem dúvida, uma figura central, seja pelo seu pioneirismo, seja pela quantidade de peças escritas e encenadas. Anchieta passou a maior parte de sua vida na Capitania do Espírito Santo, local onde ambientou e encenou a grande maioria de suas peças, apresentadas nas salas de estudos dos colégios jesuíticos, em praças públicas e nas aldeias. Tinham o objetivo principal de auxiliar no processo de catequização dos povos indígenas, mas também funcionavam como principal forma de divertimento público na época, sua tradição permaneceu até depois da expulsão desta ordem religiosa no século XVIII. Os títulos mais conhecidos das peças do Padre Anchieta foram o Auto da Vila da Vitória, Auto de Guaraparim, Auto na Visitação de Santa Isabel e Na Festa de São Lourenço. Essas peças eram escritas em até quatro línguas e contavam acontecimentos da região, sempre com uma visão moralizadora, onde o jesuíta ensinava os “bons costumes” aos índios. O padre tinha a habilidade de criar diálogos que eram entendidos com clareza pelos nativos. Usava de humor, sarcasmos e até danças pagãs para perpetuar a palavra da igreja. Além de peças, Padre Anchieta escreveu cartas e poesias sobre o Brasil da época. Mesmo com uma visão unilateral, é possível aprender muita coisa sobre a época da colonização do nosso país. Com todo respeito ao Padre Anchieta, imagina-se seu sufoco em explicar o mistério da Santíssima Trindade aos índios, pois não é das tarefas mais fáceis o entendimento de um grupo de entidades que abarca Pai, Filho, e cujo terceiro vértice é uma pomba, que, aliás atendia pela mesma alcunha que dava nome à então Capitania do Espírito Santo. Segundo informações de Duílio Kuster, passado esse primeiro momento, outro período de interesse na história do teatro do Espírito Santo situa-se entre a segunda metade do século XIX e o começo XX, quando as representações teatrais familiares constituíam a única diversão agradável da classe culta, quase sempre honradas com a presença das primeiras autoridades da província. Além do aspecto de entretenimento, o teatro no século XIX no Espírito Santo, assim como nas demais províncias do então império do Brasil, constituía uma espécie de intervenção social e elemento constitutivo de um ideal de nação. Nesse período, é possível identificar cerca de 10 sociedades e grêmios dramáticos, formados em sua maioria por representantes das elites cultural, econômica e política da província.
]]>As primeiras manifestações cênicas no Brasil foram textos dos jesuítas, ainda no século XVI, e a então Capitania do Espírito Santo constituiu-se num local privilegiado para esse tipo de entretenimento didático, particularmente as obras do padre José de Anchieta que foi, sem dúvida, uma figura central, seja pelo seu pioneirismo, seja pela quantidade de peças escritas e encenadas.
Anchieta passou a maior parte de sua vida na Capitania do Espírito Santo, local onde ambientou e encenou a grande maioria de suas peças, apresentadas nas salas de estudos dos colégios jesuíticos, em praças públicas e nas aldeias.
Tinham o objetivo principal de auxiliar no processo de catequização dos povos indígenas, mas também funcionavam como principal forma de divertimento público na época, sua tradição permaneceu até depois da expulsão desta ordem religiosa no século XVIII.
Os títulos mais conhecidos das peças do Padre Anchieta foram o Auto da Vila da Vitória, Auto de Guaraparim, Auto na Visitação de Santa Isabel e Na Festa de São Lourenço.
Essas peças eram escritas em até quatro línguas e contavam acontecimentos da região, sempre com uma visão moralizadora, onde o jesuíta ensinava os “bons costumes” aos índios.
O padre tinha a habilidade de criar diálogos que eram entendidos com clareza pelos nativos. Usava de humor, sarcasmos e até danças pagãs para perpetuar a palavra da igreja.
Além de peças, Padre Anchieta escreveu cartas e poesias sobre o Brasil da época. Mesmo com uma visão unilateral, é possível aprender muita coisa sobre a época da colonização do nosso país.
Com todo respeito ao Padre Anchieta, imagina-se seu sufoco em explicar o mistério da Santíssima Trindade aos índios, pois não é das tarefas mais fáceis o entendimento de um grupo de entidades que abarca Pai, Filho, e cujo terceiro vértice é uma pomba, que, aliás atendia pela mesma alcunha que dava nome à então Capitania do Espírito Santo.
Segundo informações de Duílio Kuster, passado esse primeiro momento, outro período de interesse na história do teatro do Espírito Santo situa-se entre a segunda metade do século XIX e o começo XX, quando as representações teatrais familiares constituíam a única diversão agradável da classe culta, quase sempre honradas com a presença das primeiras autoridades da província.
Além do aspecto de entretenimento, o teatro no século XIX no Espírito Santo, assim como nas demais províncias do então império do Brasil, constituía uma espécie de intervenção social e elemento constitutivo de um ideal de nação. Nesse período, é possível identificar cerca de 10 sociedades e grêmios dramáticos, formados em sua maioria por representantes das elites cultural, econômica e política da província.
]]>A EXPRESSÃO POPULAR DO CONGO CAPIXABA COMO ELEMENTO CÊNICO
https://teatrohoje.com.br/2021/12/31/a-expressao-popular-do-congo-capixaba-como-elemento-cenico/
Fri, 31 Dec 2021 14:07:36 +0000https://teatrohoje.com.br/?p=100490A expressão popular do Congo Capixaba como elemento cênico Carlos Sangália O teatro e a cultura popular, no caso do Congo Capixaba mais especificamente, não estão tão ligados à questão da dramaticidade, mas sim na sua ritualidade. Se buscarmos nos primórdios do teatro, como escreve um grande pensador, o escritor e dramaturgo John Geisner, ele tem sua origem nos tempos das cavernas, sempre servindo como linguagem para expressão no sentido mais puro, em suas várias formas. Os homens das cavernas sentiram a necessidade dessa expressão para se comunicar com seus grupos e com seus coletivos. Quando chegavam das caçadas, era a linguagem visual a única existente, sem a linguagem escrita, sendo importante para criar uma narrativa das caçadas, as vitórias e as derrotas para o grupo. O teatro surge aí como um rito e também como manifestação espiritual, seguindo dessa forma nos rituais da Grécia antiga a Dionísio e a outras divindades. Eram evocações aos deuses da fertilização, que continham já naquela época a questão da carregada de um mastro em determinadas ocasiões, até mesmo como representação de um falo como símbolo da procriação e da fertilidade. Já nesse momento, junto com o teatro propriamente dito, não enquanto arte mas enquanto manifestação, essa ritualidade ganhou força representativa. Isso está no Congo também. Na Grande Vitória existe a puxada do mastro que leva até um pouco mais de teatralidade, mas no Norte do Espírito Santo está mais marcada a sua procura e a sua fincada, com idas ao mato para procurar o mastro escondido um dia antes, o encontro, e a sua pegada e carregada em um clima de transe e euforia, com pessoas balançando flores e chegando em frente à Igreja Matriz para a sua levantada. Na Commedia Dell’arte, na Idade Média da Europa, tais práticas também eram reforçadas, com rituais de representação de divindades, uma questão espiritual da cena. Na cultura popular capixaba existem os Foguedos, conhecidos como teatro popular, que são dramatizações como o Rei de Boi, o Rei de Bicho e o Ticumbi, em Itaúnas, mas existe também essa outra parte do Congo que, embora não seja Foguedo, é mais dança e coreografia, tem na sua essência nos ritos teatrais. Não há propriamente uma dramaturgia, mas há mise-en-scènes. Na fincada do mastro que acontecia na Grande Vitória no século XIX, entre os grupos que faziam a fincada, havia a questão de um roubar o mastro do outro e esconder em outro lugar, dando margem maior a essa teatralidade. Essa era a tradição da capital do Estado, que não existe mais tanto, mas que em Regência ainda existe. Um festeiro pega o mastro e esconde, outro vai e o rouba, escondendo em outro lugar, criando a necessidade da procura, que de certa forma é uma teatralidade para além do ritual. O teatrólogo, encenador, dramaturgo e Professor Dr. Cesar Huapaya pesquisou muito sobre o tema e montou no Espírito Santo espetáculos com base nesses signos ritualísticos de cultura de matriz africana. Através de laboratórios, levava os atores a um processo de pesquisa integral onde eles entravam involuntariamente nessa entrega espiritual através de um ritual e daí surgiam cenas que se construíam num teatro envolvendo essas matrizes, como no Congo, africana e indígena. Em Regência Augusta especificamente o Congo serviu de produto para a montagem de um auto, teatro propriamente dito enquanto arte, através de uma pesquisa com moradores. Foi identificado que a imagem de São Benedito ainda em madeira esculpida como pau oco havia chegado através de uma senhora que passou por uma tempestade ao entrar na barra do Rio Doce, fazendo com que ela fizesse uma promessa ao santo, que é o padroeiro do Congo e das pessoas que estão ligadas a essa espiritualidade congueira. Passando o temporal e tendo ela entrado sã e salva, cumpriu a promessa que tinha feito de trazer a imagem para a Igreja. A Companhia das Artes Regência Augusta, criada há 30 anos na localidade, foi responsável por um processo de criação que montou esse trabalho, pegando tais narrativas e montando o “Auto de São Benedito”, que foi inserido na festa para o santo. A peça começa com um arauto contando a história de quem foi o São Benedito homem, na Itália, e São Benedito santo, e transporta a ação para uma cena da mulher fazendo a promessa e passando a ser salva do temporal. Em outra cena, ela agradece ao santo, trazendo sua imagem para Regência, para toda a comunidade, que festeja sua chegada. O Congo traz, portanto, essa questão histórica e cultural. Foi uma peça montada com o intuito de unir essa dramaticidade do Congo e as questões sociais e religiosas numa criação enquanto linguagem que serviu como produto para o fortalecimento da importância do Congo enquanto expressão artística e cultural, também espiritual nessa essência. A iniciativa envolveu toda a comunidade nesse processo de pesquisa, criação, montagem e apresentação. Até o desastre da lama da barragem de Mariana no Rio Doce a companhia apresentava a peça. Essa e o “Auto do Caboclo Bernardo” e o “Auto de Natal” são as três principais peças que envolvem a questão do Congo, em que o menino de Jesus é representado por uma criança da comunidade e os Três Reis Magos são feitos por representantes da folia de reis, numa linguagem para unir manifestação religiosa e expressão teatral enquanto ferramenta de comunicação, educação e fortalecimento cultural para engajamento social, todos atributos que o teatro tem enquanto manifestação. Nesse contexto, o Congo tem vários signos teatrais da ritualística: desde toda a escondida e busca do mastro, o cortejo, o cortejo com o santo, com a bandeira, e a fincada do mastro. Esse processo de devoção remete aos primórdios dos rituais dionisíacos, trazendo na música também esses elementos que sempre contam histórias envolvendo o mar, o litoral, o amor, a figura da mulher e os santos. “Meu São Benedito Ele vem de Lisboa Com sua bandeira Com sua coroa Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá Os negros estão todos em festa fazendo promessa para os orixás Ooooo Ai que saudade da fazenda do senhor Nós somos de Regência e vamos homenagear O Caboclo Bernardo que é lá do nosso lugar” São várias as toadas de Congo que, analisando, contam histórias que são ricas, com elementos de teatro que permitem que se transformem as festividades em produtos artísticos elaborados.
]]>A expressão popular do Congo Capixaba como elemento cênico
Carlos Sangália
O teatro e a cultura popular, no caso do Congo Capixaba mais especificamente, não estão tão ligados à questão da dramaticidade, mas sim na sua ritualidade. Se buscarmos nos primórdios do teatro, como escreve um grande pensador, o escritor e dramaturgo John Geisner, ele tem sua origem nos tempos das cavernas, sempre servindo como linguagem para expressão no sentido mais puro, em suas várias formas.
Os homens das cavernas sentiram a necessidade dessa expressão para se comunicar com seus grupos e com seus coletivos. Quando chegavam das caçadas, era a linguagem visual a única existente, sem a linguagem escrita, sendo importante para criar uma narrativa das caçadas, as vitórias e as derrotas para o grupo.
O teatro surge aí como um rito e também como manifestação espiritual, seguindo dessa forma nos rituais da Grécia antiga a Dionísio e a outras divindades. Eram evocações aos deuses da fertilização, que continham já naquela época a questão da carregada de um mastro em determinadas ocasiões, até mesmo como representação de um falo como símbolo da procriação e da fertilidade. Já nesse momento, junto com o teatro propriamente dito, não enquanto arte mas enquanto manifestação, essa ritualidade ganhou força representativa.
Isso está no Congo também. Na Grande Vitória existe a puxada do mastro que leva até um pouco mais de teatralidade, mas no Norte do Espírito Santo está mais marcada a sua procura e a sua fincada, com idas ao mato para procurar o mastro escondido um dia antes, o encontro, e a sua pegada e carregada em um clima de transe e euforia, com pessoas balançando flores e chegando em frente à Igreja Matriz para a sua levantada.
Na Commedia Dell’arte, na Idade Média da Europa, tais práticas também eram reforçadas, com rituais de representação de divindades, uma questão espiritual da cena. Na cultura popular capixaba existem os Foguedos, conhecidos como teatro popular, que são dramatizações como o Rei de Boi, o Rei de Bicho e o Ticumbi, em Itaúnas, mas existe também essa outra parte do Congo que, embora não seja Foguedo, é mais dança e coreografia, tem na sua essência nos ritos teatrais. Não há propriamente uma dramaturgia, mas há mise-en-scènes. Na fincada do mastro que acontecia na Grande Vitória no século XIX, entre os grupos que faziam a fincada, havia a questão de um roubar o mastro do outro e esconder em outro lugar, dando margem maior a essa teatralidade. Essa era a tradição da capital do Estado, que não existe mais tanto, mas que em Regência ainda existe. Um festeiro pega o mastro e esconde, outro vai e o rouba, escondendo em outro lugar, criando a necessidade da procura, que de certa forma é uma teatralidade para além do ritual.
O teatrólogo, encenador, dramaturgo e Professor Dr. Cesar Huapaya pesquisou muito sobre o tema e montou no Espírito Santo espetáculos com base nesses signos ritualísticos de cultura de matriz africana. Através de laboratórios, levava os atores a um processo de pesquisa integral onde eles entravam involuntariamente nessa entrega espiritual através de um ritual e daí surgiam cenas que se construíam num teatro envolvendo essas matrizes, como no Congo, africana e indígena.
Em Regência Augusta especificamente o Congo serviu de produto para a montagem de um auto, teatro propriamente dito enquanto arte, através de uma pesquisa com moradores. Foi identificado que a imagem de São Benedito ainda em madeira esculpida como pau oco havia chegado através de uma senhora que passou por uma tempestade ao entrar na barra do Rio Doce, fazendo com que ela fizesse uma promessa ao santo, que é o padroeiro do Congo e das pessoas que estão ligadas a essa espiritualidade congueira. Passando o temporal e tendo ela entrado sã e salva, cumpriu a promessa que tinha feito de trazer a imagem para a Igreja.
A Companhia das Artes Regência Augusta, criada há 30 anos na localidade, foi responsável por um processo de criação que montou esse trabalho, pegando tais narrativas e montando o “Auto de São Benedito”, que foi inserido na festa para o santo. A peça começa com um arauto contando a história de quem foi o São Benedito homem, na Itália, e São Benedito santo, e transporta a ação para uma cena da mulher fazendo a promessa e passando a ser salva do temporal. Em outra cena, ela agradece ao santo, trazendo sua imagem para Regência, para toda a comunidade, que festeja sua chegada. O Congo traz, portanto, essa questão histórica e cultural. Foi uma peça montada com o intuito de unir essa dramaticidade do Congo e as questões sociais e religiosas numa criação enquanto linguagem que serviu como produto para o fortalecimento da importância do Congo enquanto expressão artística e cultural, também espiritual nessa essência.
A iniciativa envolveu toda a comunidade nesse processo de pesquisa, criação, montagem e apresentação. Até o desastre da lama da barragem de Mariana no Rio Doce a companhia apresentava a peça. Essa e o “Auto do Caboclo Bernardo” e o “Auto de Natal” são as três principais peças que envolvem a questão do Congo, em que o menino de Jesus é representado por uma criança da comunidade e os Três Reis Magos são feitos por representantes da folia de reis, numa linguagem para unir manifestação religiosa e expressão teatral enquanto ferramenta de comunicação, educação e fortalecimento cultural para engajamento social, todos atributos que o teatro tem enquanto manifestação.
Nesse contexto, o Congo tem vários signos teatrais da ritualística: desde toda a escondida e busca do mastro, o cortejo, o cortejo com o santo, com a bandeira, e a fincada do mastro. Esse processo de devoção remete aos primórdios dos rituais dionisíacos, trazendo na música também esses elementos que sempre contam histórias envolvendo o mar, o litoral, o amor, a figura da mulher e os santos.
“Meu São Benedito
Ele vem de Lisboa
Com sua bandeira
Com sua coroa
Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá
Os negros estão todos em festa fazendo promessa para os orixás
Ooooo Ai que saudade da fazenda do senhor
Nós somos de Regência e vamos homenagear
O Caboclo Bernardo que é lá do nosso lugar”
São várias as toadas de Congo que, analisando, contam histórias que são ricas, com elementos de teatro que permitem que se transformem as festividades em produtos artísticos elaborados.