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Arquivos Conversa de Coxia - Teatro Hoje https://teatrohoje.com.br/secao/conversa-de-coxia/ Revista digital de Artes Cênicas Mon, 13 Jun 2022 11:27:15 +0000 pt-BR hourly 1 THEATRO CARLOS GOMES, A FÊNIX CAPIXABA https://teatrohoje.com.br/2021/12/30/theatro-carlos-gomes-a-fenix-capixaba/ Thu, 30 Dec 2021 11:57:23 +0000 https://teatrohoje.com.br/?p=100420 Das cinzas do incêndio sofrido pelo Theatro Melpômene, surgiu o Theatro Carlos Gomes. Interditado em 1925, o Melpômene foi completamente desmontado e todo o material foi adquirido por André Carloni, que construiu o Theatro Carlos Gomes utilizando as colunas metálicas do Melpômene para sustentar as galerias dos camarotes do novo teatro. A Praça Costa Pereira passou por uma transformação radical do seu traçado, que excluía o Melpômene da sua conformação, mas previa em projeto a construção de dois teatros, incluindo o Carlos Gomes. O projeto baseou-se no modelo italiano de “teatro em ferradura”, tipologia usada, por exemplo, no Teatro Solís, em Montevidéu, entre outros. Essa tipologia caracteriza-se por uma série de galerias superpostas em torno de uma plateia. Diante dela, está o palco, inserido em uma caixa que abriga os mecanismos cênicos e dispositivos de iluminação. O arquétipo do modelo dessa tipologia é o mesmo do Teatro Alla Scala, de Milão. A obra foi inaugurada em janeiro de 1927. Pouco tempo depois, o teatro foi comprado pelo governo estadual, que passou a administrá-lo. Com a crise do café, em 1929, foi arrendado a uma firma particular e passou a funcionar também como cinema. O teatro foi vendido ao governo do Estado em 1934, na administração de João Punaro Bley. A partir daí, teve seu uso restrito quase que exclusivamente às sessões de cinema. A função de teatro só viria a ser retomada no final da década de 1960, quando o edifício sofreu obras de restauro, que contemplaram a adequação do palco e do proscênio, o que permitiu as encenações teatrais. Nessa reforma, houve a transformação dos camarotes, a colocação de um lustre ao modo de candelabro no centro do teto, e a repintura dos painéis do teto, executada pelo pintor Homero Massena. Essa pintura do painel é baseada na vida do compositor Carlos Gomes. Na pintura, o nome do compositor brasileiro aparece ao lado dos três compositores que o inspiraram: Wagner, Bach e Verdi. Em 1970, retomado pelo Estado, passa por uma ampla restauração, recuperando sua importância no cenário cultural de Vitória. Em 1983, foi tombado pelo Conselho Estadual de Cultura. Os ecos da existência do Melpômene, porém, ainda reverberam naquele lugar: no Carlos Gomes, que herdou o posto de primeiro teatro; no programa multiuso do espaço (cinema-teatros-galeria de arte-biblioteca-salas de música, etc.) adotado pelo velho Glória, hoje Centro Cultural; na proximidade dos equipamentos públicos culturais da vizinhança (Escola de Teatro, Dança e Música FAFI; Museu de Artes do ES/MAES; Casa Porto; Palácio Sônia Cabral; Galeria Homero Massena; Palácio Anchieta; Arquivo Público Estadual; Museu do Negro), antes prédios públicos com usos diversos, hoje espaços da arte; nos inúmeros núcleos de cultura e coletivos artísticos hoje instalados no Centro; no movimento agregador da população e de seus grupos culturais por meio da energia que emana da praça; e no imaginário de quem soube um dia que ali existiu um velho teatro de madeira.

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Das cinzas do incêndio sofrido pelo Theatro Melpômene, surgiu o Theatro Carlos Gomes. Interditado em 1925, o Melpômene foi completamente desmontado e todo o material foi adquirido por André Carloni, que construiu o Theatro Carlos Gomes utilizando as colunas metálicas do Melpômene para sustentar as galerias dos camarotes do novo teatro.

A Praça Costa Pereira passou por uma transformação radical do seu traçado, que excluía o Melpômene da sua conformação, mas previa em projeto a construção de dois teatros, incluindo o Carlos Gomes.

O projeto baseou-se no modelo italiano de “teatro em ferradura”, tipologia usada, por exemplo, no Teatro Solís, em Montevidéu, entre outros. Essa tipologia caracteriza-se por uma série de galerias superpostas em torno de uma plateia. Diante dela, está o palco, inserido em uma caixa que abriga os mecanismos cênicos e dispositivos de iluminação. O arquétipo do modelo dessa tipologia é o mesmo do Teatro Alla Scala, de Milão.

A obra foi inaugurada em janeiro de 1927. Pouco tempo depois, o teatro foi comprado pelo governo estadual, que passou a administrá-lo. Com a crise do café, em 1929, foi arrendado a uma firma particular e passou a funcionar também como cinema.

O teatro foi vendido ao governo do Estado em 1934, na administração de João Punaro Bley. A partir daí, teve seu uso restrito quase que exclusivamente às sessões de cinema. A função de teatro só viria a ser retomada no final da década de 1960, quando o edifício sofreu obras de restauro, que contemplaram a adequação do palco e do proscênio, o que permitiu as encenações teatrais.

Nessa reforma, houve a transformação dos camarotes, a colocação de um lustre ao modo de candelabro no centro do teto, e a repintura dos painéis do teto, executada pelo pintor Homero Massena.

Essa pintura do painel é baseada na vida do compositor Carlos Gomes. Na pintura, o nome do compositor brasileiro aparece ao lado dos três compositores que o inspiraram: Wagner, Bach e Verdi.

Em 1970, retomado pelo Estado, passa por uma ampla restauração, recuperando sua importância no cenário cultural de Vitória. Em 1983, foi tombado pelo Conselho Estadual de Cultura.

Os ecos da existência do Melpômene, porém, ainda reverberam naquele lugar: no Carlos Gomes, que herdou o posto de primeiro teatro; no programa multiuso do espaço (cinema-teatros-galeria de arte-biblioteca-salas de música, etc.) adotado pelo velho Glória, hoje Centro Cultural; na proximidade dos equipamentos públicos culturais da vizinhança (Escola de Teatro, Dança e Música FAFI; Museu de Artes do ES/MAES; Casa Porto; Palácio Sônia Cabral; Galeria Homero Massena; Palácio Anchieta; Arquivo Público Estadual; Museu do Negro), antes prédios públicos com usos diversos, hoje espaços da arte; nos inúmeros núcleos de cultura e coletivos artísticos hoje instalados no Centro; no movimento agregador da população e de seus grupos culturais por meio da energia que emana da praça; e no imaginário de quem soube um dia que ali existiu um velho teatro de madeira.

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A BREVE VIDA DO TEATRO MELPÔMENE https://teatrohoje.com.br/2021/12/29/a-breve-vida-do-teatro-melpomene/ Wed, 29 Dec 2021 12:19:18 +0000 https://teatrohoje.com.br/?p=100417 Um dos pontos culturais mais emblemáticos da Vitória do fim do século XIX e começo do XX atendia pelo nome de Sociedade Dramática Particular Melpômene, que se tornaria o polo da vida cultural da capital por quase três décadas. O Theatro Melpômene foi o primeiro teatro à italiana de Vitória, inaugurado em 1896 na Praça Costa Pereira, Centro Histórico da cidade, e demolido em 1925, um ano após sua interdição. Nascida em Campina Grande (PB), Colette Dantas reside em Vitória, Espírito Santo, desde 1982. Cresceu no Recife e morou também no Rio de Janeiro, cidades onde iniciou sua formação e seus trabalhos artísticos. Formou-se em Educação Artística na UFPE (Recife-1981), em Arquitetura e Urbanismo na UFES (Vitória-1999) e fez Mestrado em Arquitetura na UFRJ (Rio de Janeiro – 2005). Ninguém melhor do que ela, portanto, para detalhar os pormenores da construção e da breve vida do teatro. Segundo suas pesquisas, o edifício possuía uma volumetria que se destacava no contexto da cidade, ainda com sua arquitetura e traçado urbano colonial de final do século XIX. Podia ser visto da Baía de Vitória, para a qual tinha posicionada a sua fachada frontal, e de vários pontos de vista da pequena Villa de Victoria, como das Igrejas do Rosário e do Carmo. O antigo Largo da Conceição da Prainha, transformado em Praça Costa Pereira, foi o território escolhido para implantação do teatro. No terreno vizinho, existia a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, que foi demolida após a construção do teatro, pois os frequentadores da capela sentiam-se ameaçados pela ‘exposição moral’ a que poderiam se submeter, dada a proximidade com um espaço daquela ‘natureza’. Em outras palavras, o ambiente do teatro não era bem visto pela sociedade burguesa de então, sofrendo os preconceitos que sempre a acompanharam. Além disso, o local estava sujeito a frequentes alagamentos, pois abrigava o estuário do Reguinho, riacho que descia do Morro da Fonte Grande, canalizado posteriormente para dar lugar à urbanização da Rua Sete de Setembro e entorno. A fachada do teatro era toda modulada em painéis de madeira com sistema de travamento cruzado interno das peças, lembrando a estrutura do sistema construtivo enxaimel. As peças de madeira – pinho-de-riga – foram trazidas de navio do Rio de Janeiro, de onde já vieram modeladas. Para construir o teatro, foram contratados diversos profissionais italianos da construção civil, entre eles o engenheiro projetista da obra – Filinto Santoro, o pintor Spiridioni Astolfoni, e o jovem ajudante de serviços Andrea Carloni. O Projeto Arquitetônico do teatro foi desenvolvido por Santoro entre 1895 e 1896, que redigiu um memorial descritivo abordando questões conceituais, técnicas e construtivas da edificação, e ainda apresentava referências estéticas e programáticas que esclareciam seu processo criativo e decisões projetuais importantes. Internamente, na sala de espetáculos, era possível observar as ordens da plateia: térrea, frisas, camarotes e galerias. A planta em ferradura revelava o traçado das edificações teatrais neoclássicas. O arco de cena decorado possuía camarotes de palco nas suas laterais e um fosso de orquestra. Foi a primeira edificação de Vitória a ter luz elétrica, fornecida por gerador próprio. O teatro recebia uma diversidade de atrações, principalmente espetáculos cênicos. No espaço, foi instalado um dos primeiros cinemas da cidade, que exibiu a primeira sessão pública em 1901. Os eventos políticos e sociais também eram frequentemente abrigados pelo Melpômene, como bailes de carnaval e banquetes. Infelizmente, em 8 de outubro de 1924, durante a sessão de um filme, um princípio de incêndio na cabine de projeção do Melpômene trouxe pânico aos espectadores. O desespero levou algumas pessoas a se jogarem do balcão para dentro e para fora do teatro. Parte da escada destinada ao público do balcão cedeu ao peso. O incêndio foi controlado, mas dois mortos e dezenas de feridos foram o resultado da tragédia, que levou ao encerramento das portas da casa de espetáculos.

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Um dos pontos culturais mais emblemáticos da Vitória do fim do século XIX e começo do XX atendia pelo nome de Sociedade Dramática Particular Melpômene, que se tornaria o polo da vida cultural da capital por quase três décadas.

O Theatro Melpômene foi o primeiro teatro à italiana de Vitória, inaugurado em 1896 na Praça Costa Pereira, Centro Histórico da cidade, e demolido em 1925, um ano após sua interdição.

Nascida em Campina Grande (PB), Colette Dantas reside em Vitória, Espírito Santo, desde 1982. Cresceu no Recife e morou também no Rio de Janeiro, cidades onde iniciou sua formação e seus trabalhos artísticos. Formou-se em Educação Artística na UFPE (Recife-1981), em Arquitetura e Urbanismo na UFES (Vitória-1999) e fez Mestrado em Arquitetura na UFRJ (Rio de Janeiro – 2005).

Ninguém melhor do que ela, portanto, para detalhar os pormenores da construção e da breve vida do teatro. Segundo suas pesquisas, o edifício possuía uma volumetria que se destacava no contexto da cidade, ainda com sua arquitetura e traçado urbano colonial de final do século XIX. Podia ser visto da Baía de Vitória, para a qual tinha posicionada a sua fachada frontal, e de vários pontos de vista da pequena Villa de Victoria, como das Igrejas do Rosário e do Carmo.

O antigo Largo da Conceição da Prainha, transformado em Praça Costa Pereira, foi o território escolhido para implantação do teatro. No terreno vizinho, existia a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, que foi demolida após a construção do teatro, pois os frequentadores da capela sentiam-se ameaçados pela ‘exposição moral’ a que poderiam se submeter, dada a proximidade com um espaço daquela ‘natureza’. Em outras palavras, o ambiente do teatro não era bem visto pela sociedade burguesa de então, sofrendo os preconceitos que sempre a acompanharam.

Além disso, o local estava sujeito a frequentes alagamentos, pois abrigava o estuário do Reguinho, riacho que descia do Morro da Fonte Grande, canalizado posteriormente para dar lugar à urbanização da Rua Sete de Setembro e entorno.

A fachada do teatro era toda modulada em painéis de madeira com sistema de travamento cruzado interno das peças, lembrando a estrutura do sistema construtivo enxaimel. As peças de madeira – pinho-de-riga – foram trazidas de navio do Rio de Janeiro, de onde já vieram modeladas.

Para construir o teatro, foram contratados diversos profissionais italianos da construção civil, entre eles o engenheiro projetista da obra – Filinto Santoro, o pintor Spiridioni Astolfoni, e o jovem ajudante de serviços Andrea Carloni.

O Projeto Arquitetônico do teatro foi desenvolvido por Santoro entre 1895 e 1896, que redigiu um memorial descritivo abordando questões conceituais, técnicas e construtivas da edificação, e ainda apresentava referências estéticas e programáticas que esclareciam seu processo criativo e decisões projetuais importantes.

Internamente, na sala de espetáculos, era possível observar as ordens da plateia: térrea, frisas, camarotes e galerias. A planta em ferradura revelava o traçado das edificações teatrais neoclássicas. O arco de cena decorado possuía camarotes de palco nas suas laterais e um fosso de orquestra. Foi a primeira edificação de Vitória a ter luz elétrica, fornecida por gerador próprio.

O teatro recebia uma diversidade de atrações, principalmente espetáculos cênicos. No espaço, foi instalado um dos primeiros cinemas da cidade, que exibiu a primeira sessão pública em 1901. Os eventos políticos e sociais também eram frequentemente abrigados pelo Melpômene, como bailes de carnaval e banquetes.

Infelizmente, em 8 de outubro de 1924, durante a sessão de um filme, um princípio de incêndio na cabine de projeção do Melpômene trouxe pânico aos espectadores. O desespero levou algumas pessoas a se jogarem do balcão para dentro e para fora do teatro. Parte da escada destinada ao público do balcão cedeu ao peso. O incêndio foi controlado, mas dois mortos e dezenas de feridos foram o resultado da tragédia, que levou ao encerramento das portas da casa de espetáculos.

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O Dilema do Teatro https://teatrohoje.com.br/2020/08/30/o-dilema-do-teatro/ Sun, 30 Aug 2020 18:07:12 +0000 https://teatrohoje.com.br/?p=92542 Muito se tem falado, discutido e debatido, tanto na imprensa escrita quanto eletrônica, sobre a reabertura dos teatros. Tem gente que é contra, tem gente que é a favor. A maioria argumenta que é cedo. Essa reabertura precoce das salas de espetáculo (levando em conta que as curvas de contágio e mortes estão em alta no Rio de Janeiro) vai de encontro a tudo o que foi preconizado pela OMS e todos os países que flexibilizaram o isolamento antes da hora estão amargando uma segunda onda da covid. O mais curioso nesses debates é que só foram chamados os produtores, donos de teatro e políticos para opinar (pelo menos até agora), o que é muito estranho, pois, afinal, quem vai dar a cara pra bater são os atores, atrizes, técnicos e funcionários do teatro. Serão eles que estarão nos palcos e bastidores expostos aos riscos de contaminação. Portanto, suas opiniões são fundamentais. Como sempre acontece, o álibi dos que estão a favor fixam-se nos protocolos: distância de 1,5 metro entre pessoas; uso de máscaras no palco (os artistas só poderão retirá-las quando for absolutamente necessário); proibição do compartilhamento de objetos; realização de testes médicos a cada 30 dias com os funcionários; medição de temperatura corporal diariamente; limpeza semanal dos sistemas de ar-condicionado etc, etc, tudo o que já foi tentado sem sucesso na reabertura de shoppings, escolas, bares, restaurantes, lojas de artigos não essenciais, parques turísticos e comércio de rua no Brasil e no resto do mundo. Não se tem maiores informações sobre quais seriam essas circunstâncias absolutamente necessárias na retirada da máscara pelos atores quando em cena. Boca de Ouro, o emblemático personagem de Nelson Rodrigues, sem dúvida, perderia muito de sua força se estivesse usando máscara. A rigor, somente em duas situações o uso de máscara atenderia a teoria da verossimilhança: se a temática da peça contemplasse a pandemia ou se o elenco de personagens estivesse mascarado para assaltar um banco. Ao matar Laertes, Hamlet teria que higienizar com álcool gel a lâmina de sua espada? E outra: onde encontrar uma espada cenográfica retrátil de um metro e meio? A rigor, a única personagem do teatro clássico que estaria nos conformes seria Lady Macbeth, que lava as mãos 34 vezes depois que seu marido mata o rei. Shakespeare: sempre atual. Mas tem gente que é mais radical (ou sensata): só voltam quando houver uma vacina e pedem aos espectadores que fiquem em casa. No intuito de dar voz aos que realmente estarão nessa eventual linha de frente, Teatro Hoje pediu depoimentos sobre a questão a vários artistas e técnicos.     Clarice Niskier, atriz: “Não se trata de ser contra ou a favor. A questão é de vida ou morte, em todos os sentidos. E há muita política envolvida em tudo isso. Primeiro, temos que separar o joio do trigo para ver a questão com alguma clareza. Precisamos trabalhar, precisamos comer, e precisamos ter saúde. Quais são os apoios que temos para trabalhar sob as novas condições? De que maneira os custos podem ser adaptados para que a bilheteria reduzida sustente o trabalho? Vivemos em um sistema de interdependências. Temos que pensar a engrenagem como um todo. Além de perguntar aos atores, uma bela iniciativa, temos que perguntar ao público: você quer voltar ao teatro agora? Como está sua disposição para isso? Você está com medo? Sim? Não? A situação é caótica. O debate é manipulado. O que nos chega do planalto central é a indiferença, com ajudas aqui e ali, sem visão sistêmica. Governo estadual agora segue um rumo, o governo municipal, outro. Desunião num momento de urgência humanitária, isso é um pesadelo. Nesse cenário, eu, Clarice, estou com disposição de voltar, eu estou louca para voltar, mas tenho que pensar em todos. Quero conversar com os meus pares, quero saber como estão se sentindo, se estão correndo riscos, quais riscos, e eu? Quais riscos corro? Alguém pode me dizer com segurança quais os riscos que corremos? Ouvir o governo ou ouvir a Fiocruz? Se a Fiocruz afirma que ainda não é hora de voltar, é hora de ouvir a Fiocruz. Ou é hora de ouvir os políticos? Ou é hora de me ouvir? Muita coisa abriu, foi certo abrir?  Se foi, quero me encorajar. Se foi errado, não quero copiar. Como saber?  Estou indo toda quinta-feira fazer a peça A Esperança na Caixa de Chicletes Ping Pong, no Teatro Petra Gold, para transmitir a peça ao vivo, online. Me sinto segura lá. Respeitamos o distanciamento. A limpeza do camarim é total, a do teatro também. Temos álcool gel disponível. Todos os técnicos estão de máscara. A única que tira a máscara sou eu no palco. E a peça é um monólogo. Se tiver que ser assim até o final do ano, me submeto, em nome de todos. Sinceramente, não há o que comemorar ainda, em qualquer situação. Essa que é a verdade. Aguardo a decisão do teatro sobre estrear ou não A Alma Imoral presencial em setembro. Não forço a barra, de jeito nenhum, apesar de estar louca pra voltar. Se derem o ok, eu vou; se não derem, aguardo. Tenho dívidas no banco, que me liga todo dia. E aí, Clarice? Temos um empréstimo para você. Assim você nos paga, com juros mais baixos. Eu tenho vontade de rir, ao mesmo tempo, me dá raiva. Todas as soluções que eles me apresentam, eu me ferro a longo prazo. O lucro do banco caiu? Quanto? A minha renda caiu 100%. Não porque eu decidi ir à praia e parar de trabalhar. Porque há uma pandemia no planeta. Falo todo dia pra minha gerente: não é ameaçando colocar o nome de uma categoria no Serasa que a inadimplência vai diminuir.  Vamos pensar como agir coletivamente. Um bom exemplo: a faculdade privada do meu filho. Há regras, prazos, procedimentos. Flexibilizaram. Tiveram uma atitude ética com as famílias, e as famílias, uma atitude ética com a faculdade. Estou falando da PUC-RJ. É isso. Ninguém quer passar a perna em ninguém. Temos que pensar seriamente sobre nossos acordos. Abrir o diálogo. Honrar os que morreram. Reinventar essa vida, esse sistema. Será que isso nunca será pensado seriamente? O homem não tem mais nenhuma utopia?  Enquanto escrevo, entra uma mensagem, “Brasil ultrapassa os 114 mil mortos”. Depois, outra: “cientistas comprovam o primeiro caso de reinfecção no mundo”. Quem sou para ser contra ou a favor de abrir os teatros? Eu poderia estar na lista dos mortos, qualquer um de nós poderia. Como voltarmos a trabalhar com uma rede integrada de apoios para protocolos humanos e sanitários que minimizem de fato os riscos de mortes enquanto a vacina não vem? A pergunta é para todos. Para os donos dos bancos, para os políticos, para os produtores, diretores, atores, público, para a Humanidade, é hora de sentarmos à mesa. Negociar aluguéis, dívidas, preços, expectativas. Ajustar a situação para que todos possam comer e prosseguir. Tenho uma pequena empresa de produções artísticas com a minha irmã. Pessoas dependem de mim. Eu dependo de pessoas. A solidariedade é a única economia possível. Eu continuo sonhando. Não esqueço uma história que vivi. Conto até hoje com dor no coração. Anos atrás, no hospital, uma grande amiga, se despedindo da vida, me disse: “Enquanto o problema for dinheiro, não é problema”. Ela tinha todo dinheiro do mundo para tomar todos os remédios do mundo e pagar todos os melhores médicos e hospitais do mundo, mas não havia mais jeito. Claro, conhecemos o outro lado também, ninguém é ingênuo. Sem dinheiro, a vida também não se faz possível. Mas pergunto: é natural que sem dinheiro a vida não se faça possível? “Não há perguntas mais urgentes que as ingênuas”, afirmou a poeta polonesa Wislawa Szymborska. Então, faço essa pergunta ingênua. Quero que as cortinas se abram para a vida, entende? Aí, ninguém mais terá dúvida alguma de que é hora de abrir.”   Ricardo Kosovski, ator: “Sou completamente contrário à reabertura dos teatros neste momento. E certamente é muito duro para mim, como ator, constatar e pensar as coisas dessa maneira. Qualquer prognóstico diante do que estamos vivendo neste momento seria inoportuno e temerário. Todas as decisões de flexibilização da economia e reabertura de atividades urbanas, têm um pressuposto de risco, portanto, confesso que não sei avaliar essas medidas porque não sou médico nem epidemiologista nem infectologista nem cientista. Só a ciência é capaz de apontar o melhor procedimento para tal. Protocolos são propostos sempre na medida de minimizar riscos, mas não há garantias. E quanto vale uma única vida? Nesse sentido, é com muita tristeza que percebo uma falta de perspectiva para que nossa atividade seja retomada presencialmente de modo completamente seguro. Mesmo com vacinação em massa não sabemos ainda sua real eficácia. Temos que aguardar ainda. O que sabemos é que é necessário distanciamento social, uso de máscaras, assepsia das mãos e evitar espaços fechados (o que para o teatro reduz em muito as possibilidades de retomada). Certamente, o que me ocorre num possível primeiro momento de retorno é que monólogos seriam mais adequados porque na realidade resolve o problema de “aglomeração” do palco. A lotação reduzida da plateia evidentemente é necessária, mas a medida (1/3, 1/4, 1/2) de público, quem sabe dizer? Talvez pudéssemos alojar parte do público dentro do teatro e simultaneamente, com transmissão ao vivo, receber o público em áreas abertas que certamente são mais ventiladas e, portanto, mais seguras. O movimento que o Teatro Petra Gold está fazendo é muito legal ao mesmo tempo em que é associado a uma campanha de apoio aos profissionais da classe. Eu mesmo estarei em setembro no projeto Sesc em casa com Tripas. Esses exemplos são atos de retomada, tímidos ainda, porém seguros em seus protocolos do ponto de vista do artista, mas não inserem a presença física do espectador. Retornaremos com certeza, mas quando? Como?”   Simone Mazzer, atriz e cantora: “Sou contra a reabertura dos teatros. Não me sinto segura em apresentar num teatro, com plateia ou sem. Sem falar que é preciso tempo de ensaio, deslocamentos e toda uma gama de contatos que a profissão nos exige. Lembrando que padecemos da falta de precisão nos dados que nos são informados diariamente, uma vez que o número de notificações não é o real, já que não temos testes de Covid para todos. Muito sinceramente, só acho seguro quando pudermos ter acesso a uma vacina. Eu, particularmente, por ser parte de um grupo de pessoas vulneráveis a essa doença, não faria de outra forma. Sinceramente, não consigo sequer imaginar uma montagem com os atores usando máscara. É certo que tudo será diferente, mas não faço ideia do quando nem como. Será preciso um período de adaptação, até que encontremos um teatro com tempos de distanciamento seguro, se é que isso será possível. Apesar de um certo pensamento não muito positivo em relação a isso, preciso lembrar que também não conseguia imaginar teatro pela internet há quatro meses. É óbvio que não é o teatro que conhecemos, mas é uma outra forma de. Para pequenos produtores e produtores independentes, acho totalmente inviável utilizar apenas 1/3 dos lugares sem alguma forma de suporte financeiro. Como um elenco e equipe sobrevivem a isso? Como mantê-los? É preciso entender que, para levar público ao teatro, investe-se muito. Sem público, não existe receita. Essas pessoas vivem de que se o único dinheiro que TALVEZ entre na bilheteria seja para pagar os custos do teatro e da produção em si. Isso sem citar a profunda falta de interesse e de vontade política do governo (municipal, estadual ou federal) em incentivar e/ou financiar esse tipo de produção.”   Leandro Santanna, ator: “Não sou a favor da abertura ampla! Penso que, enquanto não tivermos vacinas, a interação de atores no palco e nos bastidores deve ser evitada, e não acredito que o público, mesmo com restrições de distanciamento e uso de máscaras, vai voltar a frequentar os teatros neste primeiro momento. Farei uma apresentação virtual, de dentro de um Teatro de Queimados, mas no meu caso é um espetáculo solo, e só dois técnicos estarão dentro do teatro, como técnicos e espectadores ao mesmo tempo, a transmissão será minha primeira incursão no universo das apresentações online, e terá a maior parte do valor dos ingressos vendidos revertida para os técnicos da peça. Acredito que o nosso futuro imediato se dividirá entre a continuidade destas “lives teatrais” e possíveis apresentações ao ar livre que ressignifiquem o teatro de rua.”   Andrea Danas, atriz: “No momento, sou contra o retorno da atividade Enquanto não houver uma vacina realmente eficaz, rigorosamente testada conforme os padrões da OMS, acho impossível retomar a atividade. Não faz o menor sentido reabrir teatros sem poder vender um número mínimo de ingressos para não ter prejuízo. Usar máscaras em cena é algo bem estranho na maioria das situações. Talvez para o público não seja tão estranho estar num teatro com 70 % de suas poltronas desocupadas, mas para o elenco e a produção, isso não faz sentido. Uma temporada inteira com 30 % da casa vendida. Eu acredito que a atividade só deve começar a voltar em 2021. Isso é o que imagino sem nenhum exagero, sendo apenas realista.”   Xando Graça, ator: “Se sou contra ou a favor da reabertura dos teatros no Rio de Janeiro? Não é uma pergunta simples, daquelas em que você responde que é isso ou aquilo, cidadão ou miliciano, democrata ou torturador. Para não parecer que estou fugindo do assunto, respondo o seguinte: com o Rio de Janeiro batendo todos os recordes percentuais de contaminação e óbitos em todo o país, que por sua vez disputa cabeça com cabeça com EUA e Índia quem têm a política mais desastrosa de prevenção e combate ao Coronavírus, eu no teatro, nem no palco e nem na plateia. Estou em casa até orientação em contrário da OMS ou da Fundação Oswaldo Cruz. E aí começa a encrenca. Falei como indivíduo e cidadão. Sei, no entanto, que o nosso segmento é dos que mais sofrem com a falta de recursos e possibilidades de trabalho. Vivêssemos numa democracia, eu diria que o setor deveria eleger um corpo de representantes para debater com o poder público e autoridades sanitárias, em primeiro lugar, se há uma viabilidade segura para este retorno e, em segundo lugar, políticas, estratégias e normas capazes de gerar um corpo de procedimentos comportamentais que garantissem aos eventos a eficácia necessária para permitir à audiência e aos profissionais do setor segurança e tranquilidade na circulação. Resta ainda enfrentar a questão referente ao custo de colocar produções em cartaz dentro deste cenário de horrores que estamos vivendo, mas quero crer que a questão que se impõe como primordial é se é seguro o suficiente para a saúde e a vida das pessoas envolvidas.”   Giuseppe Oristanio, ator: “Estava a quinze dias da estreia do espetáculo Redenção, sobre a Tragédia da Piedade, como ficou famosa a morte de Euclides da Cunha, com direção do Ary Coslov. Tudo parou em meados de março e, desde então, a classe teatral brasileira sofre bastante com a ausência de trabalho e, portanto, de dinheiro – além da falta existencial que nosso trabalho nos faz. Apesar disso, como bem declarou o Barata, a preocupação com a saúde das pessoas (atores, técnicos e público), deve ser o mais importante. Considero que enquanto não tivermos a segurança de que a reunião de pessoas nos teatros, por menor que seja, possa resultar em mais contaminados, devemos esperar. Pela saúde das pessoas e pelo bem de todos. Por outro lado, a fome não espera. É primordial que a Lei Aldir Blanc seja implementada com a máxima urgência para fazer chegar aos profissionais com maior carência esse auxílio de modo a permitir que, ao menos as pessoas tenham o que comer. Isso é papel do Estado, embora nossa iniciativa de classe, com a ajuda de simpatizantes, é que esteja procurando cumprir esse papel com celeridade.  O Estado, em suas várias esferas, não parece ter pressa. Vivemos um momento histórico terrível que precisa de solidariedade entre todos e de competência dos governantes.”   Paulo César Medeiros, iluminador: “Sou radicalmente contra a reabertura dos teatros. Isso vai expor a todos e o público simplesmente não irá. Vamos nos endividar com essa volta. Acho que só deve abrir depois da vacina. Acho que deveríamos achar mecanismos de transmissão das peças ao vivo com segurança para os poucos atores e técnicos, como o Petra Gold está fazendo e dando super certo.”   Rodrigo Bispo, montador e operador de luz: “Sou contra a reabertura dos teatros no momento. Não há garantias de um protocolo de segurança para ninguém. Com o aumento de contágio e óbitos no Rio, dificilmente esse ano conseguiremos abrir os teatros com total segurança. Esse distanciamento em cena é bem polêmico, os diretores podem até fazer marcações em que delimitam esse espaço, mas no geral é muito difícil atuações respeitando rigorosamente o distanciamento. O teatro, com a sua funcionalidade normal, já tem a dificuldade de se manter. Com um 1/3 da capacidade, todos os setores terão que ter diminuição de valores. Será muito difícil que o teatro se mantenha com essa capacidade.”   Angela Rebelo, atriz: “Com mais de três milhões e seiscentos mil infectados no país, mais de 115 mil mortos e os índices de contaminação no Rio de Janeiro totalmente instáveis, subindo nos últimos dias, a ideia de abrir os teatros é, no mínimo, estapafúrdia. Eu não irei e me pergunto quem irá? Assistir a que espetáculos? De que maneira? Com que protocolo de segurança? Se alguém se infectar (público e/ou artistas e técnicos), de quem é a responsabilidade? Quem defende a ideia acha que o público virá aos montes? Será um “renascer” de um hábito que já andava escasso antes da pandemia? Olha, entendo que os teatros fechados tragam muitos problemas e dificuldades para serem mantidos, sinto muito por isso também e não sei dizer como essa situação poderia ser amenizada. É claro que o Estado deveria estar tratando disso, se ele tivesse noção da real importância da cultura para formação de uma nação. Estamos longe disso, né? Me desespera saber que muitos, muitos de nós, estão passando por grandes dificuldades, doloridas, mesmo com as inúmeras redes de solidariedade que se formaram para suprir um pouco essas dificuldades.  Mas não concordo com essa ideia de abertura. Não há nada que justifique colocar em risco os técnicos, os artistas e o público.  Eu não irei. Costumo dizer que decreto, pra mim, só o da minha médica. Enquanto não tiver vacina, seguirei os cientistas. Ainda não vejo nenhuma perspectiva que me faça calcular com clareza quando isso estará resolvido.”  

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Muito se tem falado, discutido e debatido, tanto na imprensa escrita quanto eletrônica, sobre a reabertura dos teatros. Tem gente que é contra, tem gente que é a favor. A maioria argumenta que é cedo. Essa reabertura precoce das salas de espetáculo (levando em conta que as curvas de contágio e mortes estão em alta no Rio de Janeiro) vai de encontro a tudo o que foi preconizado pela OMS e todos os países que flexibilizaram o isolamento antes da hora estão amargando uma segunda onda da covid.

O mais curioso nesses debates é que só foram chamados os produtores, donos de teatro e políticos para opinar (pelo menos até agora), o que é muito estranho, pois, afinal, quem vai dar a cara pra bater são os atores, atrizes, técnicos e funcionários do teatro. Serão eles que estarão nos palcos e bastidores expostos aos riscos de contaminação. Portanto, suas opiniões são fundamentais.

Como sempre acontece, o álibi dos que estão a favor fixam-se nos protocolos: distância de 1,5 metro entre pessoas; uso de máscaras no palco (os artistas só poderão retirá-las quando for absolutamente necessário); proibição do compartilhamento de objetos; realização de testes médicos a cada 30 dias com os funcionários; medição de temperatura corporal diariamente; limpeza semanal dos sistemas de ar-condicionado etc, etc, tudo o que já foi tentado sem sucesso na reabertura de shoppings, escolas, bares, restaurantes, lojas de artigos não essenciais, parques turísticos e comércio de rua no Brasil e no resto do mundo.

Não se tem maiores informações sobre quais seriam essas circunstâncias absolutamente necessárias na retirada da máscara pelos atores quando em cena.

Boca de Ouro, o emblemático personagem de Nelson Rodrigues, sem dúvida, perderia muito de sua força se estivesse usando máscara.

A rigor, somente em duas situações o uso de máscara atenderia a teoria da verossimilhança: se a temática da peça contemplasse a pandemia ou se o elenco de personagens estivesse mascarado para assaltar um banco.

Ao matar Laertes, Hamlet teria que higienizar com álcool gel a lâmina de sua espada? E outra: onde encontrar uma espada cenográfica retrátil de um metro e meio?

A rigor, a única personagem do teatro clássico que estaria nos conformes seria Lady Macbeth, que lava as mãos 34 vezes depois que seu marido mata o rei. Shakespeare: sempre atual.

Mas tem gente que é mais radical (ou sensata): só voltam quando houver uma vacina e pedem aos espectadores que fiquem em casa.

No intuito de dar voz aos que realmente estarão nessa eventual linha de frente, Teatro Hoje pediu depoimentos sobre a questão a vários artistas e técnicos.

 

 

Clarice Niskier, atriz:

“Não se trata de ser contra ou a favor. A questão é de vida ou morte, em todos os sentidos. E há muita política envolvida em tudo isso. Primeiro, temos que separar o joio do trigo para ver a questão com alguma clareza. Precisamos trabalhar, precisamos comer, e precisamos ter saúde. Quais são os apoios que temos para trabalhar sob as novas condições? De que maneira os custos podem ser adaptados para que a bilheteria reduzida sustente o trabalho? Vivemos em um sistema de interdependências. Temos que pensar a engrenagem como um todo. Além de perguntar aos atores, uma bela iniciativa, temos que perguntar ao público: você quer voltar ao teatro agora? Como está sua disposição para isso? Você está com medo? Sim? Não? A situação é caótica. O debate é manipulado. O que nos chega do planalto central é a indiferença, com ajudas aqui e ali, sem visão sistêmica. Governo estadual agora segue um rumo, o governo municipal, outro. Desunião num momento de urgência humanitária, isso é um pesadelo. Nesse cenário, eu, Clarice, estou com disposição de voltar, eu estou louca para voltar, mas tenho que pensar em todos. Quero conversar com os meus pares, quero saber como estão se sentindo, se estão correndo riscos, quais riscos, e eu? Quais riscos corro? Alguém pode me dizer com segurança quais os riscos que corremos? Ouvir o governo ou ouvir a Fiocruz? Se a Fiocruz afirma que ainda não é hora de voltar, é hora de ouvir a Fiocruz. Ou é hora de ouvir os políticos? Ou é hora de me ouvir? Muita coisa abriu, foi certo abrir?  Se foi, quero me encorajar. Se foi errado, não quero copiar. Como saber?  Estou indo toda quinta-feira fazer a peça A Esperança na Caixa de Chicletes Ping Pong, no Teatro Petra Gold, para transmitir a peça ao vivo, online. Me sinto segura lá. Respeitamos o distanciamento. A limpeza do camarim é total, a do teatro também. Temos álcool gel disponível. Todos os técnicos estão de máscara. A única que tira a máscara sou eu no palco. E a peça é um monólogo. Se tiver que ser assim até o final do ano, me submeto, em nome de todos. Sinceramente, não há o que comemorar ainda, em qualquer situação. Essa que é a verdade. Aguardo a decisão do teatro sobre estrear ou não A Alma Imoral presencial em setembro. Não forço a barra, de jeito nenhum, apesar de estar louca pra voltar. Se derem o ok, eu vou; se não derem, aguardo. Tenho dívidas no banco, que me liga todo dia. E aí, Clarice? Temos um empréstimo para você. Assim você nos paga, com juros mais baixos. Eu tenho vontade de rir, ao mesmo tempo, me dá raiva. Todas as soluções que eles me apresentam, eu me ferro a longo prazo. O lucro do banco caiu? Quanto? A minha renda caiu 100%. Não porque eu decidi ir à praia e parar de trabalhar. Porque há uma pandemia no planeta. Falo todo dia pra minha gerente: não é ameaçando colocar o nome de uma categoria no Serasa que a inadimplência vai diminuir.  Vamos pensar como agir coletivamente. Um bom exemplo: a faculdade privada do meu filho. Há regras, prazos, procedimentos. Flexibilizaram. Tiveram uma atitude ética com as famílias, e as famílias, uma atitude ética com a faculdade. Estou falando da PUC-RJ. É isso. Ninguém quer passar a perna em ninguém. Temos que pensar seriamente sobre nossos acordos. Abrir o diálogo. Honrar os que morreram. Reinventar essa vida, esse sistema. Será que isso nunca será pensado seriamente? O homem não tem mais nenhuma utopia?  Enquanto escrevo, entra uma mensagem, “Brasil ultrapassa os 114 mil mortos”. Depois, outra: “cientistas comprovam o primeiro caso de reinfecção no mundo”. Quem sou para ser contra ou a favor de abrir os teatros? Eu poderia estar na lista dos mortos, qualquer um de nós poderia. Como voltarmos a trabalhar com uma rede integrada de apoios para protocolos humanos e sanitários que minimizem de fato os riscos de mortes enquanto a vacina não vem? A pergunta é para todos. Para os donos dos bancos, para os políticos, para os produtores, diretores, atores, público, para a Humanidade, é hora de sentarmos à mesa. Negociar aluguéis, dívidas, preços, expectativas. Ajustar a situação para que todos possam comer e prosseguir. Tenho uma pequena empresa de produções artísticas com a minha irmã. Pessoas dependem de mim. Eu dependo de pessoas. A solidariedade é a única economia possível. Eu continuo sonhando. Não esqueço uma história que vivi. Conto até hoje com dor no coração. Anos atrás, no hospital, uma grande amiga, se despedindo da vida, me disse: “Enquanto o problema for dinheiro, não é problema”. Ela tinha todo dinheiro do mundo para tomar todos os remédios do mundo e pagar todos os melhores médicos e hospitais do mundo, mas não havia mais jeito. Claro, conhecemos o outro lado também, ninguém é ingênuo. Sem dinheiro, a vida também não se faz possível. Mas pergunto: é natural que sem dinheiro a vida não se faça possível? “Não há perguntas mais urgentes que as ingênuas”, afirmou a poeta polonesa Wislawa Szymborska. Então, faço essa pergunta ingênua. Quero que as cortinas se abram para a vida, entende? Aí, ninguém mais terá dúvida alguma de que é hora de abrir.”

 

Ricardo Kosovski, ator:

“Sou completamente contrário à reabertura dos teatros neste momento. E certamente é muito duro para mim, como ator, constatar e pensar as coisas dessa maneira. Qualquer prognóstico diante do que estamos vivendo neste momento seria inoportuno e temerário. Todas as decisões de flexibilização da economia e reabertura de atividades urbanas, têm um pressuposto de risco, portanto, confesso que não sei avaliar essas medidas porque não sou médico nem epidemiologista nem infectologista nem cientista. Só a ciência é capaz de apontar o melhor procedimento para tal. Protocolos são propostos sempre na medida de minimizar riscos, mas não há garantias. E quanto vale uma única vida? Nesse sentido, é com muita tristeza que percebo uma falta de perspectiva para que nossa atividade seja retomada presencialmente de modo completamente seguro. Mesmo com vacinação em massa não sabemos ainda sua real eficácia. Temos que aguardar ainda. O que sabemos é que é necessário distanciamento social, uso de máscaras, assepsia das mãos e evitar espaços fechados (o que para o teatro reduz em muito as possibilidades de retomada). Certamente, o que me ocorre num possível primeiro momento de retorno é que monólogos seriam mais adequados porque na realidade resolve o problema de “aglomeração” do palco. A lotação reduzida da plateia evidentemente é necessária, mas a medida (1/3, 1/4, 1/2) de público, quem sabe dizer? Talvez pudéssemos alojar parte do público dentro do teatro e simultaneamente, com transmissão ao vivo, receber o público em áreas abertas que certamente são mais ventiladas e, portanto, mais seguras. O movimento que o Teatro Petra Gold está fazendo é muito legal ao mesmo tempo em que é associado a uma campanha de apoio aos profissionais da classe. Eu mesmo estarei em setembro no projeto Sesc em casa com Tripas. Esses exemplos são atos de retomada, tímidos ainda, porém seguros em seus protocolos do ponto de vista do artista, mas não inserem a presença física do espectador.

Retornaremos com certeza, mas quando? Como?”

 

Simone Mazzer, atriz e cantora:

“Sou contra a reabertura dos teatros. Não me sinto segura em apresentar num teatro, com plateia ou sem. Sem falar que é preciso tempo de ensaio, deslocamentos e toda uma gama de contatos que a profissão nos exige. Lembrando que padecemos da falta de precisão nos dados que nos são informados diariamente, uma vez que o número de notificações não é o real, já que não temos testes de Covid para todos.

Muito sinceramente, só acho seguro quando pudermos ter acesso a uma vacina. Eu, particularmente, por ser parte de um grupo de pessoas vulneráveis a essa doença, não faria de outra forma.

Sinceramente, não consigo sequer imaginar uma montagem com os atores usando máscara. É certo que tudo será diferente, mas não faço ideia do quando nem como. Será preciso um período de adaptação, até que encontremos um teatro com tempos de distanciamento seguro, se é que isso será possível. Apesar de um certo pensamento não muito positivo em relação a isso, preciso lembrar que também não conseguia imaginar teatro pela internet há quatro meses. É óbvio que não é o teatro que conhecemos, mas é uma outra forma de.

Para pequenos produtores e produtores independentes, acho totalmente inviável utilizar apenas 1/3 dos lugares sem alguma forma de suporte financeiro. Como um elenco e equipe sobrevivem a isso? Como mantê-los? É preciso entender que, para levar público ao teatro, investe-se muito. Sem público, não existe receita. Essas pessoas vivem de que se o único dinheiro que TALVEZ entre na bilheteria seja para pagar os custos do teatro e da produção em si. Isso sem citar a profunda falta de interesse e de vontade política do governo (municipal, estadual ou federal) em incentivar e/ou financiar esse tipo de produção.”

 

Leandro Santanna, ator:

“Não sou a favor da abertura ampla!

Penso que, enquanto não tivermos vacinas, a interação de atores no palco e nos bastidores deve ser evitada, e não acredito que o público, mesmo com restrições de distanciamento e uso de máscaras, vai voltar a frequentar os teatros neste primeiro momento.

Farei uma apresentação virtual, de dentro de um Teatro de Queimados, mas no meu caso é um espetáculo solo, e só dois técnicos estarão dentro do teatro, como técnicos e espectadores ao mesmo tempo, a transmissão será minha primeira incursão no universo das apresentações online, e terá a maior parte do valor dos ingressos vendidos revertida para os técnicos da peça.

Acredito que o nosso futuro imediato se dividirá entre a continuidade destas “lives teatrais” e possíveis apresentações ao ar livre que ressignifiquem o teatro de rua.”

 

Andrea Danas, atriz:

“No momento, sou contra o retorno da atividade

Enquanto não houver uma vacina realmente eficaz, rigorosamente testada

conforme os padrões da OMS, acho impossível retomar a atividade.

Não faz o menor sentido reabrir teatros sem poder vender um número mínimo de ingressos para não ter prejuízo.

Usar máscaras em cena é algo bem estranho na maioria das situações.

Talvez para o público não seja tão estranho estar num teatro com 70 % de suas poltronas desocupadas, mas para o elenco e a produção, isso não faz sentido.

Uma temporada inteira com 30 % da casa vendida.

Eu acredito que a atividade só deve começar a voltar em 2021.

Isso é o que imagino sem nenhum exagero, sendo apenas realista.”

 

Xando Graça, ator:

“Se sou contra ou a favor da reabertura dos teatros no Rio de Janeiro?

Não é uma pergunta simples, daquelas em que você responde que é isso ou aquilo, cidadão ou miliciano, democrata ou torturador.

Para não parecer que estou fugindo do assunto, respondo o seguinte: com o Rio de Janeiro batendo todos os recordes percentuais de contaminação e óbitos em todo o país, que por sua vez disputa cabeça com cabeça com EUA e Índia quem têm a política mais desastrosa de prevenção e combate ao Coronavírus, eu no teatro, nem no palco e nem na plateia. Estou em casa até orientação em contrário da OMS ou da Fundação Oswaldo Cruz.

E aí começa a encrenca. Falei como indivíduo e cidadão. Sei, no entanto, que o nosso segmento é dos que mais sofrem com a falta de recursos e possibilidades de trabalho. Vivêssemos numa democracia, eu diria que o setor deveria eleger um corpo de representantes para debater com o poder público e autoridades sanitárias, em primeiro lugar, se há uma viabilidade segura para este retorno e, em segundo lugar, políticas, estratégias e normas capazes de gerar um corpo de procedimentos comportamentais que garantissem aos eventos a eficácia necessária para permitir à audiência e aos profissionais do setor segurança e tranquilidade na circulação.

Resta ainda enfrentar a questão referente ao custo de colocar produções em cartaz dentro deste cenário de horrores que estamos vivendo, mas quero crer que a questão que se impõe como primordial é se é seguro o suficiente para a saúde e a vida das pessoas envolvidas.”

 

Giuseppe Oristanio, ator:

“Estava a quinze dias da estreia do espetáculo Redenção, sobre a Tragédia da Piedade, como ficou famosa a morte de Euclides da Cunha, com direção do Ary Coslov. Tudo parou em meados de março e, desde então, a classe teatral brasileira sofre bastante com a ausência de trabalho e, portanto, de dinheiro – além da falta existencial que nosso trabalho nos faz.

Apesar disso, como bem declarou o Barata, a preocupação com a saúde das pessoas (atores, técnicos e público), deve ser o mais importante. Considero que enquanto não tivermos a segurança de que a reunião de pessoas nos teatros, por menor que seja, possa resultar em mais contaminados, devemos esperar. Pela saúde das pessoas e pelo bem de todos.

Por outro lado, a fome não espera. É primordial que a Lei Aldir Blanc seja implementada com a máxima urgência para fazer chegar aos profissionais com maior carência esse auxílio de modo a permitir que, ao menos as pessoas tenham o que comer. Isso é papel do Estado, embora nossa iniciativa de classe, com a ajuda de simpatizantes, é que esteja procurando cumprir esse papel com celeridade.  O Estado, em suas várias esferas, não parece ter pressa.

Vivemos um momento histórico terrível que precisa de solidariedade entre todos e de competência dos governantes.”

 

Paulo César Medeiros, iluminador:

“Sou radicalmente contra a reabertura dos teatros. Isso vai expor a todos e o público simplesmente não irá. Vamos nos endividar com essa volta.

Acho que só deve abrir depois da vacina. Acho que deveríamos achar mecanismos de transmissão das peças ao vivo com segurança para os poucos atores e técnicos, como o Petra Gold está fazendo e dando super certo.”

 

Rodrigo Bispo, montador e operador de luz:

“Sou contra a reabertura dos teatros no momento. Não há garantias de um protocolo de segurança para ninguém.

Com o aumento de contágio e óbitos no Rio, dificilmente esse ano conseguiremos abrir os teatros com total segurança.

Esse distanciamento em cena é bem polêmico, os diretores podem até fazer marcações em que delimitam esse espaço, mas no geral é muito difícil atuações respeitando rigorosamente o distanciamento.

O teatro, com a sua funcionalidade normal, já tem a dificuldade de se manter. Com um 1/3 da capacidade, todos os setores terão que ter diminuição de valores. Será muito difícil que o teatro se mantenha com essa capacidade.”

 

Angela Rebelo, atriz:

“Com mais de três milhões e seiscentos mil infectados no país, mais de 115 mil mortos e os índices de contaminação no Rio de Janeiro totalmente instáveis, subindo nos últimos dias, a ideia de abrir os teatros é, no mínimo, estapafúrdia. Eu não irei e me pergunto quem irá? Assistir a que espetáculos? De que maneira? Com que protocolo de segurança? Se alguém se infectar (público e/ou artistas e técnicos), de quem é a responsabilidade? Quem defende a ideia acha que o público virá aos montes? Será um “renascer” de um hábito que já andava escasso antes da pandemia? Olha, entendo que os teatros fechados tragam muitos problemas e dificuldades para serem mantidos, sinto muito por isso também e não sei dizer como essa situação poderia ser amenizada. É claro que o Estado deveria estar tratando disso, se ele tivesse noção da real importância da cultura para formação de uma nação. Estamos longe disso, né? Me desespera saber que muitos, muitos de nós, estão passando por grandes dificuldades, doloridas, mesmo com as inúmeras redes de solidariedade que se formaram para suprir um pouco essas dificuldades.  Mas não concordo com essa ideia de abertura. Não há nada que justifique colocar em risco os técnicos, os artistas e o público.  Eu não irei. Costumo dizer que decreto, pra mim, só o da minha médica. Enquanto não tiver vacina, seguirei os cientistas. Ainda não vejo nenhuma perspectiva que me faça calcular com clareza quando isso estará resolvido.”

 

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O maravilhoso mundo do teatro experimental https://teatrohoje.com.br/2020/06/17/o-maravilhoso-mundo-do-teatro-experimental/ Wed, 17 Jun 2020 21:27:13 +0000 https://teatrohoje.com.br/?p=90526 A partir de determinado momento da História, o teatro mudou de paradigmas. A imensa explosão de talento e criatividade foi rompida quando decretaram que tudo o que havia sido escrito até então era decadente & vulgar. Explorar a alma humana era coisa do passado. Falar em amor & morte, traição, o sentido da vida, o poder, a piedade, a ignomínia, a esperança, a injustiça, o sonho, o ideal, o ódio, a corrupção, tudo isso estava cristalizado no tempo & no espaço e nas mentes mais conservadoras. Era necessário explodir o teatro de dentro para fora, retomar o contato com os xamãs, exumar as bacanais dionisíacas, a sagração da primavera, o onírico, voltar a tocar a flauta de Pã, revitalizar o lúdico (O teatro é um jogo), a máscara, os ditirambos dramáticos. Ficou estabelecido que o texto no teatro estava com os dias contados. Aposentaram compulsivamente aquela chorumela enfadonha de análise filosófica e psíquica das vicissitudes do ser humano. Novos conceitos surgiram e toda uma nova concepção cênica começou a ser discutida: o diretor não pode mais ser um demiurgo, ele tem que interagir com o ator de maneira simbiótica, saber escutar, gerenciar, seu papel agora é o de um aglutinador e não mais do déspota esclarecido de outrora. A criação tinha que ser coletiva. Todos na Companhia passaram a ser coautores: do boy mais humilde ao buscador de marmitas, do ator coadjuvante à atriz recém-admitida, da figurinista à faxineira. O público, sempre ávido de exotismos & novas formas de entretenimento, exultou, deixou os espetáculos tradicionais às moscas e debandou para a modernidade. Isso tudo teve uma consequência cruel: velhos e saudosos dramaturgos eram vistos tomando conhaque Dreher em botecos dos mais sórdidos na Zona Norte. Textos de Dürrenmatt e Arthur Miller queimaram nas chamas do olvido. Trevas lúgubres se abateram impiedosamente sobre a ribalta. Apelidada sarcasticamente de teatrão, aquela velha modalidade de arte cênica foi estigmatizada até a medula e amargou o ostracismo por longos anos. Imediatamente, velhos galpões, porões e bares foram reciclados, trupes levantaram lonas de circo, antigas fábricas da periferia & sobrados da Lapa foram remodelados e improvisaram-se novas salas para continuar encenando o espetáculo tradicional. Os mais empedernidos continuaram praticando o velho culto em obscuras catacumbas iluminadas apenas por tochas embebidas em querosene, num autêntico auto-de-fé. Enquanto isso, a nova modalidade procurou um público diferente, composto basicamente de garotas sardentas de óculos com aro colorido, meninos magrinhos e pálidos executivos vagamente bissexuais. Esses que usam gravata fininha. Do dia para a noite, essas trupes tomaram conta dos espaços, infiltraram-se na máquina estatal, repartiram verbas, engrenaram um discurso meio messiânico. Decretaram o fim da História. O futuro havia chegado. Tropeça-se com eles nos restaurantes macrobióticos, academias, na praia, nos elevadores, no metrô. São seres rigorosamente voláteis, falam muito em trabalho (Você precisa ver meu trabalho) e todos andam com pastas coloridas debaixo do braço. São muito vistos em casas de xerox. A rigor, não é difícil identificar uma atriz de Teatro Experimental. Ela fala como se estivesse articulando sílabas pré-estabelecidas para uma classe de alunos com Síndrome de Down; seu riso é nervoso e um milésimo de segundo fora de hora e contexto; ela respira a intervalos regulares, possivelmente seguindo um ritmo metódico fixado por uma escala harmônica de um monastério budista. Usa uma camiseta com a inscrição Carpe Diem. A atriz de teatro é assim, meio tensa. Mas faz questão de passar a imagem de que está sempre à vontade. Seu andar é malicioso, brejeiro. Seu olhar é fixo e cintilante, olho no olho, pupilas brilhando, nunca pisca. Seja qual for o teor da conversa, a atriz de teatro olha para o interlocutor como se estivesse num colóquio muito importante com algum enviado da ONU para assuntos especiais. O ator de Teatro Experimental não é diferente, mas tem suas nuanças. É desleixado, largadão, cool, usa roupas folgadas, camiseta, bermudão, às vezes um cavanhaque sem bigode. Tem olhos baços, cabelo curto e também fala muito em trabalho (Você precisa ver meu novo trabalho). Suas frases são compridas e meio vagas, raramente consegue completar um pensamento. Mas diz que isso faz parte. Fala em composição (A composição de meu personagem é autorreferente). Cita muito Eugênio Barba (O Barba é seminal). Suas pernas são compridas e ele as usa como se estivesse constantemente medindo a calçada ou desviando de grandes toras de madeira. Está sempre gingando o corpo como um pêndulo, articula as juntas, flexiona o pescoço, estrala os dedos, mexe o maxilar, faz clocks com a boca, estala a língua. O ator de Teatro Experimental é assim, está sempre em constante contato com seu corpo, numa comunhão quase litúrgica. Por fim, temos o diretor de teatro. É baixinho. Gordinho. Meio calvo. Mas usa melenas compridas atrás da cabeça. É flagrado em botequins que os atores não frequentam. Bebe bebidas destiladas e não ri. Às vezes, sorri, o que, convenhamos, é muito diferente. É distante. Elíptico. Parece que está sempre imaginando a forma mais adequada de detonar uma cena que já deu certo. Articula frases redondas e cheias de referências. Seu discurso é emblemático. Fala em processo, interferência na cena, desconstrução, fala em ritual, partitura, articula possibilidades, busca mecanismos para mexer na estrutura. Diz que não gosta de Peter Brook, mas é jogo de cena: ele A-M-A Peter Brook. Misto de laboratório, ensaio, dinâmica de grupo, vivência & improvisação, o Teatro Experimental, como o próprio nome diz, experimenta, tenta, ousa, transgride, revoluciona, coloca em prática novas concepções do drama e da comédia. Nove entre dez peças do Teatro Experimental começam na maior escuridão. Em seguida, acende-se uma luz baça e tênue num canto do fundo. E fica assim uma eternidade, na maior calma, o maior constrangimento, espectadores em pânico. O tempo, no teatro experimental, como se sabe, é regido por outros parâmetros. Depois que acendem a luz, nada acontece e, se acontece, ninguém entende. Os ambientes onde se desenrolam as peças do Teatro Experimental são apenas sugeridos: um tosco estacionamento sem automóveis, uma campina sem grama, um extenso território desabitado, um amplo salão completamente nu. Mas há pneus, tijolos, há cadeiras quebradas. Na cenografia do Teatro Experimental, não existem móveis, existem elementos de cena. (O cenário parou de ter conotação. Agora, ele é gramático). Tudo se resolve num plano superior, metafísico, meio etéreo, com pinta de purgatório. No início, temos a impressão de que seja um refúgio de desesperados, náufragos do asfalto. Os personagens andam devagar e meditam muito. Arrastam os pés. Meneiem o corpo. Ouvem vozes distantes. Olham fixo nos olhos do espectador, intimidando-o fortemente. Estarão todos mortos? A história está falando da migração das almas? Teremos uma revelação do além? Um aviso? Os personagens experimentais são assim. Dúbios. Cruéis. Francamente incertos. Ambíguos. Duvidosos. Hesitantes. Em geral, o Teatro Experimental se vale de monólogos. Muitos monólogos. Todos os atores falam sozinhos o tempo todo. É a incomunicabilidade dos tempos modernos entrando em campo, flagrando o homem enclausurado dentro de si mesmo na maior castração, na fria solidão do instante. Mas há diálogos também. Poucos. Os personagens tentam interagir de forma feroz, digladiando-se, escarafunchando o mais recôndito de seu ser numa luta medieval de retórica. O espectador, porém, tem que tomar muito cuidado com esses diálogos, pois nada do que é dito é propriamente o que é dito. O que é dito é sempre outra coisa. O que não é dito, isso sim é o que é. Ou seria. Os personagens masculinos do Teatro Experimental são todos sérios e sofrem muito. Seus monólogos são angustiados, recheados de ênfases, pausas dramáticas & reminiscências. Nessa linha, emendam solilóquios enormes onde tentam explicar porque são tão infelizes, mas não conseguem articular direito as ideias, o discurso cai no vazio e eles ficam ainda mais infelizes. As personagens femininas do Teatro Experimental também são sérias e sofrem muito. Mas, ao contrário dos personagens masculinos, têm uma extraordinária capacidade de passar do choro convulsivo para a gargalhada, do sofrimento mais atroz para uma hilaridade bastante estranha. Em geral, todas as pessoas da vida real que conhecemos no passado que adotaram esse tipo de procedimento foram internadas em sanatórios ou asilos e amargaram trágicos destinos. No Teatro Experimental, não, pelo contrário, os sofridos personagens que adotam essa ciclotimia comportamental são os mais festejados, pois, segundo conceitos modernos, eles verticalizam a dicotomia do mundo e os paradoxos da vida. Ficou estabelecido, sabe-se lá por quais critérios, que a plateia de uma peça do Teatro Experimental tem que sofrer tanto ou mais do que os personagens. Por isso, logo de cara, foram abolidas as cadeiras, poltronas ou quaisquer outras formas tradicionais de dispersão. Geralmente, as acomodações do público são arquibancadas de madeira, degraus de cimento, tatames, colchões de água, almofadas esgarçadas, beliches. Ou o pessoal senta no chão mesmo. Ou fica de pé acompanhando durante hora e meia às estripulias dos atores que sobem em cordas, se balançam em trapézios, pulam em camas elásticas, cospem fogo, xingam, esperneiam, arrastam-se em pedregulhos pontudos, se arranham, pisam em brasas fumegantes, chafurdam na lama. Toda peça de Teatro Experimental tem nudez. No meio de uma cena qualquer, a atriz (em geral, a mais gostosinha) desnuda-se, mostrando os peitinhos. E toda a plateia percebe claramente a intenção de tal atitude. É uma metáfora. Apesar de cultuado por introspectivos intelectuais de barba, óculos escuros e livros debaixo do sovaco, que franzem o cenho a cada cinco minutos, o Teatro Experimental não é difícil, mas exige do espectador bastante atenção. É necessário que o link entre as cenas seja feito por um espírito desarmado. Um juiz, trajando um espartilho negro, caminha escada abaixo, tira o pau pra fora e urina nos pés da heroína; um legista se apaixona por uma perna amputada; depois de recitar a Ave Maria, uma atriz (geralmente a mais gostosinha) desnuda-se, mostrando os peitinhos. Como se percebe logo nas primeiras cenas de uma peça do Teatro Experimental, ao abrir mão dos textos mais tradicionais, ele aposentou também Aristóteles e sua teoria da verossimilhança. Ainda há diretores do teatro experimental que se valem do texto original de um autor clássico e consagrado. Mas com uma bossa nova, um macete. Não é propriamente Ibsen que vai para a ribalta. É Ibsen sob a óptica de Baudrillard ou um texto de Cervantes sob o viés de Deleuze ou ainda Virgínia Woolf transformada numa opereta de teatro boulevard com toques fundamentais de Bachelard. Às vezes, o próprio diretor contrata uma equipe de pesquisadores para dar um suporte mais erudito ao projeto. É natural: como são textos clássicos muito conhecidos do público, não pode haver vacilos na proposta de encenação.  Sabe-se de um caso ocorrido há dois anos em que essa equipe especializada passou todo o tempo pesquisando onde tinha ficado o texto original do autor.

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A partir de determinado momento da História, o teatro mudou de paradigmas. A imensa explosão de talento e criatividade foi rompida quando decretaram que tudo o que havia sido escrito até então era decadente & vulgar. Explorar a alma humana era coisa do passado. Falar em amor & morte, traição, o sentido da vida, o poder, a piedade, a ignomínia, a esperança, a injustiça, o sonho, o ideal, o ódio, a corrupção, tudo isso estava cristalizado no tempo & no espaço e nas mentes mais conservadoras. Era necessário explodir o teatro de dentro para fora, retomar o contato com os xamãs, exumar as bacanais dionisíacas, a sagração da primavera, o onírico, voltar a tocar a flauta de Pã, revitalizar o lúdico (O teatro é um jogo), a máscara, os ditirambos dramáticos.

Ficou estabelecido que o texto no teatro estava com os dias contados. Aposentaram compulsivamente aquela chorumela enfadonha de análise filosófica e psíquica das vicissitudes do ser humano. Novos conceitos surgiram e toda uma nova concepção cênica começou a ser discutida: o diretor não pode mais ser um demiurgo, ele tem que interagir com o ator de maneira simbiótica, saber escutar, gerenciar, seu papel agora é o de um aglutinador e não mais do déspota esclarecido de outrora. A criação tinha que ser coletiva. Todos na Companhia passaram a ser coautores: do boy mais humilde ao buscador de marmitas, do ator coadjuvante à atriz recém-admitida, da figurinista à faxineira.

O público, sempre ávido de exotismos & novas formas de entretenimento, exultou, deixou os espetáculos tradicionais às moscas e debandou para a modernidade.

Isso tudo teve uma consequência cruel: velhos e saudosos dramaturgos eram vistos tomando conhaque Dreher em botecos dos mais sórdidos na Zona Norte. Textos de Dürrenmatt e Arthur Miller queimaram nas chamas do olvido. Trevas lúgubres se abateram impiedosamente sobre a ribalta.

Apelidada sarcasticamente de teatrão, aquela velha modalidade de arte cênica foi estigmatizada até a medula e amargou o ostracismo por longos anos.

Imediatamente, velhos galpões, porões e bares foram reciclados, trupes levantaram lonas de circo, antigas fábricas da periferia & sobrados da Lapa foram remodelados e improvisaram-se novas salas para continuar encenando o espetáculo tradicional. Os mais empedernidos continuaram praticando o velho culto em obscuras catacumbas iluminadas apenas por tochas embebidas em querosene, num autêntico auto-de-fé.

Enquanto isso, a nova modalidade procurou um público diferente, composto basicamente de garotas sardentas de óculos com aro colorido, meninos magrinhos e pálidos executivos vagamente bissexuais. Esses que usam gravata fininha.

Do dia para a noite, essas trupes tomaram conta dos espaços, infiltraram-se na máquina estatal, repartiram verbas, engrenaram um discurso meio messiânico. Decretaram o fim da História. O futuro havia chegado. Tropeça-se com eles nos restaurantes macrobióticos, academias, na praia, nos elevadores, no metrô. São seres rigorosamente voláteis, falam muito em trabalho (Você precisa ver meu trabalho) e todos andam com pastas coloridas debaixo do braço. São muito vistos em casas de xerox.

A rigor, não é difícil identificar uma atriz de Teatro Experimental. Ela fala como se estivesse articulando sílabas pré-estabelecidas para uma classe de alunos com Síndrome de Down; seu riso é nervoso e um milésimo de segundo fora de hora e contexto; ela respira a intervalos regulares, possivelmente seguindo um ritmo metódico fixado por uma escala harmônica de um monastério budista. Usa uma camiseta com a inscrição Carpe Diem. A atriz de teatro é assim, meio tensa. Mas faz questão de passar a imagem de que está sempre à vontade. Seu andar é malicioso, brejeiro. Seu olhar é fixo e cintilante, olho no olho, pupilas brilhando, nunca pisca. Seja qual for o teor da conversa, a atriz de teatro olha para o interlocutor como se estivesse num colóquio muito importante com algum enviado da ONU para assuntos especiais.

O ator de Teatro Experimental não é diferente, mas tem suas nuanças. É desleixado, largadão, cool, usa roupas folgadas, camiseta, bermudão, às vezes um cavanhaque sem bigode. Tem olhos baços, cabelo curto e também fala muito em trabalho (Você precisa ver meu novo trabalho). Suas frases são compridas e meio vagas, raramente consegue completar um pensamento. Mas diz que isso faz parte. Fala em composição (A composição de meu personagem é autorreferente). Cita muito Eugênio Barba (O Barba é seminal). Suas pernas são compridas e ele as usa como se estivesse constantemente medindo a calçada ou desviando de grandes toras de madeira. Está sempre gingando o corpo como um pêndulo, articula as juntas, flexiona o pescoço, estrala os dedos, mexe o maxilar, faz clocks com a boca, estala a língua. O ator de Teatro Experimental é assim, está sempre em constante contato com seu corpo, numa comunhão quase litúrgica.

Por fim, temos o diretor de teatro. É baixinho. Gordinho. Meio calvo. Mas usa melenas compridas atrás da cabeça. É flagrado em botequins que os atores não frequentam. Bebe bebidas destiladas e não ri. Às vezes, sorri, o que, convenhamos, é muito diferente. É distante. Elíptico. Parece que está sempre imaginando a forma mais adequada de detonar uma cena que já deu certo. Articula frases redondas e cheias de referências. Seu discurso é emblemático. Fala em processo, interferência na cena, desconstrução, fala em ritual, partitura, articula possibilidades, busca mecanismos para mexer na estrutura. Diz que não gosta de Peter Brook, mas é jogo de cena: ele A-M-A Peter Brook.

Misto de laboratório, ensaio, dinâmica de grupo, vivência & improvisação, o Teatro Experimental, como o próprio nome diz, experimenta, tenta, ousa, transgride, revoluciona, coloca em prática novas concepções do drama e da comédia.

Nove entre dez peças do Teatro Experimental começam na maior escuridão. Em seguida, acende-se uma luz baça e tênue num canto do fundo. E fica assim uma eternidade, na maior calma, o maior constrangimento, espectadores em pânico. O tempo, no teatro experimental, como se sabe, é regido por outros parâmetros. Depois que acendem a luz, nada acontece e, se acontece, ninguém entende.

Os ambientes onde se desenrolam as peças do Teatro Experimental são apenas sugeridos: um tosco estacionamento sem automóveis, uma campina sem grama, um extenso território desabitado, um amplo salão completamente nu. Mas há pneus, tijolos, há cadeiras quebradas. Na cenografia do Teatro Experimental, não existem móveis, existem elementos de cena. (O cenário parou de ter conotação. Agora, ele é gramático). Tudo se resolve num plano superior, metafísico, meio etéreo, com pinta de purgatório. No início, temos a impressão de que seja um refúgio de desesperados, náufragos do asfalto. Os personagens andam devagar e meditam muito. Arrastam os pés. Meneiem o corpo. Ouvem vozes distantes. Olham fixo nos olhos do espectador, intimidando-o fortemente. Estarão todos mortos? A história está falando da migração das almas? Teremos uma revelação do além? Um aviso? Os personagens experimentais são assim. Dúbios. Cruéis. Francamente incertos. Ambíguos. Duvidosos. Hesitantes.

Em geral, o Teatro Experimental se vale de monólogos. Muitos monólogos. Todos os atores falam sozinhos o tempo todo. É a incomunicabilidade dos tempos modernos entrando em campo, flagrando o homem enclausurado dentro de si mesmo na maior castração, na fria solidão do instante. Mas há diálogos também. Poucos. Os personagens tentam interagir de forma feroz, digladiando-se, escarafunchando o mais recôndito de seu ser numa luta medieval de retórica. O espectador, porém, tem que tomar muito cuidado com esses diálogos, pois nada do que é dito é propriamente o que é dito. O que é dito é sempre outra coisa. O que não é dito, isso sim é o que é. Ou seria.

Os personagens masculinos do Teatro Experimental são todos sérios e sofrem muito. Seus monólogos são angustiados, recheados de ênfases, pausas dramáticas & reminiscências. Nessa linha, emendam solilóquios enormes onde tentam explicar porque são tão infelizes, mas não conseguem articular direito as ideias, o discurso cai no vazio e eles ficam ainda mais infelizes.

As personagens femininas do Teatro Experimental também são sérias e sofrem muito. Mas, ao contrário dos personagens masculinos, têm uma extraordinária capacidade de passar do choro convulsivo para a gargalhada, do sofrimento mais atroz para uma hilaridade bastante estranha.

Em geral, todas as pessoas da vida real que conhecemos no passado que adotaram esse tipo de procedimento foram internadas em sanatórios ou asilos e amargaram trágicos destinos. No Teatro Experimental, não, pelo contrário, os sofridos personagens que adotam essa ciclotimia comportamental são os mais festejados, pois, segundo conceitos modernos, eles verticalizam a dicotomia do mundo e os paradoxos da vida.

Ficou estabelecido, sabe-se lá por quais critérios, que a plateia de uma peça do Teatro Experimental tem que sofrer tanto ou mais do que os personagens. Por isso, logo de cara, foram abolidas as cadeiras, poltronas ou quaisquer outras formas tradicionais de dispersão. Geralmente, as acomodações do público são arquibancadas de madeira, degraus de cimento, tatames, colchões de água, almofadas esgarçadas, beliches. Ou o pessoal senta no chão mesmo. Ou fica de pé acompanhando durante hora e meia às estripulias dos atores que sobem em cordas, se balançam em trapézios, pulam em camas elásticas, cospem fogo, xingam, esperneiam, arrastam-se em pedregulhos pontudos, se arranham, pisam em brasas fumegantes, chafurdam na lama.

Toda peça de Teatro Experimental tem nudez. No meio de uma cena qualquer, a atriz (em geral, a mais gostosinha) desnuda-se, mostrando os peitinhos. E toda a plateia percebe claramente a intenção de tal atitude. É uma metáfora.

Apesar de cultuado por introspectivos intelectuais de barba, óculos escuros e livros debaixo do sovaco, que franzem o cenho a cada cinco minutos, o Teatro Experimental não é difícil, mas exige do espectador bastante atenção. É necessário que o link entre as cenas seja feito por um espírito desarmado. Um juiz, trajando um espartilho negro, caminha escada abaixo, tira o pau pra fora e urina nos pés da heroína; um legista se apaixona por uma perna amputada; depois de recitar a Ave Maria, uma atriz (geralmente a mais gostosinha) desnuda-se, mostrando os peitinhos. Como se percebe logo nas primeiras cenas de uma peça do Teatro Experimental, ao abrir mão dos textos mais tradicionais, ele aposentou também Aristóteles e sua teoria da verossimilhança.

Ainda há diretores do teatro experimental que se valem do texto original de um autor clássico e consagrado. Mas com uma bossa nova, um macete. Não é propriamente Ibsen que vai para a ribalta. É Ibsen sob a óptica de Baudrillard ou um texto de Cervantes sob o viés de Deleuze ou ainda Virgínia Woolf transformada numa opereta de teatro boulevard com toques fundamentais de Bachelard.

Às vezes, o próprio diretor contrata uma equipe de pesquisadores para dar um suporte mais erudito ao projeto. É natural: como são textos clássicos muito conhecidos do público, não pode haver vacilos na proposta de encenação.  Sabe-se de um caso ocorrido há dois anos em que essa equipe especializada passou todo o tempo pesquisando onde tinha ficado o texto original do autor.

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