Com exceção das grandes produções (particularmente os musicais, que recebem largos financiamentos de bancos e que normalmente decepcionam pelo oportunismo), o resto do teatro carioca funciona na base do amor à arte. Seria de se esperar que esses projetos ficassem nisso: um grande mutirão para encenar peças incubadas há um bom tempo, com atores à margem da mídia e diretores que batalham para sobreviver, mas cuja finalização carece de esmero.
Não foi o que aconteceu. Essas produções mais modestas estão dando um banho de criatividade e empenho, com propostas sociais e críticas, provando mais uma vez que, em épocas de crise, emerge a indignação, que gera uma espécie de iluminação nos artistas, e que, por sua vez, se solidifica em trabalhos de grande significado para o teatro em geral.
Um exemplo disso está nos inúmeros projetos de temática negra que subiram aos palcos deste balneário abençoado tanto por Deus quanto pelo demônio. Entre outubro de novembro, nada menos que seis espetáculos com atores & atrizes negros subiram aos palcos e lotaram plateias sedentas de saber muito mais sobre a raça predominante em nossas veias.
De onde menos se espera, surgem manifestações artísticas que peitam as instituições e a ignorância que pretendem transformar o país num deserto de ideias. E isso provém das produções modestas, que não se entregam e montam peças com garra. Textos de dramaturgos africanos, ingleses, americanos, escoceses são montados na marra, com gana.
A frase que dá título a este editorial é de Galileu Galilei. Diz a lenda que o matemático, físico e filósofo italiano murmurou-a depois de ter sido obrigado a renegar, em 1633, diante da Inquisição, sua tese de que a Terra se move em torno do Sol.
Eppur si muove (e, no entanto, ela se movimenta) queria dizer que, apesar de tudo, ele estava certo e Inquisição alguma derrubaria a realidade. Indo na contramão de Giordano Bruno, seu antecessor nesse mesmo tipo de processo, que optou pelas chamas da fogueira para defender seus princípios até a morte, Galileu, que provavelmente tinha o espírito carioca, preferiu dar um passo atrás, para ganhar mais impulso (como fazem os tigres ao dar o bote final na presa) no intuito de continuar pesquisando para desmoralizar os dogmas eclesiásticos.
O teatro carioca vai na mesma linha, mas com um arremate fundamental: acelerou na curva. Quem faz isso é porque não tem mais nada a perder. É mais perigoso, mas, pelo que estamos vendo, está dando certo.
Bolsonaro, Witzel, Dória, Roberto Alvim e Crivella são apenas circunstâncias que aparecerão nos livros de História como simples casos de vergonha nacional. Não ficarão. Serão enxotados para o esgoto em curto prazo. O teatro sabe disso, intelectuais sabem disso, a arte em geral sabe disso. Eles não têm o poder de esconder a verdade.