fbpx
bordados

BORDADOS / As mulheres muçulmanas exigem respeito

É como disse Oscar Wilde num de seus melhores momentos: A história da mulher é a história da pior tirania que o mundo conheceu: a tirania do mais fraco sobre o mais forte. É verdade que o Alcorão aprimorou bastante essa situação: elas existiam única e exclusivamente para servir os machos: dar-lhes filhos em casamentos arranjados, fazer chá, varrer o chão e serem submissas o tempo todo. Em outras palavras: enquanto os homens construíam seu harém particular, elas carregavam sozinhas a casa nas costas.

Afinal, o que tinha realmente em mente Alá ao reduzi-las a extrato de pó de peido? Entre a tradição e possíveis mudanças ao longo do tempo, há um abismo insano que passa por revoltas circunstanciais e particulares, mas nada que se pareça a uma revolução de costumes. Até hoje, a voz das mulheres muçulmanas não é ouvida pelos maridos, rastejam como vermes pela cozinha e arredores, são proibidas de estudar e ter um emprego. Exceções são esparsas. Apesar disso, algumas levantam a cabeça e exigem respeito, querem modificar seu status de qualquer maneira.

Com texto de Ana Teixeira a partir de centenas de entrevistas reunidas em documentários feitos pelo francês Yann Arthus-Bertrand, o espetáculo Bordados, encenado pelo Amok Teatro, levanta inúmeras polêmicas através de histórias contadas por seis mulheres árabes durante a tradicional cerimônia do chá.

Nessas reminiscências puxadas pela memória, cada qual exuma relatos que oscilam entre a tragédia e a emoção, mas todos com uma pegada crítica de arrepiar os mais desavisados. Entender o Islã não é pra qualquer um.

O amor, a intimidade, o sentido da vida, a felicidade são alguns dos temas levantados por essas mulheres guerreiras que colocam em xeque dogmas da tradição através de contos, das músicas, danças e rituais, criando a perspectiva do encontro e o compartilhamento de experiências: paixões, família, a maternidade, sonhos, perdas, momentos de tensão e algumas conquistas, todos sublinhados pela tradição e a modernidade. Um diálogo difícil, mesmo para quem acredita na resistência feminina diante do inevitável: a perda da individualidade.

Dirigido por Ana Teixeira e Stephane Brodt, Bordados conta com um time irresistível de seis atrizes lindas: Flávia Lopes, Jacyam Castilho, Sandra Alencar, Vanessa Dias, Carmen Frenzel e Vânia Santos, que se revezam em monólogos e diálogos na tentativa de montar um universo amplo e multifacetado de perguntas e respostas que abranjam o mais fielmente possível a situação da mulher no mundo islâmico.

Apesar dos inúmeros pontos positivos, no entanto, o texto se arrasta em alguns momentos, causando dispersão da plateia. A dramaturgia claudica ao perder a empatia justamente na comunhão entre os diálogos e os movimentos; falta jogo cênico e o ritual se perde. Mesmo com esses pequenos pecadilhos, é um espetáculo obrigatório para que todos entendam e se emocionem. Se alguém ainda hesitava em reconhecer a importância do Amok como um grupo que insiste em contemplar a situação dos desvalidos nas mais longínquas regiões do globo, Bordados dirime essas dúvidas com juros e correção monetária. Atuante e sempre antenado, a companhia de Ana e Stephane continuará essa saga por muito tempo, sempre com um olhar afetuoso ao focar a imensa legião de vulneráveis e desprotegidos por Deus ou Alá ou mesmo por governos despóticos. 

Bordados está em cartaz no Teatro III do CCBB-RJ até 24 de abril. Informações, dias, horários, ficha técnica, preços, link para compra de ingressos, veja em  https://teatrohoje.com.br/2022/02/18/bordados-2/