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the show must go on

The show must go on

Não se sabe ao certo quem proferiu a frase que dá título a este editorial e muito menos quando, mas sempre é possível especular as circunstâncias nas quais ela surgiu e onde. Vamos imaginar um produtor ganancioso e insensível que reúne o elenco choroso num camarim dos bastidores.

Ele começa devagar para não assustar os artistas, mas, aos poucos, vai enveredando sua argumentação para o que interessa:

“Galera, sei que o momento é difícil, mas a parada é a seguinte: o espetáculo tem de continuar, senão o investimento vai pro buraco e todo mundo será demitido. A gente tem de encontrar um substituto para esse ator que resolveu visitar seus antepassados antes da hora nesse tresloucado gesto”.

Sangue frio, nessas horas, pode ser considerada uma atitude inescrupulosa por uns, mas pragmática por outros.

De uma forma ou outra, ele tenta segurar o rojão depois de uma catástrofe de proporções ainda não devidamente quantificadas.

Geralmente, esta frase é emitida após um drama na vida real que emperra a roda do entretenimento.

Durante quase um ano, produtores e artistas se viram diante de uma pandemia que desconectou a classe teatral do público, com consequências previsíveis: salas fechadas, investimentos paralisados, trabalhos inconclusos, sonhos abortados.

Mais importante do que o “como” voltar, o pessoal de teatro talvez tenha que se preocupar mais com “o quê” encenar quando a vacina chegar.

Uma pandemia dessas proporções muda tudo: a realidade é relativizada e coloca sob suspeita o mundo, as pessoas e principalmente as instituições. É um evento que jamais será esquecido.

Com o isolamento, as pessoas se trancaram em suas casas e tiveram tempo para meditar, mergulhar em livros e principalmente avaliar suas vidas de uma forma mais introspectiva e filosófica.

O que viram no passado recente? Com quais espetáculos mais se identificaram? Com quais personagens ou tramas se emocionaram? Afinal, qual o saldo disso tudo? Ele é positivo ou negativo? Houve progresso quanto à forma do fazer teatral? Quais as companhias que buscaram solidificar-se diante do emaranhado de bifurcações estéticas e temáticas?

E o principal: como continuar? O que as plateias esperam dessa retomada?

As respostas divergem. Os diversos grupos que compõem a classe, cada qual vislumbra uma saída. São hipóteses, apenas chutes, mas é necessário fazer um balanço sensato para que não fiquemos no escuro e sermos pegos desprevenidos.

Existe um grupo que pretende simplesmente retomar os trabalhos inacabados, como se nada tivesse acontecido.

Há os que acham que, após uma situação limite dessa natureza, o público merece um descanso, da mesma forma que a década de 70 optou por desafogar o povo da obrigatoriedade das teses revolucionárias da década anterior. E aposta no besteirol. Pegar leve, entreter com o humor mais escrachado, desanuviar.

Em contraposição, outro grupo entende que essa introspecção do isolamento trará às salas de espetáculo um público mais exigente, talvez mais culto, que queira ver no palco sua própria condição sendo questionada política, social e economicamente.

Será hora de uma retomada mais engajada? Estará esse público sedento de mudanças estruturais no seio da sociedade? Pois, afinal, foi posto à prova da maneira mais cruel: ficou desempregado e foi humilhado diante de filas intermináveis nos bancos recebendo migalhas para poder comprar comida.

Impossível, que esse povo não espere algo diferente.

Nenhuma hipótese deve ser negligenciada. Dramaturgos que não reinventarem uma nova maneira de escrever textos de teatro serão impiedosamente degolados.

Yes, the show must go on, but …