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as mentiras do teatro

As mentiras do teatro

Assim como todas as outras artes, o teatro provavelmente também surgiu por acaso. Segundo os entendidos no assunto, ele nasceu das festas de consagração a Dionísio. Engatinhou um pouco nessa seara, até que alguém resolveu melhorar, inventou novos personagens que começaram a interagir entre si, dando margem para que os escritores entrassem na parada no sentido de inventar outros enredos.

Fizeram aquela miscelânea sabida entre a realidade e a mitologia, misturaram os mortais com os deuses e os temas se bifurcaram naturalmente.

Assim como as outras artes, o processo do teatro é por mimetismo: ele imita a realidade através da ficção. Baseado no que existe de concreto, o teatro simula. Para simular, ele mente, fingindo que aquilo que se vê é real.

É possível que o personagem tenha surgido antes do teatro através de um sujeito que tenha mentido pela primeira vez e criou protótipos novos. A malta aglomerava-se em torno dele para ouvir o que sua imaginação bolava de mais bizarro. Alguns acreditavam. Outros, não.

A maior parte dos personagens novos surge como imitação de alguém que existe na realidade, uma simples (e às vezes cruel) caricatura, e quase sempre com o objetivo de criticá-la, ironizar suas características, aumentando-as de forma humorística. Geralmente, isso acontece com os poderosos: o rei, o juiz, o bispo, os ministros de Estado, e também o pessoal do segundo escalão, como o carcereiro e o algoz.

Depois de um tempo, os dramaturgos perceberam que o mundo do teatro era povoado de maneira maniqueísta, classicamente dividida entre os virtuosos que praticavam o Bem e os escrotos que praticavam o Mal.

Esse protótipo criou um problema: como os bons normalmente entravam pela direita do palco e os maus pela esquerda, a plateia já adivinhava seus destinos de antemão.

Um autor mais espertinho (e revolucionário) inverteu esse processo, abrindo novas veredas para o desenvolvimento da dramaturgia, embolando o meio campo e criando o suspense.

Resumindo a conversa: a arte não é mais do que isso: uma maneira de peitar o Criador ao mimetizar mundos fantásticos que adubam o entretenimento com elementos inusitados.

Em seu livro O Mito de Sísifo, Albert Camus disse que viver torna-se absurdo a partir do momento em que sabemos que vamos morrer.

O que fazer entre o nascimento e a morte? Alguns se satisfazem simplesmente em comer, divertir-se e encher o mundo de filhos. Os artistas resolveram que isso era pouco e inventaram a arte, numa tentativa (provavelmente fadada ao fracasso) de se nivelarem aos deuses e burlar a morte, pois suas obras permaneceriam entre nós mesmo depois de terem partido para o andar de cima.

Mas o teatro tem um pacto subterrâneo entre os artistas e a plateia. Alguns sabem que aquilo é uma encenação. Por mais que se pareça à realidade, é uma trama artificial nascida do intelecto de um escritor.

Nesse pacto, há dois movimentos contrários que convergem no mesmo objetivo. Por seu lado, o autor faz o possível e o impossível para flechar a coração do público e o público finge esquecer da simulação para se emocionar.

Ou seja: ambos mentem.

E todos são felizes.