Foto de Richard Corkery<\/p><\/div>\n

O dramaturgo norte-americano Tennessee Williams \u2013 que conheceu o c\u00e9u e o inferno durante os 71 anos de sua exist\u00eancia \u2013 ainda trocava os dentes de leite quando aprendeu quais eram os ingredientes necess\u00e1rios para se construir um barril de p\u00f3lvora humano. Sentiu isso na pele porque, afinal de contas, o barril era ele mesmo e a p\u00f3lvora, claro, o inferno familiar em que estava metido.<\/p>\n

Sob o teto de uma casa emprestada pela comunidade ao av\u00f4 materno, que era pastor, os Williams se digladiavam diariamente. O garotinho assustado conviveu com Cornelius Williams, um pai alco\u00f3latra, infiel e ausente do lar; Edwina, uma m\u00e3e puritana, reprimida sexualmente e castradora; e Rose, sua irm\u00e3, que viria a revelar s\u00e9rios problemas mentais na adolesc\u00eancia, al\u00e9m de Dakin, o \u00faltimo a nascer e o mais poupado dos infort\u00fanios cotidianos que se abatiam sobre aquela fam\u00edlia disfuncional.<\/p>\n

Cornelius, caixeiro viajante, percorria o pa\u00eds a maior parte do tempo, enquanto as tr\u00eas crian\u00e7as ficavam aos cuidados da m\u00e3e, que os entretinha com leituras de Shakespeare e Charles Dickens. Quando isso acontecia, os anjos tocavam trombetas. Afinal, assim como os filhos, Edwina tolerava em sil\u00eancio os gritos do marido e sua selvageria verbal quando estava b\u00eabado. Como bem relembra Dakin, era uma casa onde todo mundo gritava, em especial quando os boletos eram colocados debaixo da porta.<\/p>\n

A presen\u00e7a paterna na casa s\u00f3 trazia sobressaltos e medos. Tennessee, a vida inteira, insistiu que o pai gostava mais do irm\u00e3o. Cornelius via no futuro escritor um rapaz fraco, de temperamento fr\u00e1gil e demasiadamente afeminado. Isso acabou empurrando-o para os livros, onde aquela crian\u00e7a franzina e insegura encontrou, enfim, um pouco de guarida e paz.<\/p>\n

Thomas Lanier Williams, o verdadeiro e pomposo nome do garotinho arredio e olhar triste, n\u00e3o sabia, claro, que estavam sendo erigidos dentro daquelas paredes de tormento os pilares do melhor e mais s\u00f3lido teatro contempor\u00e2neo de que se tem not\u00edcia na dramaturgia do s\u00e9culo XX. Essa torrente de sofrimento familiar cotidiano legou aos palcos do mundo inteiro verdadeiros cl\u00e1ssicos da dramaturgia e personagens que, at\u00e9 hoje, encontram morada nos cora\u00e7\u00f5es dos espectadores.<\/p>\n

Em todos os seus trabalhos, Tennessee Williams dissecou como ningu\u00e9m o tormento, a d\u00favida, a dor e a car\u00eancia humanas. O dramaturgo \u2013 que adotou o pseud\u00f4nimo por conta de seu forte sotaque do Sul, motivo de goza\u00e7\u00e3o constante dos colegas da universidade de Iowa \u2013 escreveu, ao todo, 45 pe\u00e7as longas e 60 de apenas um ato, al\u00e9m de contos, romances, poesia, ensaios, roteiros cinematogr\u00e1ficos e um livro de mem\u00f3rias. Foi sua resposta ao mundo para a falta de amor que o cercou.<\/p>\n

Homossexual assumido, nunca empunhou nenhuma bandeira \u2013 ali\u00e1s, era um conservador nato acerca de costumes e muito reservado, exceto se estivesse b\u00eabado \u2013, mas isso n\u00e3o impediu que vivesse uma vida pessoal e profissional na plenitude. Tennessee Williams n\u00e3o mandava recado. Em seus arroubos, era quase que um macaco numa cristaleira e descompunha quem quer que fosse. Isso, evidente, se necess\u00e1rio fosse. E pagou um pre\u00e7o bastante alto por isso.<\/p>\n

Todo mundo sabe, mas ningu\u00e9m diz. Se h\u00e1 uma coisa que o mundo das artes n\u00e3o aceita \u00e9 a autenticidade. O mais louco dos loucos, entre os artistas, \u00e9 sempre algu\u00e9m que faz as estripulias de caso pensado. Voc\u00ea pode at\u00e9 pendurar uma melancia no pesco\u00e7o, mas deve estar consciente de que, se ela for cortada, azar seu se a polpa n\u00e3o estiver muito doce para os comensais de ocasi\u00e3o.<\/p>\n

O dramaturgo norte-americano muitas vezes exibia a fruta no pesco\u00e7o sem nenhum constrangimento \u2013 em especial quando aparecia b\u00eabado em entrevistas televisivas. Quem o conhecia sabia que era s\u00f3 uma maneira de a crian\u00e7a que habitava nele defender-se. No entanto, que sumo sa\u00eda dali, que ambrosia, que manjar dos deuses. Frasista incorrig\u00edvel, um dia foi perguntado por um jornalista sobre sua homossexualidade. Desconversou, a ponto de se remexer na poltrona, mas se saiu com essa: \u201cOlha, digamos que eu tenha conhecido todos os cais\u201d.<\/p>\n

No movedi\u00e7o c\u00edrculo das artes, quando se pergunta a algu\u00e9m como est\u00e1, ou a pessoa responde que \u00f3tima ou desconversa. A verdade n\u00e3o faz bem a ningu\u00e9m e foi exatamente a sua verdade que Tennessee Williams esfregou na cara de todo mundo por meio de suas pe\u00e7as. No mesmo diapas\u00e3o, colheu amor e \u00f3dio.<\/p>\n

A Nova York puritana que lhe abriu as portas do sucesso, no in\u00edcio dos anos 1940, foi a mesma que lhe deu corda para que se enforcasse no come\u00e7o dos anos 1960, quando a cr\u00edtica come\u00e7ou a releg\u00e1-lo ao ostracismo, acelerando sua queda vertiginosa para o \u00e1lcool e as drogas. A d\u00e9cada de 1960, apesar de todos os seus esfor\u00e7os, n\u00e3o devolveu a fama ao autor. Diga o que se quiser, mas esse per\u00edodo de cerca de duas d\u00e9cadas foi suficiente para que Tennessee Williams dissesse a que veio e nos legasse obras-primas. Ele nunca capitulou. Insistente, sua carreira se estendeu at\u00e9 sua morte \u2013 com seus novos trabalhos apresentados em obscuros teatros longe da Broadway e j\u00e1 sem o f\u00f4lego necess\u00e1rio para voltar a brilhar.<\/p>\n

\u00c9 importante, contudo, destacar que, com suas pe\u00e7as teatrais, Tennessee Williams ganhou os principais pr\u00eamios da dramaturgia norte-americana. Embolsou dois Pulitzer por Um Bonde Chamado Desejo<\/i> (1948) e Gata em teto de zinco quente<\/i> (1955). Fora isso, papou o premio da New York Drama Critics Circle por \u00c0 Margem da vida <\/i>(1944) e A noite do iguana<\/i> (1961). Em 1952, A Rosa Tatuada<\/i> recebeu o Tony Award de melhor pe\u00e7a. E o ex-presidente Jimmy Carter lhe concedeu tamb\u00e9m, em 1980, a Medalha Presidencial da Liberdade. N\u00e3o \u00e9 para qualquer um, n\u00e3o.<\/p>\n

Tennessee Williams teve dois grandes amores em sua vida. Rose, a irm\u00e3 esquizofr\u00eanica que passou toda a sua juventude internada em hospitais psiqui\u00e1tricos e Frank Merlo, um ator italiano com quem viveu de 1947 a 1963, data da morte de Merlo.<\/p>\n

Um dia, quando passava uma breve temporada em casa, no in\u00edcio dos anos 1940, Rose atacou o pai a facadas e por pouco n\u00e3o logrou seu intento. A fam\u00edlia decidiu fazer lobotomia nela. Era uma interven\u00e7\u00e3o que dava ainda seus primeiros passos. A opera\u00e7\u00e3o incapacitou-a para o resto de sua vida. Tennessee Williams passou todo o seu calv\u00e1rio existencial apavorado pelo fantasma da loucura. O dramaturgo cuidou da irm\u00e3 at\u00e9 sua morte. E foi nos bra\u00e7os de Merlo, que morreu por conta de um c\u00e2ncer de pulm\u00e3o, que o dramaturgo encontrou paz de esp\u00edrito. \u00a0Foi certamente, durante os dezesseis anos que passaram juntos, o per\u00edodo afetivo mais tranquilo desse furac\u00e3o ambulante.<\/p>\n

\u00c0 Margem da Vida<\/em>, por ter catapultado o jovem Tennessee Williams \u00e0 fama nos c\u00edrculos intelectuais e gl\u00f3ria nos palcos, tamb\u00e9m o colocou diante de holofotes que serviram mais para amargurar sua vida que propriamente lustrar seu ego. Ele nunca teve uma rela\u00e7\u00e3o boa com o sucesso, ainda que gostasse, a ponto de sentir saudades da provinciana Saint Louis. Tinha muito medo de fracassar na pe\u00e7a seguinte. Depois de \u00c0 Margem<\/em>, produtores, cr\u00edtica e p\u00fablico queriam porque queriam um novo texto. E, de quebra, outra obra-prima. Ele teve que se esconder em Saint Louis para parir mais uma hist\u00f3ria.\u00a0 Em raz\u00e3o disso, e at\u00e9 para justificar seu terror, escreveu um ensaio memor\u00e1vel sobre esse per\u00edodo, chamado \u201cA cat\u00e1strofe do sucesso\u201d.<\/p>\n

Nele, se queixa da saudade dos tempos de extrema pobreza em cub\u00edculos pelo pa\u00eds. Em um luxuoso quarto de hotel em Manhattan, teclou furibundo: \u201cA vida que eu levara antes de atingir esse sucesso de p\u00fablico era do tipo que exigia resist\u00eancia e tenacidade, que me fazia agarrar-me \u00e0 superf\u00edcie cheia de arestas que me feriam e me obrigavam a prender-me firmemente, com unhas e dentes, a cada cent\u00edmetro de pedra colocada mais alto que a precedente \u2013 mas era uma vida substancialmente boa porque era do tipo para o qual o organismo humano \u00e9 criado\u201d. \u00c9 que, saturado com os elogios, Tennessee Williams temia que os mantras de \u201cadorei sua pe\u00e7a\u201d o matassem por dentro e ele se visse incapaz de escrever outro texto. Para ele, a vida era curta e n\u00e3o voltava nunca mais, raz\u00e3o porque a pureza do cora\u00e7\u00e3o \u201c\u00e9 o \u00fanico sucesso que vale a pena termos\u201d.<\/p>\n

A ironia \u00e9 que as suas pe\u00e7as escritas depois de 1960, e praticamente ignoradas pelos produtores, come\u00e7aram a ser montadas mal o p\u00fablico tinha assimilado seu falecimento.\u00a0 Tennessee Williams brilhou nos palcos americanos nos anos 1940 e 1950. O publico o amava e parte da critica \u2013 que torcia o rosto por achar suas pe\u00e7as superficiais e por demais confessionais \u2013 empenhou-se em destru\u00ed-lo em trabalhos posteriores. De fracasso em fracasso, ele se escondeu no \u00e1lcool e drogas e tudo o que escreveu depois da segunda metade dos anos 1960 era objeto de criticas mordazes.<\/p>\n

O dramaturgo norte-americano, nascido em 26 de mar\u00e7o de 1911, em Columbus, no estado do Mississippi, foi encontrado morto supostamente engasgado com a tampa de um frasco de rem\u00e9dio num quarto do Hotel Elys\u00e9e, em Nova York, no dia 25 de fevereiro de 1983. Antes de partir deste mundo, que o assustava como a uma crian\u00e7a quando chega a noite, tivesse tempo de abrir a janela do solit\u00e1rio quarto daquele hotel nova-iorquino, tendo aos seus p\u00e9s a cidade que o amou para, em seguida, desprez\u00e1-lo, ele certamente gritaria a plenos pulm\u00f5es a celebre frase de sua personagem principal, Blanche Dubois, quando \u00e9 levada para um manic\u00f4mio: \u201cSeja o senhor quem for… eu sempre dependi da bondade dos estranhos…\u201d. A cidade por certo silenciaria. Provavelmente por vergonha.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O dramaturgo norte-americano Tennessee Williams \u2013 que conheceu o c\u00e9u e o inferno durante os 71 anos de sua exist\u00eancia \u2013 ainda trocava os dentes de leite quando aprendeu quais eram os ingredientes necess\u00e1rios para se construir um barril de p\u00f3lvora humano. Sentiu isso na pele porque, afinal de contas, o barril era ele mesmo e a p\u00f3lvora, claro, o inferno familiar em que estava metido. Sob o teto de uma casa emprestada pela comunidade ao av\u00f4 materno, que era pastor, os Williams se digladiavam diariamente. O garotinho assustado conviveu com Cornelius Williams, um pai alco\u00f3latra, infiel e ausente do lar; Edwina, uma m\u00e3e puritana, reprimida sexualmente e castradora; e Rose, sua irm\u00e3, que viria a revelar s\u00e9rios problemas mentais na adolesc\u00eancia, al\u00e9m de Dakin, o \u00faltimo a nascer e o mais poupado dos infort\u00fanios cotidianos que se abatiam sobre aquela fam\u00edlia disfuncional. Cornelius, caixeiro viajante, percorria o pa\u00eds a maior parte do tempo, enquanto as tr\u00eas crian\u00e7as ficavam aos cuidados da m\u00e3e, que os entretinha com leituras de Shakespeare e Charles Dickens. Quando isso acontecia, os anjos tocavam trombetas. Afinal, assim como os filhos, Edwina tolerava em sil\u00eancio os gritos do marido e sua selvageria verbal quando estava b\u00eabado. Como bem relembra Dakin, era uma casa onde todo mundo gritava, em especial quando os boletos eram colocados debaixo da porta. A presen\u00e7a paterna na casa s\u00f3 trazia sobressaltos e medos. Tennessee, a vida inteira, insistiu que o pai gostava mais do irm\u00e3o. Cornelius via no futuro escritor um rapaz fraco, de temperamento fr\u00e1gil e demasiadamente afeminado. Isso acabou empurrando-o para os livros, onde aquela crian\u00e7a franzina e insegura encontrou, enfim, um pouco de guarida e paz. Thomas Lanier Williams, o verdadeiro e pomposo nome do garotinho arredio e olhar triste, n\u00e3o sabia, claro, que estavam sendo erigidos dentro daquelas paredes de tormento os pilares do melhor e mais s\u00f3lido teatro contempor\u00e2neo de que se tem not\u00edcia na dramaturgia do s\u00e9culo XX. Essa torrente de sofrimento familiar cotidiano legou aos palcos do mundo inteiro verdadeiros cl\u00e1ssicos da dramaturgia e personagens que, at\u00e9 hoje, encontram morada nos cora\u00e7\u00f5es dos espectadores. Em todos os seus trabalhos, Tennessee Williams dissecou como ningu\u00e9m o tormento, a d\u00favida, a dor e a car\u00eancia humanas. O dramaturgo \u2013 que adotou o pseud\u00f4nimo por conta de seu forte sotaque do Sul, motivo de goza\u00e7\u00e3o constante dos colegas da universidade de Iowa \u2013 escreveu, ao todo, 45 pe\u00e7as longas e 60 de apenas um ato, al\u00e9m de contos, romances, poesia, ensaios, roteiros cinematogr\u00e1ficos e um livro de mem\u00f3rias. Foi sua resposta ao mundo para a falta de amor que o cercou. Homossexual assumido, nunca empunhou nenhuma bandeira \u2013 ali\u00e1s, era um conservador nato acerca de costumes e muito reservado, exceto se estivesse b\u00eabado \u2013, mas isso n\u00e3o impediu que vivesse uma vida pessoal e profissional na plenitude. Tennessee Williams n\u00e3o mandava recado. Em seus arroubos, era quase que um macaco numa cristaleira e descompunha quem quer que fosse. Isso, evidente, se necess\u00e1rio fosse. E pagou um pre\u00e7o bastante alto por isso. Todo mundo sabe, mas ningu\u00e9m diz. Se h\u00e1 uma coisa que o mundo das artes n\u00e3o aceita \u00e9 a autenticidade. O mais louco dos loucos, entre os artistas, \u00e9 sempre algu\u00e9m que faz as estripulias de caso pensado. Voc\u00ea pode at\u00e9 pendurar uma melancia no pesco\u00e7o, mas deve estar consciente de que, se ela for cortada, azar seu se a polpa n\u00e3o estiver muito doce para os comensais de ocasi\u00e3o. O dramaturgo norte-americano muitas vezes exibia a fruta no pesco\u00e7o sem nenhum constrangimento \u2013 em especial quando aparecia b\u00eabado em entrevistas televisivas. Quem o conhecia sabia que era s\u00f3 uma maneira de a crian\u00e7a que habitava nele defender-se. No entanto, que sumo sa\u00eda dali, que ambrosia, que manjar dos deuses. Frasista incorrig\u00edvel, um dia foi perguntado por um jornalista sobre sua homossexualidade. Desconversou, a ponto de se remexer na poltrona, mas se saiu com essa: \u201cOlha, digamos que eu tenha conhecido todos os cais\u201d. No movedi\u00e7o c\u00edrculo das artes, quando se pergunta a algu\u00e9m como est\u00e1, ou a pessoa responde que \u00f3tima ou desconversa. A verdade n\u00e3o faz bem a ningu\u00e9m e foi exatamente a sua verdade que Tennessee Williams esfregou na cara de todo mundo por meio de suas pe\u00e7as. No mesmo diapas\u00e3o, colheu amor e \u00f3dio. A Nova York puritana que lhe abriu as portas do sucesso, no in\u00edcio dos anos 1940, foi a mesma que lhe deu corda para que se enforcasse no come\u00e7o dos anos 1960, quando a cr\u00edtica come\u00e7ou a releg\u00e1-lo ao ostracismo, acelerando sua queda vertiginosa para o \u00e1lcool e as drogas. A d\u00e9cada de 1960, apesar de todos os seus esfor\u00e7os, n\u00e3o devolveu a fama ao autor. Diga o que se quiser, mas esse per\u00edodo de cerca de duas d\u00e9cadas foi suficiente para que Tennessee Williams dissesse a que veio e nos legasse obras-primas. Ele nunca capitulou. Insistente, sua carreira se estendeu at\u00e9 sua morte \u2013 com seus novos trabalhos apresentados em obscuros teatros longe da Broadway e j\u00e1 sem o f\u00f4lego necess\u00e1rio para voltar a brilhar. \u00c9 importante, contudo, destacar que, com suas pe\u00e7as teatrais, Tennessee Williams ganhou os principais pr\u00eamios da dramaturgia norte-americana. Embolsou dois Pulitzer por Um Bonde Chamado Desejo (1948) e Gata em teto de zinco quente (1955). Fora isso, papou o premio da New York Drama Critics Circle por \u00c0 Margem da vida (1944) e A noite do iguana (1961). Em 1952, A Rosa Tatuada recebeu o Tony Award de melhor pe\u00e7a. E o ex-presidente Jimmy Carter lhe concedeu tamb\u00e9m, em 1980, a Medalha Presidencial da Liberdade. N\u00e3o \u00e9 para qualquer um, n\u00e3o. Tennessee Williams teve dois grandes amores em sua vida. Rose, a irm\u00e3 esquizofr\u00eanica que passou toda a sua juventude internada em hospitais psiqui\u00e1tricos e Frank Merlo, um ator italiano com quem viveu de 1947 a 1963, data da morte de Merlo. Um dia, quando passava uma breve temporada em casa, no in\u00edcio dos anos 1940, Rose atacou o pai a facadas e por pouco n\u00e3o logrou seu intento. A fam\u00edlia decidiu fazer lobotomia nela. Era uma interven\u00e7\u00e3o que dava ainda seus primeiros passos. A opera\u00e7\u00e3o incapacitou-a para o resto de sua vida. Tennessee Williams passou todo o seu calv\u00e1rio existencial apavorado pelo fantasma da loucura. O dramaturgo cuidou da irm\u00e3 at\u00e9 sua morte. E foi nos bra\u00e7os de Merlo, que morreu por conta de um c\u00e2ncer de pulm\u00e3o, que o dramaturgo encontrou paz de esp\u00edrito. \u00a0Foi certamente, durante os dezesseis anos que passaram juntos, o per\u00edodo afetivo mais tranquilo desse furac\u00e3o ambulante. \u00c0 Margem da Vida, por ter catapultado o jovem Tennessee Williams \u00e0 fama nos c\u00edrculos intelectuais e gl\u00f3ria nos palcos, tamb\u00e9m o colocou diante de holofotes que serviram mais para amargurar sua vida que propriamente lustrar seu ego. Ele nunca teve uma rela\u00e7\u00e3o boa com o sucesso, ainda que gostasse, a ponto de sentir saudades da provinciana Saint Louis. Tinha muito medo de fracassar na pe\u00e7a seguinte. Depois de \u00c0 Margem, produtores, cr\u00edtica e p\u00fablico queriam porque queriam um novo texto. E, de quebra, outra obra-prima. Ele teve que se esconder em Saint Louis para parir mais uma hist\u00f3ria.\u00a0 Em raz\u00e3o disso, e at\u00e9 para justificar seu terror, escreveu um ensaio memor\u00e1vel sobre esse per\u00edodo, chamado \u201cA cat\u00e1strofe do sucesso\u201d. Nele, se queixa da saudade dos tempos de extrema pobreza em cub\u00edculos pelo pa\u00eds. Em um luxuoso quarto de hotel em Manhattan, teclou furibundo: \u201cA vida que eu levara antes de atingir esse sucesso de p\u00fablico era do tipo que exigia resist\u00eancia e tenacidade, que me fazia agarrar-me \u00e0 superf\u00edcie cheia de arestas que me feriam e me obrigavam a prender-me firmemente, com unhas e dentes, a cada cent\u00edmetro de pedra colocada mais alto que a precedente \u2013 mas era uma vida substancialmente boa porque era do tipo para o qual o organismo humano \u00e9 criado\u201d. \u00c9 que, saturado com os elogios, Tennessee Williams temia que os mantras de \u201cadorei sua pe\u00e7a\u201d o matassem por dentro e ele se visse incapaz de escrever outro texto. Para ele, a vida era curta e n\u00e3o voltava nunca mais, raz\u00e3o porque a pureza do cora\u00e7\u00e3o \u201c\u00e9 o \u00fanico sucesso que vale a pena termos\u201d. A ironia \u00e9 que as suas pe\u00e7as escritas depois de 1960, e praticamente ignoradas pelos produtores, come\u00e7aram a ser montadas mal o p\u00fablico tinha assimilado seu falecimento.\u00a0 Tennessee Williams brilhou nos palcos americanos nos anos 1940 e 1950. O publico o amava e parte da critica \u2013 que torcia o rosto por achar suas pe\u00e7as superficiais e por demais confessionais \u2013 empenhou-se em destru\u00ed-lo em trabalhos posteriores. De fracasso em fracasso, ele se escondeu no \u00e1lcool e drogas e tudo o que escreveu depois da segunda metade dos anos 1960 era objeto de criticas mordazes. O dramaturgo norte-americano, nascido em 26 de mar\u00e7o de 1911, em Columbus, no estado do Mississippi, foi encontrado morto supostamente engasgado com a tampa de um frasco de rem\u00e9dio num quarto do Hotel Elys\u00e9e, em Nova York, no dia 25 de fevereiro de 1983. Antes de partir deste mundo, que o assustava como a uma crian\u00e7a quando chega a noite, tivesse tempo de abrir a janela do solit\u00e1rio quarto daquele hotel nova-iorquino, tendo aos seus p\u00e9s a cidade que o amou para, em seguida, desprez\u00e1-lo, ele certamente gritaria a plenos pulm\u00f5es a celebre frase de sua personagem principal, Blanche Dubois, quando \u00e9 levada para um manic\u00f4mio: \u201cSeja o senhor quem for… eu sempre dependi da bondade dos estranhos…\u201d. A cidade por certo silenciaria. Provavelmente por vergonha.<\/p>\n","protected":false},"author":28,"featured_media":76500,"comment_status":"closed","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_acf_changed":false,"footnotes":""},"categories":[677,102],"tags":[],"acf":[],"yoast_head":"\n