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Diante do pragmatismo da pol\u00edtica, onde est\u00e1 o certo, onde est\u00e1 o errado? O que fazer quando um deles transgride as regras mais elementares, trai princ\u00edpios e o protagonismo avan\u00e7a o sinal?<\/span><\/p>\n Com idealiza\u00e7\u00e3o, adapta\u00e7\u00e3o e dire\u00e7\u00e3o de Daniel Dias da Silva e expressivas interpreta\u00e7\u00f5es de Thelmo Fernandes e Cl\u00e1udio Gabriel, o texto Dignidade<\/i>, do catal\u00e3o Ignasi Vidal, \u00e9 um jogo de xadrez: cada pe\u00e7a \u00e9 movimentada homeopaticamente no intuito de desvendar as duvidosas e esp\u00farias rela\u00e7\u00f5es contaminadas pelo individualismo que atropelam a moral. A cad\u00eancia da pe\u00e7a \u00e9 soberba. O autor tem pleno dom\u00ednio sobre o ritmo de cada cena e o timing perfeito de quando, como e onde introduzir as informa\u00e7\u00f5es que formam um patchwork bem condimentado de reflex\u00f5es sobre os di\u00e1logos, que v\u00e3o num crescente de tal magnitude at\u00e9 chegar \u00e0 catarse final.<\/span><\/p>\n Os dois atores est\u00e3o numa comunh\u00e3o quase lit\u00fargica durante todo o espet\u00e1culo; n\u00e3o h\u00e1 um momento sequer que se perceba uma vacilada ou uma for\u00e7ada de barra. Thelmo e Cl\u00e1udio se equivalem em g\u00eanero, n\u00famero e grau. Experientes & matreiros, ambos jogam abertamente, al\u00e7ando a alturas insuspeitadas as personalidades e car\u00e1ter de seus personagens. Existe um equil\u00edbrio na dramaturgia poucas vezes visto no palco. Nesse desafio ret\u00f3rico, predomina o bom senso l\u00fadico, onde cada qual ataca e se defende por conta pr\u00f3pria de acordo com suas convic\u00e7\u00f5es. Eles competem, pelejam e combatem de igual para igual com habilidade e destreza. H\u00e1 manipula\u00e7\u00e3o, trapa\u00e7as e artimanhas nesse engenhoso ardil. H\u00e1 mal\u00edcia e sutilezas.<\/span><\/p>\n Mas h\u00e1 tamb\u00e9m oscila\u00e7\u00f5es devidas principalmente a uma adapta\u00e7\u00e3o question\u00e1vel. Que mal faria se o texto fosse encenado de acordo com o original, sem as consequentes cita\u00e7\u00f5es abrasileiradas? Ser\u00e1 realmente indispens\u00e1vel trocar de pa\u00eds para que o espectador entenda uma trama t\u00e3o universal e atemporal? A partir do momento em que o adaptador coloca refer\u00eancias como: Foi em S\u00e3o Paulo que eu me encontrei com um pol\u00edtico idoso que precisava de meu apoio <\/i>ou Nos encontramos <\/i>n<\/i>um restaurante muito caro de Ilha Bela para acertarmos a propina <\/i>ou ainda Iremos junto<\/i>s<\/i> rumo ao Planalto<\/i>, a pe\u00e7a envereda por circunst\u00e2ncias amb\u00edguas, pois embaralha e confunde o espectador. N\u00e3o seria melhor que esses encontros tivessem lugar numa confeitaria das Ramblas ou no Barrio G\u00f3tico ou nas imedia\u00e7\u00f5es da Casa Mil\u00e0, redutos que o catal\u00e3o conhece bem e que provavelmente existem no original?<\/span><\/p>\n Afinal, nessas circunst\u00e2ncias, imagina-se em qual partido pol\u00edtico brasileiro estaria se desenrolando essa conversa sobre \u00e9tica e transpar\u00eancia. No PL? No PSDB, no Republicanos, no Uni\u00e3o Brasil?<\/span><\/p>\n Shakespeare (\u00e9 s\u00f3 um exemplo) nunca teve esses problemas em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s suas encena\u00e7\u00f5es. Ningu\u00e9m acreditaria se Romeu e Julieta se encontrassem num boteco da Praia Grande ou Ricardo III declamasse seu famoso mon\u00f3logo Meu Reino por um cavalo <\/i>no Posto Nove de Ipanema ou na praia do Arpoador.<\/span><\/p>\n Por que existe ent\u00e3o essa compuls\u00e3o de adaptar o texto de um espanhol, partindo do pressuposto de que o di\u00e1logo poderia ser em qualquer localidade do mundo?<\/span><\/p>\n O Brasil est\u00e1 num momento muito delicado. Depois das elei\u00e7\u00f5es que deram a presid\u00eancia a Lula contra todo um conjunto de for\u00e7as que tentam impedir que exer\u00e7a suas fun\u00e7\u00f5es (mercado financeiro e imprensa inclusos), \u00e9 necess\u00e1ria muita cautela ao reunir teatro com pol\u00edtica, principalmente se a pe\u00e7a termina com um discurso d\u00fabio e evasivo do assessor assassino que promete mudan\u00e7as de forma declaradamente hip\u00f3crita.<\/span><\/p>\n Quem promete mudan\u00e7as \u00e9 o PT e isso pode confundir o espetador mais desatento.<\/span><\/p>\n Ningu\u00e9m \u00e9 t\u00e3o ing\u00eanuo de achar que n\u00e3o existe corrup\u00e7\u00e3o na Espanha, tanto que o rei de l\u00e1 foi pego com a boca na botija faz pouco tempo e saiu correndo, exilando-se em outro pa\u00eds, mas tamb\u00e9m \u00e9 verdade que l\u00e1 existem partidos de verdade, uns mais \u00e0 direita, outros mais \u00e0 esquerda, e todos eles com programas definidos; uns s\u00e3o mais conservadores, outros mais progressistas, existem os que prometem lutar contra o uso indiscriminado de combust\u00edvel f\u00f3ssil e se empenham em batalhar por fonte de energia renov\u00e1vel. Por outro lado, alguns exigem a\u00e7\u00e3o mais dr\u00e1stica contra os refugiados e, ao mesmo tempo, pretendem diminuir os impostos.<\/span><\/p>\n Ou seja, isso \u00e9 pol\u00edtica, o que n\u00e3o existe no Brasil, que \u00e9 uma quizumba generalizada de 35 partidos que formam um bloco coeso de balc\u00e3o de neg\u00f3cios. Recebem e dividem as propinas equitativamente sem o menor resqu\u00edcio de \u00e9tica, honradez ou dec\u00eancia.<\/span><\/p>\n