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INTIMIDADE INDECENTE / Um clássico que agrada a gregos e troianos
Poderia ser mais uma discussão de relacionamento se o texto não fosse escrito por Leilah Assumpção que, segundo Renata Palottini, é uma dramaturga que inventou uma nova forma de colocar na cena teatral suas intuições, descobertas e experiências, inovando de tal maneira a dramaturgia em sua geração que se tornou a introdutora de um diálogo inusitado e de personagens inéditos.
Teve atuação decisiva nas décadas de 60 e 70 com peças clássicas como Fala Baixo, se Não Eu Grito (1969), Roda Cor de Roda (1975),Vejo um Vulto na Janela, Me Acudam que Eu Sou Donzela, escrita em 1964, mas que só estreou em 1979, Boca Molhada de Paixão Calada (1984), entre outras, todas libertárias e divertidas, com um pé no feminismo e no retrato realista de uma nova mulher que surgia.
Portanto, Intimidade Indecente vai muito além do trivial variado que normalmente se vê no palco com essa temática. Estreou em 2001 com Irene Ravache e Marcos Caruso e volta 21 anos depois, com Eliane Giardini, mantendo o mesmo par masculino.
A sinopse é simples: um casal sessentão resolve se separar em virtude do desgaste da rotina do casamento: o sexo é apenas uma vaga lembrança, os ressentimentos incubados e a implicância mútua se repetem à exaustão. Não há motivo para ficarem juntos. Mas o diferencial vem em seguida: Leilah Assumpção não é uma autora qualquer, ela vai fundo, desdobra-se para não cair em estereótipos.
Com o desenrolar das cenas que se sucedem a intervalos de dez anos ou mais entre uma e outra, o público percebe que o tema não é a separação em si, mas a aproximação da velhice, com todas suas sequelas inerentes: o esquecimento, dores nas juntas, dificuldades de locomoção e principalmente as experiências de cada um diante das vicissitudes da vida. O efeito bumerangue se dá da seguinte maneira: o casal se reencontra várias vezes em circunstâncias diferentes que modificam vertiginosamente o cerne da questão, acrescentando novas perspectivas e nuances ou mesmo suprimindo outras possibilidades. Nesse jogo de adição e subtração é que está o êxito maior do texto.
O grande trunfo da peça é a incorporação dessas mudanças estruturais e inclusive na postura dos personagens sem lançar mão de nenhum artifício de maquiagem ou vestuário, pois, do meio da peça para frente, passam-se vinte e cinco anos ou mais.
Tanto Eliane Giardini quanto Marcos Caruso interpretam esse avanço da velhice à sua maneira. Enquanto a atriz se atém com brilho ao que estava na intenção da autora, o ator cede ao mais fácil: a caricatura. Às vezes, dá a impressão que está nesses programas pueris de TV, o que é uma pena diante da enormidade de seu talento.
Intimidade Indecente tem duas partes: na primeira (provavelmente numa tentativa desastrada de atualizar as cenas cômicas), o texto apela para algumas grosserias que possivelmente não estavam no script original e que foram adicionadas para esquentar o público. Na segunda, vem o drama propriamente dito: uma tragicomédia séria e profunda onde o ser humano se desdobra para enfrentar as arapucas do destino.
Uma reflexão, contudo, se faz necessária: até que ponto as grandes produções devem se submeter a esse fenômeno absurdo e bizarro de agradar o público que pretende rir de tudo a qualquer preço? Acaso acham que o texto de Leilah Assumpção não é o suficiente? Serão os repetecos, cacos e simulações realmente necessários para lotar uma casa de espetáculo?
É difícil dizer se o diretor Guilherme Leme Garcia atuou de forma conivente ou atenuante nesse processo, mas a verdade é que tudo funciona de forma eficiente, principalmente na lírica cena final. Aos puristas, resta apenas a possibilidade de aceitar o riso histérico das plateias sem espernear muito, caso contrário serão tachados de tiozinhos rabugentos.
Intimidade indecente está em temporada no Teatro Clara Nunes. Ver sinopse, ficha técnica, endereço, horários, preços, ingressos etc. em https://teatrohoje.com.br/2022/03/31/intimidade-indecente/