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Sísifo | O HUMOR É COISA SÉRIA
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A ambiguidade desse aforismo do Millôr Fernandes é de uma felicidade espantosa. Pode-se depreender tudo e mais um pouco. Quando se fala em humorismo, vários nomes nos vêm à mente como referência: Woody Allen, Oscar Wilde e Monty Python. Groucho Marx, Jonathan Swift e Laurel & Hardy. E Chaplin, claro, o comediante que conseguiu nos fazer rir, com uma ponta de tristeza. Todos eles irreverentes. Todos eles engajados em detectar o lado hilário de situações angustiantes do relacionamento humano. Todos (cada um à sua maneira) foram filósofos, pois nos fizeram refletir sobre o sentido da vida.
No Brasil, não foi diferente: Grande Othelo, Oscarito, Jô Soares, Ronald Golias, Chico Anysio e Casseta & Planeta. Mais recentemente, ocorreu um fenômeno interessante: Porta dos Fundos, que mesclou vários tipos de humor, mas sempre calcados na crítica de costumes.
No entanto, tudo isso já passou e a vaga de um nome que protagonizasse a primazia de porta-voz dessa tendência ainda está vaga. Sem medo de errar, vamos colocar assim: Gregório Duvivier é um sério candidato para preencher essa lacuna. Tem todos os atributos para isso: inteligência, sagacidade, insolência e uma rara habilidade de saber colocar as palavras num contexto que abrange todas as vicissitudes do ser humano frente à barbárie.
Como todos os seus antecessores, optou pelo humor, a mais séria manifestação inventada para desmoralizar os poderosos, a exemplo dos clowns da Idade Média, da Commedia dell’Arte, do circo e de todos os saltimbancos que se insurgiram contra o poder e o autoritarismo ao longo dos séculos, materializando a mais genuína (e sutil) maneira de mostrar que o rei estava nu.
Todo bom comediante é um visionário herético que ataca a verdade oficial através de paradoxos e artifícios, valendo-se de um discurso anacrônico e pervertido. Seus alvos são sempre os mesmos: a vaidade, a infâmia, a ganância, os estereótipos, a acumulação de grana.
Gregório Duvivier já vinha nessa cruzada há tempos, nunca, porém, resvalando em recursos fáceis, como a ideologia ou a panfletagem. Sempre teve tino para não cair na polarização pura & simples ou no maniqueísmo, sempre se manteve no fio da navalha, que é o lugar mais nobre do humorismo.
Com o monólogo Sísifo, ele dá um passo a mais: transforma tudo isso numa peça de teatro da melhor qualidade. Composto por uma série infindável de esquetes que se apropriam de temas dos mais díspares, ele fala de tudo, unindo uma furiosa poesia com a mais deslavada corrosão das estruturas sociais.
Elegante e dono da situação, ele interpreta personagens no limiar da existência, fincando pé no mito grego que carregava uma pedra nas costas por uma colina. Quando chegava ao cume, a pedra rolava ladeira abaixo e ele tinha de recomeçar tudo de novo. Um esforço vão que se materializa na mais poderosa metáfora da precariedade e da finitude humanas. Não poderia haver uma imagem que melhor representasse a situação do brasileiro de hoje e de todos os tempos.
O espaço cenográfico é um achado de simplicidade: apenas uma rampa inclinada na qual o ator sobe, desce e cai no abismo muitas vezes. Essa repetição cria um clima de impotência periódica, uma infinita série de tentativas de conhecer e entender o mundo, mas, ao mesmo tempo, provar que a insistência é própria do cidadão que não desiste nunca e sabe que, só através desse esforço utópico, conseguirá driblar os percalços que encontra pelo caminho.
Nem todos os esquetes são engraçados, nem todos são angustiantes, mas há uma boa dose de lirismo que permeia cada um deles.
Há todo tipo de casos. A realidade é explorada à exaustão e vai desde o malogro de um relacionamento amoroso até a politicagem que mergulhará o mundo numa catástrofe apocalíptica de incalculáveis proporções.
Como estamos acostumados ao Duvivier discursivo (quase sempre interpretando a si mesmo), nos surpreendemos quando ele se transforma num ator de grandeza única, dando o sangue, correndo, saltando e manipulando as emoções da plateia como um autêntico artista do picadeiro da vida.
Sim, é o Duvivier que está lá no palco, mas também não. Ele encarna, revela, anuncia, é um executante que explica, é um hermeneuta que sugere uma nova maneira de focar o mundo e suas derivações e (sempre que pode ou a ocasião aparece) sublinha o que está por trás das pessoas, dos objetos e das situações (por mais corriqueiras que sejam).
Sísifo é um espetáculo de teatro com todos os ingredientes de uma boa comédia, mas alicerçado num texto que comprova que o humor é (e sempre foi, aliás, desde Voltaire) uma coisa séria com uma finalidade clara: tirar o público da zona de conforto, detoná-lo como ser humano e habitante deste vale de lágrimas, e fazer com que acorde.
Sísifo. Texto de Vinícius Calderoni e Gregório Duvivier, direção de Vinícius Calderoni, com Gregório Duvivier.
De 9 de janeiro a 16 de fevereiro, quinta a sábado, 21h, domingo 19h. Ingressos de R$ 35,00 a R$ 90,00. Classificação 16 anos.
Teatro PRUDENTIAL – Rua do Russel, 804, Glória. Tel. 3554-2934[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]
Comentários
2 respostas para “Sísifo | O HUMOR É COISA SÉRIA”
[…] Sísifo | O HUMOR É COISA SÉRIA […]
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