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O pacto prévio das lives
Depois da explosão das lives, é hora de botar um pouco de ordem no terreiro. Ninguém discute que foi necessário encontrar uma saída para que o artista continuasse desenvolvendo (e aprimorando) sua técnica mesmo durante a pandemia e aplacar a demanda reprimida do espectador saudoso de teatro, mas alguns equívocos devem ser resolvidos com urgência no intuito de driblar a mesmice que anda pipocando na telinha do celular.
Em primeiro lugar, os atores (e os diretores) devem entender que olhar para a câmera sugere que eles estão dialogando um com o outro como se estivessem no mesmo cômodo. Isso cria um clima de cumplicidade artificial com o espectador, que abre mão da verossimilhança para entrar no espírito da coisa. Ou seja: Eu sei que cada qual está em sua respectiva casa; sei também que devo engolir esse mico para poder usufruir do enredo e dos diálogos.
Não deixa de ser um pacto prévio e silencioso entre o artista e o espectador.
O que nos remete ao segundo ponto: qualquer texto é passível de adaptação para uma live? A resposta é não. Existem os mais adequados, existem os que não se encaixam direito e existem os que de maneira alguma poderiam ser considerados. O ideal seria que os dramaturgos arregaçassem as mangas para criar um texto diretamente para uma live, agregando o artifício de comunicação à distância através de diálogos via laptop.
Uma mãe saudosa, um filho arrependido, um casal que pretende lavar a roupa suja de anos e se reconciliar. Os motes podem ser os mesmos de sempre, mas a plateia precisa saber o que está vendo. Facilitaria as coisas para ambos os lados.
Só por curiosidade, é interessante averiguar como o pessoal de outros países está enfrentando este desafio.
Nesse sentido, a Netflix saiu na frente e encomendou a 17 cineastas, atores e artistas em geral curtas sobre a pandemia. Tema: as consequências do isolamento. O conteúdo está disponível na grade e chama-se Feito em Casa.
Há um pouco de tudo. Um rapaz acopla uma câmera a um drone através da qual ele pode ver o que acontece nas redondezas de seu bairro (Ladj Ly); dois bonecos, do papa Francisco e da rainha Elizabeth, ficam conversando em vários cenários (Paulo Sorrentino); um homem que vive numa casa de repouso faz chamadas de vídeo para as mulheres da sua vida (Pablo Larrain); um casal em crise com o confinamento se diverte com os amigos, mandando posts e mensagens de voz (Rungano Nyoni). Além desses, há atrizes do porte de Rachel Morrison, Maggie Gyllenhaal e Kristen Stewart, que se aventuraram como diretoras e não se saíram mal.
Alguns são gravados através do celular e contemplam muitas possibilidades de comunicação. Há humor, poesia, solidariedade, afeto, solidão, drama. Nem todos são bons, mas valem uma curtida.
Apesar de serem curtas e não lives propriamente ditas, todos deveriam ver para diversificar suas ideias.
Apesar disso tudo, as lives estão melhorando. Não à toa, muitos dos espetáculos brasileiros agregaram a seus projetos artistas da imagem que alternam cenas de documentários e filmes às lives, além de muitos efeitos especiais, que contribuem para acelerar a dinâmica dos diálogos, quase sempre estáticos demais.